domingo, 24 de abril de 2016

A lebre e as cobras

Uma lebre encontrou dois ovos de cobra
E com o calor de seu corpo trouxe ao mundo os filhotes.
Com pena de abandoná-los, indefesos que eram,
Deu-lhes abrigo, calor e da própria comida, em longo inverno.
Numa noite, a lebre sentiu em seu corpo duas picadas
E antes que desfalecesse perguntou
Aos filhotes que cresciam:
"Que mal lhes fiz; por que me querem morta?"
E uma das serpentes respondeu:
"A compaixão é de tua natureza,
E a nossa natureza é não ter compaixão alguma."
Moral da história: antes de ajudar, veja bem a quem você está ajudando. 

Guerreira valente

Guerreira, com a criança em febre no colo
É aquela mãe que aguarda na fila do SUS
Coração valente é a mãe que chora
Seu filho encontrado por bala perdida.

Cuspe

Rostos inocentes
Sempre estão expostos
Ao cuspe do ódio.

Antigos aromas

Esses ventinhos matutinos
Carregam aromas antigos
Café do sítio... Broa de milho
E o cheiro dos sonhos meninos.

Versos de teimosia

Tento esconder minhas mãos
E elas por si se estendem
Tento não ouvir os que pedem
E meus ouvidos não me escutam
Tento desacreditar na humanidade
E meu coração me dá piegas lições
De fé nos meus semelhantes
Tento ser indiferente como uma rocha
Tocado por caudaloso rio
E abraço-me ao rio, que é a esperança
E por castigo, tenho ainda essa poesia
Torta em minh'alma, nesta floresta escura
Versos de teimosia, do bem-querer
Em busca de réstias de luz
Na escuridão do meu tempo.

Amaçados e amassados

Quente, muito quente...
No vai-vem exalamos suor
E distraídos pulamos
Quando encostamos
Na sua parte em febre
Em feridas, queimados...
Que seria de nós
Quão toscos andaríamos
Amaçados e amassados
Sem o ferro a vapor?

Culto à verdade

O mentiroso e ou a mentirosa sabem que suas mentiras não cabem em ambientes em que se cultuam a verdade.

Anjinho no Céu

No hospital, um anjinho voltou para o céu
E a triste mãe por mim passou. Chorava
Nunca desejei ser tão inconveniente
E cantar-lhe ao ouvido poema alegre
Repleto de querubins, cheio de vida...
E o verso ficou-me engasgado. Chorava.

Mulata

Amanhã é sexta-feira
Salve, no terreiro
A mulata que samba
Mexendo as cadeiras!

Sem refresco

Não há notícias de que se sirva refresco no inferno.

Os vaidosos

Os vaidosos são os seres mais infelizes que conheço
Nunca estão contentes consigo mesmos:
Enaltecem em si o que geralmente não possuem.

A rainha sem reino

Insistir no devaneio insano
Na ilusão da rainha sem reino
Revela o grau de loucura
Em que vivem os palacianos.

Mundo teatral

O mentiroso, ou a mentirosa, no mundo teatral inventado para si, sempre se considera vítima da verdade, porque a verdade no teatro do mentiroso é, para ele, a mentira.

As cores da Pátria

Verde é a árvore da vida
Amarelo é o tesouro acumulado
Pelo suor honesto de meu povo
Azul é o céu dos justos
Branco é o estandarte da paz
Minha Pátria não aceita tintas outras
Dos abutres que essas cores usurpam..

Na luz de domingo

Domingo que acordou
Na luz da Verdade
A buscar Justiça.

Cão humano

Na domesticação do nosso melhor amigo
O cão foi ficando cada vez mais humano
E o homem cada vez mais cão.

Festa de domingo (17/04)

Outonais tempestades entardecidas
Limpai com puídos panos tudo que não presta
Lavai as nossas imundas ruas e avenidas
Que meu povo soberano domingo quer festa!

Sob o céu de outono

Sob este inexplicável céu de outono,
Que molda os ocasos pintados ao acaso,
Quem pode ainda ter tranquilo e sossegado sono
Se da vida, o sangue da Esperança foi sangrado?


Bajo este inexplicable cielo de otoño
Que moldea los ocasos pintados al acaso,
¿Quién puede aún tener tranquilo y sosegado sueño
Si de la vida, la sangre de la Esperanza fue sangrada?

Matar o tempo

Ilusão: matar o Tempo.
Realidade: o Tempo nos mata.

É para os leitores

A poesia hermética e totalmente subjetiva, feita para o ego do poeta, não é poesia, é confissão. O poema, subjetivo por definição, tem que ser objetivo aos olhos dos leitores, aos seus corações.

É Outono

Calor de cozinhar pinhão.......... é Outono
Chuvisquinhos de Verão........... é Outono
Friozinho para te abraçar...........é Outono
Flores para te enfeitar................é Outono
Linda Curitiba tetrapolar............ é Outono!

Aquarelas de Curitiba

Um dia pretendo gastar essa comparação: tu és linda, linda... Como um fim de ensolarada tarde, nas aquarelas celestes do Outono de Curitiba.

Certas paixões incertas

Certas paixões incertas são como águas turvas que nos impedem de ver os perigos que há no fundo do rio. Num belo dia, as água ficam limpas e nos assustamos com tanto lixo, com tantos perigos no leito profundo sobre o qual estávamos, supostamente felizes.

