terça-feira, 31 de maio de 2011

Insultos por e-mail


Mandou-me um e-mail
Doido, patético, desaforado:

"Poeta do que é feio,
Pobre morfético, descomungado!",
Pois sua beleza estética
Nunca eu havia louvado.
Como não falar ou mencioná-la
Em versos, poemas e épicos?
Uma deusa na terra, um anjo encarnado!

Mando em resposta
Este e-mail perverso, porque fui provocado:

Você é engano para quem quer ser enganado;
É que sua imagem poética
Falsa e triste ficaria
A destacar uma linda cabecinha
Feita de vácuo perpétuo, dura e vazia.

Os poetas não mentem
Diante do esdrúxulo:
Bonita por fora
E por dentro pão bolorento!

Você é o invólucro do nada,
Embalagem do vento.

Como falar da rosa que nasce na bosta
Sem considerar a sabedoria da roseira,
As virtudes do solo e do adubamento?

segunda-feira, 30 de maio de 2011

As guerreiras mulheres de Marte


Por Deus, elas existem e estão por aí!
Um dia, amigo, tu poderás topar com uma delas.
Em aparência, fáceis de ser identificadas:
São de Marte, sanguíneas, guerreiras
Em rostos pálidos de anjos de igreja.
Porém, quando se desfazem de suas armaduras,
Se fazem de santas como Joana Darc,
Falam baixinho, com ternura,
Com extremo zelo e educação.
Mas lá, debaixo dos lençóis,
Urram como nossos ancestrais
Ao cercarem-se da caça, da carne crua
E nos devoram até o último osso.
Quer viver, amigo, de verdade mesmo?
Por Deus, seja esse animal devorado,
É nosso destino ser tal refeição!

sábado, 28 de maio de 2011

Tristeza e saudade


Minha tristeza às vezes fica menos triste
E daí ela tem outro nome: saudade.
Sou triste por não ter o antigo desejo ao meu lado
Mas, infinitamente contente por lembrá-lo
Tão vivamente, a ponto de poder tocá-lo
Com o mais intenso amor em meu pensamento.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Completa


O poeta escreveu seu livro definitivo
E deu a ele o nome de "Poesia Completa".
Ainda bem que é a dele que está completa,
Pois que, felizmente para nós, viventes,
Ela será sempre uma medonha incompletude.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A beleza aprisionada


Maquiavel aconselhava príncipes e reis,
E eu aconselho as crianças aqui da rua,
Deuses que brincam de governar borboletas
Apanhadas e presas dentro de vidro e garrafas:
"Ó menino, sua peste danada,
Tudo que é belo quando aprisionado se faz triste!"

terça-feira, 24 de maio de 2011

O perfume das gentes


Há pessoas que vivem
Ao nosso lado a vida inteira
E delas nem sabemos o cheiro.
Mas há outras que, num olhar apenas,
Nos gravam seus perfumes singulares
Em nossas almas por eternidades.

Nunca mais vou vê-la, sei disso,
Mas fica-me a imagem
Que guardarei junto a outras,
Tão distantes que parecem não vividas.

O que fazer com essas lembranças
De coisas boas, lindas, efêmeras
E experimentadas uma única vez?

Nunca mais a verei
E mesmo assim ela me acompanhará
Em leves sussurros a me dizer
De uma esperança inexistente
Além do pensamento, do sonho,
De algum dia tê-la inteira
A dar-me perfume às horas.

domingo, 22 de maio de 2011

Curto trapo



Fim de caso, fim do amor...
Encontrei-te terrivelmente triste,
Acabara-te o mundo ontem,
Findaram-te os dias, contaste-me.

Descobriste, enfim, o inevitável,
Em tudo há o germezinho do fim:
A eternidade é tecida em doirado pano para os deuses,
Porquanto é breve e curto o trapo que cobre os homens.

Nada é perene nessas águas que nos levam adiante,
Às vezes,
Refrescadas por leves brisas de felicidade
E quase sempre,
Agitadas pelos ventos da tempestade.

Assim em rotos trapos, somos pobres marujos
Afogados sempre em pequenos naufrágios
Enquanto o derradeiro no horizonte se prepara.


sábado, 21 de maio de 2011

Trompete solitário


A noite em seu fim não nos pede para se despedir.
Sai à francesa dando lugar à claridão.
Quantas vezes mais darei a ela adeuses,
O até logo, o até mais? Quantas vezes ainda
Tornarei a vê-la em seus silêncios afinados
Com a solidão do trompete do músico de jazz;
Em seus silêncios, alinhada com a vontade da linha vazia
Que, doida, espera sua sombra escura para se tornar verso?

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Canção para quem espera



Procuro-te muito e tanto e sempre
Em universos distantes, inexistentes,
Nas quadraturas da Lua, luminescentes,
Nas conjunções dos astros, impossivelmente
E te encontro de há muito, de há muito tempo,
Escondida na alma minha, encolhidinha.
Esperas assim, tão só, tão sozinha,
Que me esgote e me canse
Em buscar no longe o que tenho perto
E que fatigado o coração deixe
Em teu colo bater lento, lentamente.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

As beatas e o passarinho


O azul melancólico do céu
Avisa-me do Inverno
E diz-me que tímidos raios de sol
Prometem aquecer a manhã.

As beatas passam por mim
De negro, com melancólicos véus,
Com seus livrinhos de oração:
Pedirão mais uma vez perdão...

Mais uma vez celeste misericórdia
Por um trem inteiro, uma vida inteira
Do mais puro e declarado pecado.
Por isso vão corcundas, por isso vão curvadas.

Que inverno eterno é este
No enlutado peito das beatas?
Por que o sol de infinitas absolvições,
De diários e sucessivos perdões,
Jamais o aquece?

O passarinho, bonita criatura,
Voa e atravessa a fria manhã;
A tudo ignora: as beatas,
O perdão, o certo o errado...

Pássaro incerto na manhã certa
Faz o que é e para que foi feito
E nas suas asas faz da vida o que ela é,
Penitência em manhã gelada.


terça-feira, 17 de maio de 2011

Amor neolítico


Não somos deste falso tempo, íntima amiga,
Pelos deuses fomos emprestados a esta época de bárbaros
Pré-históricos de terno e gravata.

Em tardes de sol preguiçoso, de nuvens chorosas,
Você de sandálias à moda grega
E eu contando as horas como os sumérios.

Fugimos do shopping feito de pedra
E para não esquecermos de nosso passado neolítico
Marcamos encontros sob as árvores.

Ali somos o que somos, naturalmente feras
A buscar o amor em abafados gritos e grunhidos
Tirados à linguagem dos amantes primitivos doutras eras.