terça-feira, 26 de julho de 2011

Em ti, a plenitude


Acordo de madrugada
Estico o braço para o lado
E encontro o vazio.

Perco o sono vazio
E percorro cada segundo
Esquecido e repleto de de ti.

Há muito tempo que não sonho
Nem contigo nem com coisa alguma
Fiquei vazio e só no tempo passado
É que me encontro, me imagino.

Era o tempo que tu estavas em mim
E por isso, eu existia em plenitude
E lutava e amava e vivia e vivia
Sem precisar sonhar, pois sonhava.

sábado, 23 de julho de 2011

A minha revolta usa lantejoulas


Passei do tempo das descobertas
Embora de roupa nova, de pano importado
Certas coisas aparecem-me
Com cheiro de naftalina

Amofinam-me a velha música
Com novos arranjos
A velha trama romântica
Em livro fresco, de tinta fresca

O lixo literário reciclado
O lixo musical reciclado
O lixo de nossos dias
Cada vez mais lixo
Cada vez mais imprestável

Até mesmo minha revolta sorrelfa
Está de vestido novo, dissimulada e sonsa

Vestia-se de trapo quando menina
Hoje, apresenta-se teórica
Com justificativas
E nas lantejoulas, o orgulho das bestas
Que se intelectualizaram.


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Poema da linha torta


Quisera dormir o sono dos sensatos,
Daqueles que têm a vida como nada,
Porque não se deram conta dela,
Vivem apenas, respiram apenas.

Quisera não ter sabido da morte de um amigo,
Ou de outras coisas que me desagradam.

Ou, na verdade,
Quisera
Desagradar-me
Sem sentir
O desagrado.
Isso, sem senti-lo...

Os sensatos não sentem, calculam.
É preciso de quilos de matemática
Para ser um deles.

Por isso, aprendi muita aritmética
E de nada me adiantou ser amigo dos números,
Minhas contas sempre terminam
Em poesia, em versos das mais absurdas
Geometrias, sem teoremas, sem postulados,
Sem demonstrações algébricas.

Minha poesia é a geometria da linha torta,
Do círculo povoado de tangentes,
Da esfera povoada de gente,
E nela todas as retas terminam
No bem querer, no bem sentir
Que vejo no infinito de teus olhos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A menina na praça

Triste como um azulejo azul
Lusitano e desbotado
E que guarda antiga gravura
De um tempo em que se partia
Dos portos em choro e saudade

Triste, irremediavelmente triste
Sentada num banco de praça
Sem saber que está na praça

Lá está o pipoqueiro
Crianças brincando com balão de gás
E pombos em vadiagem
Ignorantes que são da paz que representam

Triste, inconsolável e triste
Sentada num banco da praça
Enfeitando com a sua tristeza
A melancólica paisagem.

terça-feira, 19 de julho de 2011

A "expertise" dos jacus de teta


O Brasil não tinha uma boa ave mitológica
Até que a sábio e certeiro homem do povo
Criou o fantástico pássaro jacu de teta.

Resultante de uma cruza, porco tetrápode
Com a ave bípede, esse animal não anda direito
E também tem dificuldades para alcançar os céus.

Tal a Fênix, ele se banha em resina do que não presta
Para atear fogo sobre o próprio corpo
Porém, renasce das cinzas em ignorância profunda.

Não é ave solitária, gregária anda em bandos
Pela iniciativa privada. Da cloaca tira a iniciativa,
Usa e abusa do público com se usasse uma privada:
Defecando todos os horrores do mundo,
O roubo, a pilantragem, a dilapidação do erário.

Ave política, para justificar sua fome pelo patrimônio do povo
Inventa discurso novo, cheio de voltas e floreios
E palavras vazias de significados, mas que soam bonitas:
A última agora é a tal de "expertise",
Que roubou aos gauleses, mas que afirma ser dos ingleses.

Nem uma nem outra, caros jacus mamários:
Essa palavra é dos romanos e também de nossa língua.
Vem de primários tempos, sendo nada mais do que adjetivo
Com outra terminação, é claro: expertus, experto.

Assim sendo, caros jacus espertos,
As suas espertezas de voar sobre o idioma,
Como voa uma galinha, nos mostra que esperto mesmo
É falar experteza e não cantar como o galo europeu.
E depois, o povo brasileiro já sabe que a grande "expertise"
Desse pássaro folgado é se fingir de leitão para mamar deitado!

sábado, 16 de julho de 2011

Faxina n'alma

Desejo de fazer faxina na vida,
Jogar as rotas lembranças fora,
Tirar as velhas roupas da alma,
Dar-lhes uma vestimenta nova.

