quarta-feira, 30 de maio de 2012

Beijos n’alma


Namorei teus olhos antes de te conhecer
Nas noites em que me fazia só
E te esperei em cada amanhecer
Sem cansaço, em fé, em esperança

E quando tive teus olhos sobre mim
Senti-me completo e cheio de contentamento
E soube então que o fardo dessa existência
Leve me seria, poisque estás comigo

Tu és a alma que me alcança a água
Quando, cansado, tenho sede
Tu és a alma que me dá suave palavra
Quando meu espírito é desespero

Namorada minha, viver contigo é coisa tão boa
Que chego ter à-toa medo que tu me faltes
Não, não e não. Não fomos feitos para a solidão
A natural lei dá para cada coração uma companhia

Penada é a alma que a outra alma sua desdenha
E que encara essa vida como uma vazia travessia
Danada ponte ligando o nada ao nada
Pavimentada com sofrimentos e ausências

A verdade é que sem ti, vida minha,
Sou apenas um ser que, a contragosto,
Anda sozinho pelo mundo e respira
A gastar criminosamente o ar dos outros

E quando te faço abrasado carinho
Eis expresso desejo de acariciar o teu espírito
Porque tu me dás consolo e amor
Escandalosos beijos na alma minha.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cariño se foi para a Galiza

Quem dera despertar de meu sono
Sob o Sol que brilha na Galiza
E te ver em luz nestes nublados ollos
Que choram tua ausência, o teu adeus

Depois dessa tristeza de degredado
Camiñar todos os camiños
Que teus pés caminharam
Sempre descompassados dos meus

Ali, na antiga praia ancestral,
Sentir que o Atlântico
Não passou de um lago
A separar os meus sonhos dos teus

Fermosa te encontrar em Santiago
Num fim de tarde e danzar contigo
A música dos antigos bardos
Feita de dor e soidade, cariño meu.


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Azul bala

Certeiro como bala perdida lá na vila
Teu olhar, Polaca, tem qualquer coisa
De fuzilamento, de apelo para o último pedido.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Esquina curitibana

Vi sim, Seo Menino,
Como não haveria de ver?
Na rua Riachuelo,
O velho chinês
Que lia seu caderno engordurado
E cantava em mandarim
A canção do rouxinol.

Ali, aquela puta gorda,
De carnes expostas como se no açougue,
Convidava com olhar de navalha
Os traficantes, ladrões e toda a canalha
Para os mofos dos quartos rotos.

Vi sim, Seo Menino,
Ali na rua São Francisco,
O executivo faminto
Revirando as latas de lixo
Para encontrar negócio e lucro.
Ele quer montar uma tal de usina
Para queimar o que nos sobra
E torrar a paciência do bispo.

Tinha também aquele moleque
De olho graúdo e de fome
Com seu tênis colorido
A amolar seu canivete
Para abrir uma lata de picles.

E no cansado de meus olhos,
Ainda na mesma esquina,
Vi a menina das flores e dos doces
Que enfeitava aquele fim de tarde
Com o amargor de sua sina
Ao vender doçura e beleza
Para os esquecidos da cidade.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O último incréu morreu ontem

É de rir, gargalhar, rolar pelo chão, amigo,
Ver o sujeito, douto e perfeito, a bater no peito
Ao se declarar descrente, o incréu dos incréus!

Digo:
O último incrédulo morreu ontem!

Porque é condição sine qua non para estar vivo
Ter um coração com um bocadinho de esperança
E tê-la é ter fé. É justificar o hábito de respirar.

O filósofo matou a fé no homem
Junto com seu espírito e seu Deus
E ao mesmo tempo a Filosofia
Ganhou um grande enterro,
Porque deixou de ser esperança.

E para que serve a Ciência
Se não for para salvar o homem
Da loucura do tudo acabado,
Do tudo sem sentido e sem verdade?

E digo:
O último poeta sem esperança,
Que é a mais pura e verdadeira crença
No semelhante, igualmente morreu ontem!

