segunda-feira, 29 de abril de 2013

Da miséria intelectual

Em relação ao pensamento, existem pelo menos três categorias neste mundo: os que não pensam por si só, inconscientes que são até mesmo da própria existência; os que ouvem somente as "verdades" que lhes são convenientes e têm isso como absoluto; os que ouvem e observam tudo e depois formam opinião, passível inclusive de mudanças. No primeiro caso, são as grandes massas informes bem ao gosto dos políticos e outros enganadores; no segundo, é a massa de manobra: teleguiados dos que vivem da miséria intelectual alheia e tenta cooptar as grandes massas ignaras para a escravidão sem questionamentos enfeitada com a propaganda e marketing de uma felicidade inexistente; os últimos, que nada aceitando como definitivo, mudam o mundo e educam seus semelhantes para não servirem aos que os querem sob ferros.

Tempos bárbaros

A história da civilização -- para ser entendida como tal -- é uma medonha luta do homem contra a ignorância; se estamos neste atual estágio de barbárie, quando se mata por nada, um tênis, um relógio, gosto e maldade apenas, é porque esta luta se mostra inglória, porém não perdida, não obstante a galopante apologia à burrice, à falta de conhecimento, ou a esse se dar bem sem estudo e esforço. Lutemos pois, a vida seria uma chatice se fôssemos todos concordantes, inclusive com os bárbaros desprovidos do espírito humano. Barcos não navegam em calmaria e até mesmo a tempestade nos leva adiante. Em outras palavras, "trupicando" também avançamos.

domingo, 28 de abril de 2013

Existência padrão

Não tem coisa mais aborrecida do que tentar conversar com sujeitos de história retilínea e comum, sem solavancos no viver, uma aventura sequer e que cultuam os padrões do nada existencial.

sábado, 27 de abril de 2013

O último ato da bailarina

Estava transtornada e alta
Olhava para mim e gargalhava
No passo que ensaiava
Queria porque queria nova coreografia
Para seu grupo de dança imaginário

Lamentava-se depois de sua idade
(Era tão jovem, igual a mim,
Mas dizia-se velha para Tchaikovski)
As pernas que não obedeciam...

Não suportaria
A falta de aplausos pela cena
Pela desgraciosidade de bailarina
Sem equilíbrio firme:
Demi-plié... Arabesque

Parou, chorou e olhou a janela
Do prédio que se erguia alto
Um dia iria voar em graça e estilo
Como um dia voou e voou

Demi-plié... Sissone en avant...
Vazando o vazio, com o vento no rosto
Até dormir no perro chão 
Daquela penosa realidade 
Que não mais servia para seu cenário.



sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sexta-feira

Sexta-feira! Decreta-se a suspensão das responsabilidades
O fazer e o refazer das estafantes fábricas e maçantes escritórios
Dia em que se inicia o fim das inconvenientes formalidades
Para alguns, dia de conhecer novos e acolher velhos amigos
Chorar as mágoas, cicatrizar com um novo amor antiga ferida
Para outros, grande oportunidade de enfiar o pé na jaca
Tomar todas, ir para a balada, esquecer o que deve ser esquecido
Para tantos outros, dia de ficar ou passear com a família
Sexta feira, dia em que lembramos que a vida é para ser vivida.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Chuva na Paraíba

                                                                                                        Para Ana Coeli Bezerra

Às vezes faço versos secos
Porque seca é a terra dos meus ancestrais
Versos de lirismo pouco
Porque não cabe lira no sofrimento alheio
Mas quando as lágrimas do sertanejo secam
E as nuvens engordam, se enchendo delas
E volta a chover contente no chão rachado
Coloco chuva e verde nos meus poemas
E dano-me a chorar a felicidade pequena
Na mesma sina dos meus antepassados.

Sustos

Tudo neste Universo
Nasce, vive e morre
Compreender isso
Em plenitude e verdade
É uma grande economia
De assombros e sustos.

Sem jeito

Vivo sem jeito
Mas doido é o sujeito
Que pensa ter a vida jeito
Porque não há jeito
Porque na vida
A única certeza
É o último escuro leito.


Passageira

vida passageira
motorista inconsequente
sempre termina em acidente. 

Acaso

se por acaso eu te encontrar
faça caso, por favor, sem descaso
esse acaso é armadilha do amor.