Lavar com água e sabão a saudade,
Esfregar no tanque seu tecido
Encardido e sujo dela mesmo.

Passar água sanitária
Em cada cantinho do coração
Para deixá-lo sem os bolores
De remotos amores e da solidão.

Colocar de molho a minha poesia
Para que ela fique branca,
E seja paz somente, apenas esperança.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Vontade em tempos de Web

Nunca aprendi a conviver com a distância,
Odeio apartar-me do que gosto;

Antigamente, quando o distanciamento era grande,
Eu sangrava as saudades com uma carta
Ou, se tivesse dinheiro - porque dizer "alô" era caro -
Fazia interurbano, mandava telegrama,
Sinais de fumaça e batuques de índio americano.

Hoje tenho facilidades instantâneas,
Mando e-mails, deixo scraps,
Faço o diabo no Twitter, Facebook e Skype.

Mas creio que nada disso modifica
Essa minha louca vontade pré-histórica
De sentir o tremor de teu corpo
Quando de leve te mordo a língua!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Quando te aborreço

Sei quando estás aborrecida comigo.
Hoje nem encostaste no piano,
Somente leste as partituras
A andar pelo jardim.

Andas de lá pra cá
E cantarolas uma melodia
Feita de suspiros profundos.

Não sei exatamente o que te aborrece,
Deixei meus escritos sobre a mesa
E talvez tu viste ali outra mulher.

Mas, como explicar isso novamente a ti,
Como dizer que a arte não escolhe tema
E que a poesia foi feita para louvar
O que aos olhos se desmancha em poemas?

Não hei de me censurar,
Deixar de falar do que bem quero,
Mesmo que isso te aflijas.
Pois bem sei que tu tens alma de artista
E haverás de perdoar a minha arte
Sempre no início da noite
Quando me abraças e sorris.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Quem és?

O que há em ti, criatura,
Que te faz cada dia mais bela?

O que te faz cada manhã mais agradável?

Talvez, a resposta esteja no que escreves
E com a insegurança da mocidade
Tu me escondes, ou na verdade, me negas.

Mas, não adianta tantos e tantos segredos,
Nos teus olhos há um livro que,
Em cada noite, leio mensagens ocultas.

Um dia, talvez, aprenderei teu dialeto
E poderei dizer quem tu és e a mim te explicarei
Para pura satisfação da curiosidade deste amante
Triste, triste, que no amor é cansado e incrédulo.

Louis Vitton

Deus meu, mantenha-me longe dos vulgares,
Dos homens e mulheres de frases feitas,
Perfeitamente enquadrados nesta modernidade
Hipócrita em que tudo está perfeito
Se dentro do politicamente correto, é lógico.

Deus, me mantenha um ogro das ideias
Para que a tudo aprenda em humildade
Pois quero saber por que voa suave o passarinho
E não quanto custa uma bolsa Louis Vitton
Para carregar o vácuo de certas cabeças.

E que assim seja pela manhã, à tarde e à noite,
Enfim, pelos séculos e séculos, amém!

Orquídea na pirambeira


Hoje leio na Gazeta do Povo uma raridade
Neste nosso tempo por demais abestado:
Uma triste morte provocada pela paixão.

Foi assim:

Odair Francisco de Oliveira
Resolveu passear com a dona de sua devoção,
A sua companheira feita para todas as merecenças
E reverências de um apaixonado.

Odair, cheio de confiança e razão,
O que é muito próprio de quem vive
A flutuar no espaço sideral do bem-gostar,
Ignorou a advertência do nome do lugar.

Embora penhasco bonito, porém arriscoso,
Ele teimou em caminhar, sem jeito e maneira,
Pelas beiras do Vale da Pirambeira,
Lá pelas perdidas bandas do Norte do Paraná.

Ali, suspensa na parede do imenso precipício,
Viu formosa orquídea feita para o brilho dos olhos
E satisfação do nariz de sua querida.

Odair ficou louco - como manda o manual
Dos tresloucados que se apaixonam -
E improvisou uma corda para buscar a flor...
D
e
s
p
e
n
c
o
u
-
se.
Era novo, 38 anos, forte, mas não resistiu
Aos terríveis ferimentos no apaixonado tórax.

O sargento-bombeiro disse que o golpe fatal
Veio com a irreversível parada cardíaca,
A qual calou definitivamente aquele coração
Que batia somente por seu amor e carinho.

Da planta e sua beleza ninguém sabe o fim,
Da namorada de Odair nem é citado o nome.
Para os jornais lágrimas póstumas
Não interessam aos leitores ligeiros.