Seus livros de nada servirão,
De nada serão em proveito do homem,
Pois é na poesia que se encontra a beleza do mundo
A flutuar aqui e ali nesse mar de brutalidades.

A poesia é alimento do espírito, fortaleza d'almas,
É a voz que traz d'outros mundos os ecos divinos
Para o encantamento desses nossos duros dias.

Do contrário, seríamos árvore que sofre sob a geada
Para no Verão morrer com a alma ressecada,
Como esses homens que andam por aí iguais a zumbis,
Almas de cântaros no Inverno da descrença:
Pobres, vazios, mortos são e não sabem.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Iguaria divina


Encontrei-te ontem
Na esquina da Lua
Que termina na rua
Caminho do Sol.

Estavas vestida de brilho
E cantavas entristecida
Para as nove musas
Que te escutavam no jardim.

Perguntei ao fauno que passava
Quem tu eras, por que brilhavas
Mais do que as estrelas
Contidas nas galáxias?

─ É a décima musa,
Que foi castigada pelo Tempo
Por ter em si tanta beleza ─,
Sussurrou-me o fauno.

─ Mas para que tanta maldade?

─ Ciúme, meu amigo, inveja!

─ Que mesquinhos são os deuses!

─Sim, e o castigo ainda é maior...

─ Maior!?

─ Hoje, quando o Sol brilhar,
A décima musa deve envelhecer
Até ser morta para sempre.

─ Mas, por que ela canta?

─ És tolo, amigo,
A juventude é o alimento do Tempo e de todos os deuses.
Morremos aos poucos numa comédia improvisada
E ao morrer fingimos inexplicável contentamento
Em doidos cantos, em doidas gargalhadas.

─ Tens razão, a tarefa do Tempo é desfigurar o belo.
Enrugar as horas e enfeiar os próximos minutos...

─ O Tempo é deus menino
E aparentemente sem apetite
Brinca com a comida!
Eis a verdade: no banquete da vida:
A nossa juventude é para os deuses
Iguaria, o mais divino dos divinos pratos!

Evocação da Poesia



Vem, bela e encantada,
Beija-me a boca
Para que eu cante ao mundo
Todos os teus encantamentos.

Morde-me a língua
Até que a língua me sangre
E tire de minhas veias
A tinta que ao mundo serve.

Dá-me uma estrela nova
Em cada noite que se repete,
Porque quero sempre claridade,
Tua nova luz sobre velhas ideias.

Aos poetas novos


 
Aquele que não conhece bem
Mas muito bem mesmo
As entranhas das palavras
Suas sonoridades, suas eternidades
E apelos sintáticos,
De ordem e merecimento,
Não pode ser poeta.
Será, quando muito, um modista,
Um empilhador de versos
Como um pedreiro a empilhar tijolos
Sem a cola da argamassa.

Metafísica do Irracional


Vejo metafísica nos números irracionais.
São algarismos que se negam em pensamento,
Estranhamente estranhos, têm vida suspeitosa
E jamais se fazem definitivamente certos.

O Pi, por exemplo, essa reticência tão maluca,
É um árabe que se veste de túnica grega
E se faz símbolo incerto e misterioso
Presente em todos os círculos.

Ele parece bem definido, mas é inexatidão.
Lembra-nos assim, que mesmo
Em figuras geométricas supostamente perfeitas,
Há um bocado de imperfeição.


quarta-feira, 16 de maio de 2012

Morrer, péssimo costume


O que dizer, como reagir, como confortá-lo, amigo,
Diante desse mau hábito humano que é morrer?

Sim, meu bom amigo, temos esse bruto costume
De abandonar o mundo de abrupto e para sempre;
Essa mania de levar pedaços de corações queridos
Para passeios que não sabemos exato destino.

Sim, meu triste amigo, nascemos para os adeuses
Em portos  sempre melancólicos e enevoados,
Pois aqui todos estão guardando tempo para a viagem.