Ligação química

Eu não sabia ainda o que era o amor
Vivia da inocência dos números
Que tanto amava, porque por eles
Era amado em exatidão
E teus olhos negros, curiosos e inexatos
Seguiam-me as mãos
Ao equilibrar mais uma equação
E teu queixo encostado em mim
Ao teu coração conectava-me
Não saberia dizer qual ouvia
Se era o teu ou o meu que doido batia
Sentia-te, no silêncio da biblioteca
E devagar te explicava
O primeiro grupo de cátions
Confundindo tuas longas unhas
Bem feitas e pintadas
Com as cores das substâncias
Sentia a química de tua respiração
Que nos ligava pela eternidade
Que só se faria ali, tão breve
Mas tão longa na saudade.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A tua janela é de pedra

Não sinto o menor desejo
De fazer parte das pedras
Dos azulejos e mármores da cidade
De estar concretado nas paredes
De ser tristeza pintado de cinza
Nasci como os fungos nascem
Grudado nas árvores
Vestido de nu
E enfeitado pelos lírios campestres
Nada em mim me faz pedra
Somente minha vontade imita pedra
Porque a minha janela é o horizonte todo
E de alto morro posso te ver
Por entre os espigões que beliscam o céu
E tenho de ti pena, muita pena
E choro tristemente calado
Porque tua janela é tão pequena
E lhe dá de presente pela manhã
Apenas o paredão do prédio ao lado.

Das beiradas

são as beiradas
que dão vida e sentido
ao fundo abismo.

Bolacha Maria

crec... que macia...
quem dera se essa bolacha
fosse a Maria.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Questão irrelevante

Fui falar sobre literatura numa escola e o aluno pergunta: "o que é, afinal, poesia?" -- "Esse questionamento", respondi, "deve ser feito aos acadêmicos, ao poeta essa questão não tem importância alguma, porque é na poesia que ele entende o mundo, embora de si nada entenda". Exagerei, mas o piá pançudo olhou para mim naturalmente, como se houvesse assimilado o paradoxo da arte, e me mostrou um poema: "escrevi para a minha prima, está legal?".

Credo

Não crês em nada - está certo - és livre. Porém, não atino com a razão de estares por aqui, porque viver neste bruto mundo exige do vivente um bocado de crença, inclusive nele mesmo, principalmente nele mesmo.

Dos abismos

Deus fez tudo certo, duvide disso não. Ao fazer o buraco nunca menor do que sete palmos, repare, fez as beiras. Viver é saber ficar bem agarrado nelas, sentindo o vento na bunda, os apelos do abismo.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

De pegada

Amor íntimo
Querida
É sua orelha
Na minha boca
Para me escutar
Por dentro.

Amor ardente
Faminta
São seus dentes
Mordendo-me
A língua.

Amor de pegada
Desalmada
Nos pega de jeito
E sem jeito
Mente e nos diz
Que não é nada.


Das seguidas cirurgias cardíacas

E quando me descosturaste o peito
E puxaste linha por linha, ponto por ponto
E tiraste de lá dentro artigos de carinho
Revestidos de velhos tecidos de sonhos
E as gazes que estancavam amores olvidados
Pensei-me curado por essa última e estranha cirurgia
Mas, médica d'almas, falhaste com a agulha
E em largo alinhavo de fios feitos de inesperado adeus
Terminaste a operação esquecendo-te dentro de mim.

Avisos do tráfico

Espocam os fogos nos céus da vila
Pelo barulho deve ser boa mercadoria
E os operários que descem a rua
No fim do dia, a caminho de casa
São temerosos dos descaminhos
Que esperam seus inocentes filhos.

Em ti confio

sim, confio em ti
mas, de mim desconfiando
porque sou paixão.

Paixão elétrica

electrocutado
pelo corisco arisco
de teu fogo e brilho.

Crime

a boca calada
em tempo de injustiças
é terrível crime.

Meu livro

letras que me somem,
livro vazio e etéreo,
vida não escrita.

Meu pecado

profana paixão
meu pecado inconfesso
na cama te rezo.

Calmarias

mar das serenidades,
teus verdes e mansos olhos...
calmarias do dia.

domingo, 21 de abril de 2013

Minha

inverno. és nua
solta sobre a cama, quente
sussurras: sou tua.

Passadas

dobro esquinas
engomadas
com cinza concreto.

O egoísmo está no verbo

Os dois verbos básicos de todas as línguas são o "ser" e o "haver", também no sentido de "estar" e "ter". Eles são conjugados sempre a partir da primeira pessoa, "eu". Daí se explica nosso egoísmo medonho, a vontade de sermos mais do que somos e de se ter mais do que precisamos. Eis nosso espírito, eis nossa miséria e vergonha implícitas na língua.