E depois, morrer de amor e paixão
Está tão fora de moda, mas tão fora de moda,
Que seria um desperdício de tinta e papel
Falar do destino deveras insano e cruel
Daquela infeliz que ficou sem sua orquídea!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O que fica pelo tempo

Deixamos migalhas
De nós mesmos pela linha do tempo
Com o firme e doido propósito
De marcar caminho
Para um dia retornarmos
Do grande labirinto
Do Minotauro
No qual nos metemos.

Aprendi a infinitar-me em miúdos
Pedacinhos - uns maiores,
Outros menores, dependendo
De quanto me pedem.

Assim, ficaram partes de mim
Nas mãos de muita gente.
E de muita gente eu também
Coleciono porções diminutas.

Às vezes
Dou-me conta dessas porções
E tento juntá-las
Num esforço impossível,
Porque desprezo o ruim,
Aquilo que não serve
Para emendar meu coração
Feito de retalhos alheios.

Mas mesmo assim
Sou contente,
Há em mim apenas
A melhor parte das pessoas,
A mais pura paixão dos amores,
A plena gratidão dos amigos,
E lá no fundo, mil tijolinhos
De algumas mágicas horas
Somados às pequenas tristezas
Ao se tentar achar serventia
Até mesmo para os nacos
Que me deixam os infelizes.

domingo, 10 de julho de 2011

Estrelas novas

Largue tudo,
Vamos embora, vamos caminhar!
Sair do que somos,
Sair para passear!

Há sempre uma estrela nova
No firmamento nos esperando
E que os amantes devem admirar.
Do contrário, ela deixará
De ser uma estrela
Dos que se apaixonam,
Ganhará então um nome feio
Dado pelos astrônomos
E ao amor não mais servirá.

Amor não demora, demora não!
Vamos salvar as estrelas!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Instantâneos


Vejo antigas fotografias
Sim, fui mais jovem, criança
Meus amigos também
Eles tiveram os mesmos brilhos nos olhos
Que tive ao sentir as primeiras claridades
Num tempo que já não se conta
Em anos, mas em décadas, séculos

Eis aqui no papel
O que havia lamentavelmente esquecido
Ou só me lembrava em rascunho
Uma festa de aniversário
Um dia qualquer num Verão qualquer
Em que se passeava aos domingos
Pelas ruas e praças da cidade
O antigo amor em sorrisos
O tio sorridente e embriagado
A tia que realmente ficou pra titia

Quantas histórias, meu Deus,
Nesses momentos em que almas
Ficam registradas em luz
Nos instantâneos do tempo
Mesmo aquelas que já se apagaram.

O Outro

Há um grande engano no outro
Nem sempre o que imaginamos
Como uma perfeita roupagem
Cabe no manequim alheio

Idealizamos coisas e pessoas
Damos a elas nossa imagem
Ideais e semelhanças
- Pequenos deuses fabricando gente -

Por isso dos desenganos, do espanto
Quando alguém não reage
Da forma de nosso gosto e vontade

Haveria, por certo, aqui maior felicidade
Se nós compreendêssemos que o outro
É para se compartilhar e não para se criar.

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Ilustração: Cézanne - Cinco banhistas.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Perfume para o pensamento

Compraste vela de cheiro
Posso sentir daqui
É um cheiro bom
E que dá perfume
Ao que penso e escrevo

Tu dormes em suavidade
Enquanto eu tiro da noite
Todos os aromas
Para falar de ti

Tu tens esses costumes
De dar bondade às coisas
De dar luz ao que é opaco
De dar sensibilidade
Ao que é grosseiro

Mas o que eu mais gosto
É essa capacidade que tu tens
De perfumar o pensado.

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Ilustração - John Willian Godward

terça-feira, 5 de julho de 2011

Quando conheço seus sonhos


Quando quero conhecer verdadeiramente a pessoa
Pergunto o que ela sonha,
Não o sonho de projetos futuros, o por fazer
Ou aquilo que desejamos por conquista
Mas os sonhos tidos e havidos, ou pesadelos
Aqueles devaneios que não são combinados
Porque acontecem na noite da razão

Boa parte das pessoas diz não se lembrar
Outras acham que não devem contar
Outras ainda, seguem seus sonhos como novela

Daí concluo:

As que não lembram do sonhado
Geralmente se fazem pessoas pouco interessantes
Dizem o trivial, fazem o trivial, têm a vida como peso
Afirmam-se contentes com essa realidade bárbara
Que barra até mesmo o seu outro viver

As que acham que não devem contar suas graves quimeras
Têm medo de se trair, pois guardam desejos secretos
Coisas muito íntimas, medonhas barbaridades
Essas já são mais interessantes, são mistério