Resta-nos viver esperando que o navio se atrase
E que os pedaços tirados com carinho doutras almas
Sejam em nós esperanças de novo encontro
Num grande e apertado abraço de terna saudade.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Infidelidade

Trair
É alimentar descaso
Mesmo que momentâneo
Ao que se ama.

Na realidade
Trair
É desamar o que até há pouquinho
Era delirantemente amado.

Trair
É um tremendo ato de desonestidade
Para consigo mesmo
E do amor, o maior pecado.

E perdoar
A quem trai
Não é grandeza de espírito
Nem obra de um coração
Cheio de bondade e misericórdia
É desamar desamando-se.

Perdoar a quem trai
É trair o amor próprio.
E eis aí
Nossa miséria
Só se pode expressar nobreza
Ao se perdoar um ato torpe.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O vento que há de vir


Gosto de acordar antes de ti
Nestes dias que se vestem de Outono
Olho para teu rosto e dormes suave
Em brancura sob brancos panos
Na candura de teus sonhos tão teus

Espero o teu acordar
E aquele teu sorriso conforme
De contentamento com tão pouco
Que dizes ser fortuna
Vaticinada pelas estrelas
Na noite feita de sussurros e segredos

É verdade, Anjo e cariño meu,
Já tenho da última noite saudades
E ao te observar assim tão feliz
Tenho absurdo medo, medonho mesmo
De não te encontrar na próxima Lua
Na manhã de fraco vento que há de vir
Previsível somente no cair das folhas
Dos conformados arvoredos.

Colheita


Venturoso é o homem que possui as estrelas
E que tem no firmamento seu latifúndio
Para plantar palavras e colher poesia.

Código universal



Marte impera
E as deidades outras
Cuidam dos seus
Tediosos afazeres
A esperar dos séculos
O final tão óbvio.

Depois, em novo Olimpo,
Eles devem
Começar tudinho novamente,
Essa é a ordem no caos,
Porque o refazer
É lei universal
Que até os deuses
Submete e condena.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Do outro lado do rio

Não te enganes, caríssimo meu,
Tudo que é teu vai no teu espírito guardado.

Nesta viagem pelo frenocômio
Não adianta guardar penduricalhos,
Souvenirs adquiridos aqui e ali:
Certamente serão apreendidos
E na última alfândega barrados.

E não tem conversa, porque até hoje
Não temos notícia
De alguém que tenha conseguido
Subornar o guarda
Ao passar para o mundo dos olvidados.

Lá, do outro lado,  depois dos escuros,
E assim dizem todos os livros sagrados,
Só vão querer saber de cargas leves,
Do amor dado, do bem que nos alivia.

Saibas meu caro, o barco de Caronte é frágil,
Não aguenta o peso dos ódios acumulados,
Não suporta os paralelepípedos doirados
Que guardaste no banco
À custa de muito sofrimento alheio.

Sim, chegarás na margem do rio de mãos vazias:
Sem malas, sem carros, sem luxo, sem bolsos...
E a passagem será cobrada do que levarás contigo
Aí bem dentro de tua alma, de teu espírito. 

Lá,  meu amigo, não adianta ligar para o banqueiro,
Contratar empréstimos, pedir ao gerente,
Descontar um cheque, uma letra de câmbio:
Lá, o amor é a única moeda aceita e corrente.
Portanto, vai acumulando bastante desse capital
Para que, quando surpreendido, ele não te falte.


Do amor e das fontes

Amar é estar inquieto n’alma.
É agonizar de sede ao lado da fonte
Pois, por mais que dessa fonte se beba
Mais e mais se morre de sede.

Amas e és inquieta, preocupada.
“E se me faltar o amor?”,
É a tua pergunta infeliz dentro da felicidade;
Não troques a realidade pela possibilidade!

Ama! – A despeito de tudo, ama!
Viver mesmo com as inquietudes do amor
É o que nos faz deliciosamente humanos.

Vive! – A despeito de tudo, vive!
A vida sem amor é uma fonte sem água,
Nada dela sobrevive além do rancor e mágoas.