Sonhos alados

Teus sonhos alados
Estão hoje sobre a montanha
Divisam horizontes, os novos
Conferem os rumos
Em cartas siderais
E lamentam antigos voos
Desastrados por Ícaro
E desistem de alcançar o Sol
Não por covardia ou preguiça
Mas por vontade e esperteza
Para eles, experientes, sábio é
Orbitar a Lua
É nela que mora a poesia
A luz que ilumina os escuros. 

Tristezas de Domingo

Acordar cedo no Domingo
Esticar o braço na cama
E sentir o travesseiro vazio
E a cama ainda quente
Do corpo que já não existe
É estar condenado à morte
Uma morte que se repete
Para quem sobrou vivo
E ainda pode sentir a tristeza
De todos os Domingos vazios.



sábado, 20 de abril de 2013

Fantasmas públicos

-- Valha-me Deus, Nossa Senhora!
-- Saia, coisa ruim!!
-- Vade retro, Satanás!!!
Frases para se falar e se benzer
Naquela fantasmagórica
Repartição Pública.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Polaca zangada

Agarrei no pandeiro e cheguei tarde
Ajeitei a rede prá modo de escutar
Nos sonhos as músicas que nem sei
Aquelas que nunca fiz ou cantei

A Polaca acordou cedo, azeda
Com aquela cara de você me paga
Zangada, zangada
Não fez café e zanzou de lá prá cá

Estava com um bico sem tamanho
Olhos vermelhos e no fundo,
Coisa  de quem não dormiu

Passou por mim sem um pio
Embora eu visse nela
A vontade de me mandar para...
(...Ora, vocês sabem pradonde!...)
...É só rimar o pio e rezar por mim!
E assim, talvez chegue vivo
Na Quarta-feira de Cinzas!


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Das imensidões


Arrasta aí uma cadeira véia
Porque minha história é grande
Enquanto passo café,
Favor é me escutar, compadre
Sei a razão. Tamo neste mundão
Nessa coisa doida, adescobri disdontem
Prá modo de olhar a noite estrelada
E esses trecos que são maior que nós
Imagina compadre...
-- Não tem açúcar, mas pode tomar o café, é fresco --
... Imagina ser tão grande e espichado desse jeito
Como esse Universo sem fim, essa imensidão,
Sem ter uma única criatura, um zé qualquer
Para lhe admirar, para o sujueito se sentir igual formiga
Seria um desperdício, compadre, uma judiação...
Grandeza carece de admiração, de bem querer
Vai mais café... É bão barbaridade, compadre!

Víscera expostas

Escrever, escrever doidamente
Até que se me gastem os dedos
Até que se esgotem todas as utopias
Até que se evolam todos os sonhos
Até que se esvaia a tinta das minhas veias
Até que se acabem os papéis, os muros
As pedras e todas as paredes e portas
Descrever, descrever com o próprio sangue
O amor esfaqueado nas esquinas
O desamor esfacelado no asfalto
A ave cruzando o céu limpo
E nuvens que se negam a ser chuva
Desprezar, desprezar a pontuação
E outras interrupções da vida
Nada de pontos, somente exclamações
Porque para o poeta
A vida só é vida se for espanto
Com palavras de vísceras expostas
Em espantoso grito contido no verso!

Crimes hediondos

Hediondos são vossos crimes
Caros políticos ladrões e canalhas
Hediondo é o roubo do dinheiro do povo
O surrupio dos recursos da Saúde
Que compraram a tranca de vossas soberbas mansões
As verbas da Educação
Desviadas que compraram vossos livros nunca lidos
As fartas merrecas que saíram da Habitação
Para vossas amantes nos shoppings
Crime hediondo, caros larápios
É ofertar a essa massa de miseráveis
O desrespeito, uma dentadura pelo voto
É abandonar a criança ao relento
É deixar o incapaz morrer de fome e frio
Ofertáreis a esses infelizes o crime e a revolta
E agora desejais prendê-los
Só porque vossos ricos parentes e comparsas morrem?
Sois hediondos duas vezes, hipócritas
Ao negarem a vida aos que sofrem
Ao condenarem à violência e à morte vossos filhos!

