sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A cor do abismo

Esperar-te...Esperar-te...
Quanto tempo inda posso
Mirar ao longe a esperar-te?
Lá, leve sombra passa
À sombra das disformidades,
Tão viva, tão presente...
Lá, teu rosto some
Tão vivo, tão presente:
Sei que tens ainda os cabelos da noite estrelada,
Ainda tens como prisioneiro o riso de minh’alma,
Ainda tens teu olhar distante pregado no que não foi,
Tão infinito que não mais o tens em alcance.
Ainda tens nos olhos todas as profundidades;
Neles, o negro é meu antigo abismo,
Vazio contínuo, queda sem fim...
Neles desde a infância caio; desabo sentindo no rosto o vento,
O leve vento soprado pela tua eterna e terrível ausência.
Desabo e nele caio
A esperar-te... A esperar-te...
Quanto tempo posso ainda?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Unidos do Vaticano

Há um boi nos ares
Da América do Sul
Há uma brasa, ilha,
No Planalto Central
E um rio que nos arrasta
Para as águas da Guanabara
Em todo janeiro
Que se faz em fevereiro
Nas carnes das mulatas nuas
Nos morros, vilas, favelas.
Viva, salve, Mangueira!

O burocrata não caiu no samba
Por falta de protocolo, terno e gravata

O turista argentino não foi para a avenida
Por pura incompatibilidade com os seus pés

Todos, a mulata, o burocrata
E o argentino sumiram na quarta-feira
Pois há um boi nos ares
Da América Latina
E uma brasa, ilha, no Planalto Central.
E viva o Vaticano, que decide todo ano
Quando será o nosso Carnaval!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Ford



Primeiro apito
Seis horas da manhã repetida

Chaminés nervosas
Tiram o azul do céu
Pois ele não se faz necessário

Segundo apito
Sete horas da manhã sem esperança

A avalanche azul-servil
Desaba sobre o portal fabril
Num automatismo maquinal

Apitos
As oito horas seguintes ainda sem esperança

Tantãs, baques surdos, cronômetros,
Parafusos, arruelas, porcas,
Chave inglesa, martelos, micrômetros

Apito
Seis da tarde, não esperança no inferno
Metade das duas sagradas diárias horas extras

Caldeiras, suores, vapores,
Músculo, porcas, engrenagens,
Apertos, força, controle, tempo

Apito
Sete horas da noite que promete ser igual a todas as noites

Fila, cartão-ponto, pernas
Portão, calçada, rua
Bar, cachaça, amigos, casa

Badalada
Dez da noite que parecia boa e igual a todas as noites

Filhos, choros, cachorro
Sogra, mulher, novela
Marmita pronta, uniforme limpo, sono

Primeiro apito
Seis horas da manhã repetida.

II

"Zé... Ó Zé!
A fábrica já pitou; Zé, alevanta, home!...
Zé... Ó Zé..."

"Que é, muié!?"

"A fabrica pita, é seis, alevanta."

"Humm..."

"Que vida home, todo dia a mesma coisa!"

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Montagem

Quisera ter agora, neste momento
Minhas vacilantes mãos sobre as suas...
Repousar minha cabeça, meu pensamento
No seu colo, nas suas coxas nuas

Quisera. Quero tanto e tanto quero
Seu sorriso guardado num dos bolsos

Quisera tanto
Sua voz num eterno acalanto

Quisera e tanto
Quero. Quisera tanto
Juntar esses pedaços e tê-la,
Uma vez que seja, inteira.