E por último, as noveleiras sonhadoras inveteradas
Aquelas que acham que essa vida é o sonho
E que a realidade está do outro lado
Aquelas iluminadas que enxergam com o espírito
Estas valem a pena e são as que transformam o mundo
São artistas, são poetas, são humanas!!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Talvez

Tem muita gente infeliz neste mundo
Umas mais e outras apenas melancólicos
E essa infelicidade vem delas mesmas
Encaram a vida como coisa para mil anos

Estão sempre de olho no amanhã
Não admiram o belo alvorecer de hoje
Porque pensam no entardecer do amanhã

A infelicidade vem para elas
Porque se julgam eternas.
Não, meu amigo, não somos deuses
Somos o que somos, ciscos ao vento

Nubífagos, os infelizes andam em temores
Porque querem o que ainda não existe
Esquecem-se que para frente tudo é talvez
De concreto é o sonho que sonhamos agora
Não o sonho que vamos sonhar talvez.

Olha o menino que gira o pião
Porque amanhã, esse giro será talvez
Olha com ternura teus amigos
Porque amanhã, a ternura será talvez
Olha para teu amor ao teu lado
Porque amanhã, ao teu lado, ele será talvez
Olha para dentro de ti nesta hora
Porque amanhã, aí dentro, tu serás talvez.

Rosa dos Ventos


E assim segue a vida
Carregada pelos perigos
Empurrada pelo vento
Ao Cabo das Tormentas

Tateia as ondas do mar
O marinheiro cego
Com os apontamentos
Da Rosa dos Ventos

Mas o rumo se faz
Inseguro e incerto
Para quem tem coração
Para quem sente como sinto
A mudança das marés
No trocar de direção

Marujo não lance âncora
Ouça o seu capitão
Estamos em pleno mar
Não quero parar mais não
Quero seguir pros abismos
Quero ver onde vai dar
As águas da criação

Quero navegar pelo tempo
Quero ver o que não vi
Remar pelo que não sei
E por fim me descobrir.

domingo, 3 de julho de 2011

Turca


Sabe Turca
A gente precisa se perdoar
Falei tanta barbaridade
Porque estava com raiva
E na raiva a gente só faz besteira.

Também você me deixou
Quando eu mais precisava
E para falar a verdade
Nosso caminho nunca deu
Em boa estrada.
Tua mãe sabia das coisas
Poeta, militante e ativista
Do movimento sindical...

Eu indo para a pensão
E você para Damasco
Você pensando na vida
E eu no espaço

Você com quinze anos
E eu Guevara
Você morena vestida de azul
E eu mestre do mais puro vermelho

Falei e se falei foi pra lhe machucar!
E agora devo lhe confessar
Sabe aqueles versos que lhe fiz
Com símbolos alquímicos
Pra gente ser feliz
Até hoje me tornam um nada.

Sabe Turca,
A verdade é que você me faz falta!

Vestido vermelho


Cheguei em casa e lembrei d'ocê
Do seu vestido trágico e vermeio
Cheio de flor a voar também
No forró apertado, no vai-e-vem

'Cê 'tava que 'tava, da festa a mais bonita
Ficamos só nós dois no salão
No frio imenso e aquele calorão
Dançar sem música, ninguém acredita!

Sandaia de couro, chapéu de vaqueiro
Vestido de chita trágico e vermeio
Forró arroxado, ai que desespero
Sodade d'ocê e 'ocê não vem!

sábado, 2 de julho de 2011

Cantiga do bem imaginar


Não falo mais da morte
Porque dela já muito falei
Falo da vida, menos triste
Porque do triste me apartei

Falo do Céu que nos cobre
Das amizades que terei
Das coisas mais bonitas
Da beleza que em ti encontrei

Não falo mais da morte
Essa estúpida a nos espreitar
Falo das coisas que entendo
Dos enfeites a te enfeitar

Não falo mais da morte
Da tristeza em meu olhar
Falo de ti que me alegras
No caminho a caminhar

Falo de ti que me carregas
Sem reclamar do peso a carregar
E daquilo que encontro
Neste mundo feito no imaginar.