O coelho e o marimbondo

Era um coelhinho feliz, correndo pela floresta... Ao encontrar o marimbondo, o coelho disse a ele, todo alegre:
- Bom-dia, Senhor Marimbondo!
E sem nada responder, o inseto danado, na carinha do coelho, agudo ferrão deixou... E depois da iniquidade do gesto, enquanto o coelhinho chorava, o radiante medonho falou:
- Agora sim, bom me é o dia, coelho tolo!
(Moral da história: não se mexe com quem está quieto; ou, os maus têm uma estranha noção de felicidade; ou, os maus têm a maldade por natureza). 

domingo, 10 de abril de 2016

Poemas da manhã

Faço poemas pela manhã
Para oferecê-los ao efêmero da vida
Ao orvalho que desperta a flor
À estrelinha que me serviu de guia
Nos versos as palavras também acordam
Umas novinhas, ingênuas
Outras velhinhas, sábias
Todas felizes saudando o dia
Pois amanheceram encantadas
Orvalhadas, em luz, em poesia.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Penitente na estrada

Na estrada, lamento passar correndo pelas cidades
Feito penitente fugindo dos próprios pecados
Sem vê-las, sem senti-las, sem conhecê-las
Sem abraçar os sonhos de suas gentes.

O que trago

Eu trago as mãos estendidas
Como quem oferece o pão
Feito de verdade e poesia
Para quem tem paz no coração
E aos ingratos em tormentos
Ofereço o silêncio do perdão.

Credo em cruz

Creio na evolução dos seres. O medíocre, por exemplo, inevitavelmente torna-se-á um tolo completo e, sem modéstia, alcançará a glória dos estúpidos.

Velhas tralhas

Joga fora o que tu pensas amar e não te ama
Teu coração é o templo das coisas puras e boas
E não quartinho de despejo para velhas tralhas.

Para o bem de teu fado

Faz o bem para o bem do teu fado
E tua alma se sentirá recompensada
Mesmo que tu não escutes o obrigado.

Judas

Poetas malham judas com o chicote das palavras.

Tua escuridão

Claros são meus dias
Belos nos meus olhos, suaves em minh'alma
Não me ofereças a noite, a tua escuridão
De ti e da tua mentira não quero nada não.

Tumba nova

Vive na mentira, é a própria falsidade
E diz que isso é felicidade
No dia em que morrer, vai dizer a si
- Ó meu Deus, não morri
Mudei de casa, é uma tumba, a mais linda que já vi!

Paciencioso

Sou cabra assossegado
Não sei a razão de bulirem comigo
Se sou paciencioso, capaz de esperar dez anos
Para mandar o sujeito haver-se com o diabo.

A natureza do burro

Não gaste boa ração com burro teimoso.
A qualidade do feno não transformará sua natureza.

Em pagamento

Quão terrível é
Aos que odeiam
Receberem o amor
Como paga.

Realidade bruta

A Verdade é a realidade bruta
Por isso muita gente foge dela
A Arte, porém, não é fuga, como algures se imagina
A Arte é a Verdade vista pelo mundo dos sonhos, onírica
Mais leve para alívio das almas dos homens
Do contrário, a Verdade, em gravidade, nos esmagaria.

Raio medido

A morte é raio medido
Pelos deuses do destino
Cai na hora exata, não te enganes
Mesmo que em tempo firme, sem nuvens
Mesmo que tu cales o tic-tac dos relógios
Mesmo que tu te escondas
Sob o manto da fantasia que te ilude e consome.

Tema universal

O amor sempre foi tema da poesia universal
Os poetas descrevem suas possibilidades há mais de 3 mil anos
Embora invariável na forma - sentido igual sempre
Suas variações de conteúdo são tantas e tantas...
... Inesgotáveis, porque é vida.

Mentir dá trabalho

Mentir para si mesmo e aos outros dá muito trabalho; é tolice imensurável, Nunca funciona bem, pois há que se inventar um mundo fantasioso a cada minuto. E a fantasia sempre em algum ponto falha, porque a realidade lhe é superior. O preço da falsidade é a vergonha do tolo, que se julgou esperto dentro do mundo que a si inventou.

Indireta direta

Escrevo e alguém acha que é para ele ou para ela, uma indireta. Não se valorizem tanto, vaidosos, escrevo para a humanidade.

Última refeição

Ao condenado dá-se o prazer da última refeição
Ele viverá minutos supostamente felizes
Enquanto o verdugo afia a lâmina.

Não esqueço

Sou perdão
Mas, esquecer não esqueço
Sou humano.

"Onti"

Nasci no Norte e falava "onti"
E esse ontem passou
Ignorando a gramática.

Ousada onda

No quebra-mar, ousada onda
Lambe tuas bem feitas pernas...
Inveja que me faz sonhar
E que inveja, Guiomar!

Espermacete

Não se confunda, pudica senhorita:
Espermacete é aquilo que escorre da vela, denso e quente... Explico, latim medieval: sperma ceti (sêmen da baleia, macho, por óbvio); substância gorda usada na confecção de velas e cosméticos no tempo dos afonsinhos.

Menina da perna torta

Aquela menina namoradeira tinha a perna torta
Mas de resto era bem feita, quente, em brasa sempre
E o namorado da vez dizia: "Ah, a perna!... !Quem se importa?"