Meu pecado


Amo-te Incondicionalmente
Como deve ser incondicional o amor dos amantes.

E quando tu estás por sobre mim
Miro teu rosto
Quente
Em sangue avivado.

Teus brincos, tristes
          Em
            p
              ê
                n
                   d
                     u
                       l
                        o
                           s
Medem o tempo dessa fugidia felicidade.

E mesmo em tamanho pecado,
Peço a Deus que te deixe assim sempre
 Por sobre meu corpo,
 Em fogo,
 Viva,
No amor que arde,
Até que a última estrela
Em bilhões de anos que não sei contar,
No fim dos séculos, se apague.

Contigo, a paz

Sei que tens a beleza de Helena
E, principalmente, a paciência de Penélope
E ver a ti outra vez é o que mais quero.

Amanhã, hei de abandonar minhas armas,
É que o campo de batalha me amofina
E vencer os minotauros dos negócios diários
Já não tem glória nem graça alguma.

Sim, preciso de longas férias em teu colo,
Conversar com Baco, tomar um vinho contigo,
Escutar teus versos como quem escuta Minerva,
Admirando teu branco rosto enfeitado por Febe.

Sim, andar pelos bosques sem horários e aborrecimentos,
Com meus braços entre os teus entrelaçados,
Simples gesto de amor e que tanto me faz falta.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Canto do tempo findo




Canto
A vida simples e simplesmente
Porque sou poeta

Canto
Porque o cantar foi o que a vida me deu
Por ofício e condena

Canto
A alegria que não existe
Porque nesta comédia
A vida se apresenta em traje de gala
E com a escura capa que não pode esconder
A nossa destinada e rústica mortalha

Canto
Pois há sempre o definitivo final guardado
Para particulares e tristes tragédias.

Canto
A ladainha das contritas procissões
Dos meus taciturnos companheiros
Que lutam em meio a pesadelos
E esperam melhor sina no além
Anunciada pelos santos
E pelo próprio desespero

Canto
A dor da mãe que sem amparo e remédio agoniza
E que depois sem vida é impedida de ouvir
Nos urros das futuras gerações
O ressoar dos doloridos gritos
Saídos de suas enfermas entranhas

Canto
O cansado pai
Que do seu trabalho não vê sustento
Para a pobre e contínua prole
Condenada à miserável ignorância de si
Sua estúpida e verdadeira pobreza

Canto
As injustiças que campeiam mundo
O que come e deixa morrer de fome
O que de branco e encardido colarinho
Rouba
Mata
E se refestela
E se lambuza
Nos excrementos de fétidos festins

Canto
O que abusa dos fracos e inocentes
E bebe do vinagre dos que mentem

Canto
Porque assim como o oceano
Dará sempre na areia ou no rochedo
A vida de quem quer que seja
Dará certamente no último minuto de seu tempo
Naquele inegociável e extremado juízo
Com única e exclusiva sentença
Sem a oportunidade de adeuses demorados
Ou de inúteis lágrimas de tardio arrependimento.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Tarô e outros fados


Tristes são certas conclusões neste tempo
Ao qual damos o nome de existência.
Uma delas diz que 99,99 porcento dos viventes
Atracaram no porto do mundo
Sem a assistência de um cometa
Somente os reis, os papas
(E ao que parece também os cantores sertanejos!)
É que gozam desse privilégio celeste

Outra dedução não menos grave
Diz que quando a cigana põe o tarô
São 77 cartas de vaticínios prováveis
E apenas uma de predição certeira

É... O viver é coisa incerta e medonha
Aos opulentos, aos remediados
Ou até mesmo aos condenados
Que gastam a vida no chão de fábrica
E não ligam para as coisas do pensamento

No baralho, ao se brincar com a sorte
Haverá sempre a ameaça sobre os amores
Reis e rainhas distantes
E uma inevitável forca
Para lembrar-nos das desgraças próximas.

Haverá também a carta última
Terrível
A dizer-nos do destino comum
Óbvio
E tão certo aos homens
Como é a dúvida para o filósofo.