Fuxico ao pé da cerca

- Foi?
- Foi e danou-se...
- Arrastada pelo tinhoso?
- Virge Mãe, desconjuro!
- Em dia santo?
- Santo Antônio, comadre!
- Lambeta, eu sabia!
- Que nada, menina danada...
- Já foi daqui embuchada?
- Não vi barriga...
- E o pai? Aquele lesado!
- Agarrou na bebida!
- E a mãe?
- Não fez caso...
- Que lambisgóia!
- É... Também é exibida!
- Quem é o moço?
- Não é aqui da vila...
- Não tem nome?
- Dizem que é Durvalino...
- O filho da Chica?
- Não. Ninguém conhece...Apareceu!
- Mas adadonde, filha de Deus?
- Na quermesse...
- Mas que cabra da peste!
- Ih, esqueci do almoço!
- Corre então, muié... A língua queima...
- Mas é a linguiça que no fogo padece!
- Inté!
- Inté, adepois nós proseia!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Doce como groselha


Tarde de sol que, de tão longe,
Aparece-me desbotada
Numa fotografia antiga e esmaecida:

Tinhas fita no cabelo
E um envergonhado vestido
Que, com a ajuda das meias,
Deixava-te de fora só os joelhos.

Era o tempo dos rubores no rosto,
De versinhos enamorados, sussurrados,
Ou apenas soprados ao pé do ouvido.

Havia também o circo na praça,
De tigres cansados e palhaços tristes.

Aquela tarde foi a mais bela tarde
Porque nela se guardou nossa pureza
Numa maçã do amor
Que dividíamos a nos lambuzar
Em impossível e impensado pecado!

E se o mundo fosse naquela tarde só amargor?
Certamente, a nossa inocente candura
O envolveria com o rubro mel da groselha.
A Terra seria uma maçã envolta por caramelo
E todos seriam felizes como são as crianças
Nas velhas fotografias de uma tarde esquecida.


A princesa na cela



Quando eu era menino
Colocava meu chapéu de jornal
E logo me transformava em pirata
Corsário, capitão de navio
Ou general de Napoleão
Ou ainda o que me desse na telha.

Às vezes pegava uma tampa de panela
E um pedaço de uma boa madeira
Eram o meu escudo e dourada espada
Para assaltar o castelo
E roubar a mais formosa das princesas

Ela era mais bela que Dorotéia
Nem mesmo de La Mancha para tê-la aos pés...
E por minha sorte vivia nas redondezas
E tinha teu nome, teu rosto, teu coração

Verdade, o teu coração
Que ainda não era meu, mas seria
Tinha essa certeira convicção
Que nuca passou disso: convicção

Meu cavalo relinchava com voz de vassoura
Mas não temia batalha, nem rugir de canhão

Ah, quantas guerras eu vi
Quantas pelejas na calçada
Contra os outros meninos
Que ousaram olhar para ti

Hoje sou dos combates cansado
Vassoura uso para varrer chão
Jornal para ler, madeira para os móveis
E tampa de panela não sai do fogão.

A vida perdeu o encanto
Porque de tanto nesse mundo fazer guerra
Esqueci-me da infanta trancada em sua cela

Verdade, ficaste presa na minha infância
Com as tranças crescendo por sobre a janela
Ah, as lutas! E foram tantas que esqueci teu rosto
Teu nome e que era por ti que eu deveria ter lutado.


A poesia do velho quintal


Não sei se é uma dádiva dos céus
Ou a mais terrível sacanagem
Que se pode fazer com um ser humano
- Às vezes nem tão humano assim -
Nasci poeta e fazia poesia
Sem nunca ter lido poesia
Em casa não tinha livros de poesia
Aliás, em casa não havia poesia alguma!
Eu é que tinha que arrumar poesia
Cavar no quintal para desenterrar poesia

A primeira poesia que conheci veio da música
Do velho rádio teimosamente ligado
Poesia quase sempre ruim, porém poesia
Havia também no meu quintal um bode
Um porquinho e alguns cães
Dois pés de manga e um de mamão
Também tinha uma bananeira
E uma rua infinita que me convidava

Um dia cansei dessas poesias de quintal
E ganhei mundo pela rua infinita
Para fazer dos infinitos poesia.
Hoje sou além do meu quintal e da minha rua
Mas não consegui fugir de mim e da poesia
Segredo: nós dois viramos a mesma coisa!

Conselhos da Coralina


Cora Coralina, a sempre menina sábia de Goiás
Pede aos poetas cuidado com os adjetivos
Cascas de banana dentre as classes gramaticais

Concordo, as poetas têm um jeito especial de versejar
Fazem sensíveis versos que homem não sabe imaginar
Sabem a hora exata de um bom elogio no verso encaixar

Sobra aos poetas o uso de termos adoçados, doces,
Divinamente doces. Quindins feitos por doceiras de Minas
Para dar gosto às inspiradoras musas, porém sem enjoar

Certa está Coralina, a poeta que nos ensina o simples e o belo
Não devemos exagerar ao descrever o horrendo ou o bonito
Porque na natureza o bom adjetivo já vem nas coisas escrito.