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Tu, meu acerto


Fosse-me a existência
Mais dura ainda do que é
Fosse-me a vida
Tão mais desencontrada
Creio que ainda valeria a pena
Tu estás nela, no meu ar
Nas minhas esquinas
No luar da noite finda
No Sol deste dia tão comum
E que brilha em teimosia
Teimosamente sobre nossas cabeças
Amar a ti foi meu acerto
E se o céu cair
E se a Lua sumir
E se o Sol apagar
E se não houver esquina
Não me importarei
Porque a ti ainda respiro.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Amor não se vende


Ontem tomava café
No Paço da Liberdade
E aquela triste mulher
Que cobra por hora
Em infectos cômodos
Da rua Riachuelo
Ficou brava comigo
Enquanto pena eu sentia
De vê-la assim na vida
Tratei-a bem, com educação
Mas não a queria não
No amor não se bota preço
No amor, se bota coração.

Paixão & Conveniência

Se você acha que se apaixona só quando vale a pena, ou quando é conveniente, Então, você não sabe o que é paixão. Ela, a paixão, sempre vale a pena, pois é vida e adora horas inconvenientes, pois é surpresa.

Cérebro & Paixão

Se há coisa neste mundo que não combina com a paixão é o cérebro.
Paixão é para os passionais, para os que se arriscam na chuva mesmo sabendo da dar de cabeça do resfriado, para aqueles que só são coração. 
E vamos e venhamos, o cérebro é um bichinho que odeia chuva; todo indiferença, branco e cinza, sem vivas cores, dentro de uma caixa e por isso detesta a dor.

Pensando bem:

É lógico que o cérebro não combina com a paixão por pura autoproteção. 
Paixão exige que o passional se atire de cabeça. 
E, normalmente, as pessoas têm um cérebro lá na caixinha de comando.

Paço da Liberdade

A tarde vem desabando
Devagarinho
E as amarelas luzes
Dos vapores do sódio
No ferro dos postes
Clamam e evocam
Passados séculos
E no toc toc dos sapatos
Sinto perdidos passos
Da moça que passa
E não me vê
Tomo meu café
Diluo-me na fumaça
Do bandido cigarro
E a florista olha ao longe
Também sem me ver
Translúcido
No ar dissipo-me
Em soturnos pensamentos
Saboreando aos goles
A liberdade deste Paço
De ser invisível
O invisível que a tudo vê.



Surpresas da vida

Surpresas na vida:
É ir comprar flores
E se apaixonar
Pela florista;
É sair calmo para
Comprar jornais
E virar notícia.

Quem é a flor?

Linda, mui bela
Por entre as flores
Ela vende belezas
Para os solitários
As orquídeas
Para os apaixonados
Rosas multicores
Flores dos amores
Flores do encontro
Flores da saudade
Em arranjos
Em vivas fitas

E do rosto sereno
E dos claros cabelos
De luzes descoloridas
Em reflexo
Nas sempre-vivas
Bromélias
Margaridas
Vem-me a dúvida
Dentre elas
Quem é a flor?
Quem é a florista?

domingo, 14 de abril de 2013

Boneca de pano

Em casa, veste-se como uma boneca de pano e enche a cara de creme. Convido-a para sair e se embeleza toda. E ainda pergunta se está bonita! Quem nesse mundo consegue compreender de fato essas complicações chamadas mulheres e que gostamos tanto!

Minha benção

Abençoado seja aquele
que no governo acredita, 
ou é um cretino, ou toma 
da mesma água na bica.

Certas incertezas

Sem certeza alguma
Desta vez quero acertar
Decerto seria certo
Deixar meu coração
Bater por ti incertamente

E neste bater intermitente
Como um rei sem cetro
Espera sonhado reino
Devo esperar-te sem certeza
Infinitamente, infeliz e contente.

O preço da arte

A poesia nos obriga à solidão compulsória
Ninguém pode escrevê-la em teu lugar
Ninguém pode pensá-la por ti
Ela nos faz tão sozinhos
Que chegamos a pensar
Ser esse nosso estado natural

Todas as artes nos pedem preço
Mesmo que não tenham preço
Mesmo que não tenham mercado
Mesmo porque, no mercado não são arte
Poisque serão apenas mercadorias
Feitas em série, artesanato industrial

A solidão, eis o preço da arte
Nosso tempo cavando vazios
Na louca procura pela nudez das ideias
Eis da poesia a moeda de troca
Ideias completamente nuas.

sábado, 13 de abril de 2013

Visita das comadres


Sábado só, arrumo a mesa,
Dia de visita das lembranças:
Uma vasilha, um guardanapo solto,
Uma chávena e os talheres gastos.

