domingo, 30 de maio de 2010

Amorímetro

Inventei máquina nova,
Finalmente, um engenho útil!
Consigo agora medir o amor.
Na realidade, é um medidor
Que tem uma escala infinita
Vem dos negativos números
Passa pelo zero e avança ao eterno.
É invisível e funciona assim:
Traga para seu peito
O objeto do teu querer;
Segure-o firme, apertado mesmo;
Sinta-lhe o calor, o desejo;
Depois, meça o bater do coração alheio
E multiplique pelo logaritmo
Da quentura que sobe ao rosto.
Não há erro nessa operação.
Na máquina só há um defeito,
Ela não funciona em sujeitos
Que desejam o amor em precisão monótona.
Naturalmente, tem que ser usada todos os dias.
No amar sempre haverá uma quantia nova
Que foge das imutáveis tabelas, da álgebra fria.
No modo de usar, ainda uma advertência,
Tal máquina aponta para o nada em vidinhas vazias.

O homem que rumina

A minha alma é um túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!
Florbela Espanca

Que prazer há em mastigar o vento?

Onde dormem teus segredos e destino,
Nas linhas de um diário não escrito,
Nas folhas das árvores não nascidas,
Nas palhas arrastadas pela ventania?

Que prazer há em mastigar a escuridão?

Onde dormem tuas desumanidades,
Nos cadáveres de teus dias despropositados,
Nas auroras e crepúsculos repetidos,
Nas indiferenças que te cegaram completamente?

Que prazer há em mastigar as horas?

Onde dormem tuas essências,
Nos livros nunca abertos e jamais decifrados,
Nos gestos corretos e impossivelmente manifestos,
Nos distantes brinquedos que te permitiam o sonho?

Que prazer há em mastigar a própria língua?

Onde dormem tuas múltiplas faces,
Nos baús dos deuses da tragédia ou comédia,
Nos afazeres sem sentido que te absorvem,
Nos pesadelos de morte que te apavoram?

Que prazer há em mastigar a ti mesmo?

domingo, 23 de maio de 2010

Verniz da eternidade

A saudade tem o hábito de lembrar a última vez
E destruir todas as outras recordações felizes ou tristes
Lembro-me da última vez que vi meu irmão, já morto
No branco rosto, a paz que nunca teve em tão curta vida
Foi enterrado de tênis, quase nunca usava sapatos
Com uma camisa simples, jamais usou paletó
De jeans como seus ídolos drogados do Rock and Roll
Desceu à terra na simplicidade de uma folha ao despir a árvore
Esta é a saudade última que matou todas as suas lembranças
Desgraçadamente lembro-me ainda que morri também
Um morrer horrível que nos condena a viver na saudade
Na loucura da esperança do que poderia ter sido
E nunca será, porque no meio encontramos a tragédia
Tenho nas narinas o cheiro das velas e doido eco na cabeça
Do som que os Stones e os Beatles nunca fizeram
A terra sobre seu caixão tem um barulho medonho
É o rufar dos tambores de tétrica bateria
Pedrinhas rolantes sobre o verniz da eternidade.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Mãe portuguesa

O chio da saudade
Vem da leiteira
Lambida pelo fogo
Ao lado da chaleira

Na mesa posta e muda
Doces multicores
Formigas que lá passeiam
No xadrez da toalha velha

O vapor da saudade
Fumega da chávena
De porcelana branca
Que viu tanta novena

O calor da saudade
Vem do xale da triste mãe
Que vê olhos de lombriga
Nos olhos do magro rebento.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Manias da ninfa

Desfrutável:
Para ela, a brisa não é simples vento
Para ela, qualquer soprinho é carícia

Insaciável:
Para ela, interessa a infinita repetição do ato
Para ela, o ato só é real na delícia da fantasia

Ilacrimável:
Para ela, sofrer de amor não é sofrer
Para ela, morrer de amor é estar viva

Incansável:
Para ela, só importa a paixão sem fim na horizontal
Paralela a mim, amar é adiar-se no orgasmo animal.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Instrumental I

Dá-me, estimada e querida amiga,
Divino e celeste diapasão para afinar
O estampido da cosmogonia explosiva
Desse Big Bang que nos fez em vida

Dá-me, ainda, um metrônomo novo
Que consiga mensurar a vagabundagem
Desse nosso tempo andarilho e pulsante
Em ordinários relógios descartáveis

Dá-me, querida, uma semínima pontuada
Para que eu possa compor uma infinita ária
Com os longos ais suspirados no sofrimento
Dessa gente que só espera a câmara que arde.