As lembranças chegam
Comem bolachas, bolinhos.
Estão desdentadas, velhas
E molham tudo no chá.

Lamentos tantos, tantos, tantos
Na conversa mole de comadres
E para esquentar assunto
Perguntam-me se passa bem, se vai bem
De ti aquela doída saudade.

A morte de um cabra besta

- Acorda, bennheeeê!
- Hoje é sábado, não me enche...
- 13 de abril, Dia do Beijo!
- E você me acorda prá dizer isso! Vá dormir, descomungada! (Silêncio... som de tiro)...
- Toma, cabra besta! Sujeitinho sem coração!

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Perigos do branco na chuva

Toda molhada
E transparente
No teu vestido
Branco e fino
Bendita chuva
Que dá
Ao meu espírito
Teu corpo tão lindo
E este pecado
Que me faz
Puro desatino.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Tua voz no vento

Tenho poucos e boníssimos prazeres
Ouvir-te, por exemplo, em suavidade
Tua voz que corre sossegada no vento
Nesse louco vento que nos carrega
Dali para aqui, dali para aqui, sempre

Não ouvir o teu pontual bom-dia
Por certo me estraga o dia
E dele nada mais espero do que a agonia

Não ouvir o teu boa-noite
É não ter noite, poisque falta-me tua estrela

Não ouvir o teu "eu te amo"
É ter dúvidas se vivo de verdade
Pois somente teu amor me faz na vida crer.

1/2 + 1/2 = 1


quarta-feira, 10 de abril de 2013

Postulados da Geometria Vetorial do Amor

1. Uma reta determina um caminho;
2. Dois caminhos paralelos podem ser percorridos por dois seres ao mesmo tempo;
3. Uma reta pode amar a outra reta e, sobrepostas, determinam o mesmo caminho;
4. O ser na reta paralela pode amar o ser da paralela necessariamente sobreposta à primeira;
5. O amor dos seres determinam apenas um caminho se forem de iguais direção e sentido;
6. Para não se perder no caminho necessariamente há de se dar as mãos;
7. Beijos, abraços e amor profundo alongam quaisquer segmentos de reta ao infinito;
8. O amor abomina desvios, direções opostas, tangentes, transversais e perpendiculares.



1/2 + 1/2 = 1

O amor
Pela metade
De nada vale

O amor
Precisa de 1/2
Que se soma a outro 1/2
Para se fazer inteiro
E só assim, na somas das metades
Se faz único e verdadeiro.

Tuas metades

És feita assim
Metade amor
E a outra metade também
E toda, inteira
És o amor sem fim.

Missa de domingo

Na missa te ajoelhaste ao meu lado
Enquanto tilintava o tintinábulo
Na consagração
E minhas mãos tremiam
Ao alisarem
Tuas pernas
Na celebração
Dos meus pecados
Do sábado.

Poema desaparecido

E aquele poeminha
Curtinho e com rimas
Ficou dias me infernizando
Dando batidinhas
No meu coração
Querendo sair
Ver mundo
Sumiu? Não quer mais ser dos homens!

domingo, 7 de abril de 2013

O Anjo da Guarda - Gabriela Mistral



É verdade, não é um conto;
há um anjo da guarda
que te apanha e carrega como o vento
e com as crianças vai por donde elas vão.

Tem cabelos leves,
ondulados pelo vento,
olhos doces e graves
que acalmam ao te olhar
e afastam os medos com sua luz.

(Não é um conto, é verdade)

Ele tem corpo, mãos e pés alados
e suas seis asas plainam e voam,
as seis levantam leve aragem
a mesma que te fará dormir.
Ele é mais doce do que a polpa madura
que entre teus famintos lábios estreitas;
rompe a nós de sua dura casca
e é quem te livra de gnomos e bruxas.

É quem te auxilia a recolher as rosas
que estão presas em armadilhas e espinhos
ele que te faz atravessar as águas traiçoeiras
e te faz subir as montanhas mais íngremes.
-------------------------------
O Anjo da Guarda - Gabriela Mistral - Tradução Jose Fernando Nandé

EL ÁNGEL GUARDIÁN

Es verdad, no es un cuento;
hay un Ángel Guardián
que te toma y te lleva como el viento
y con los niños va por donde van.

Tiene cabellos suaves
que van en la venteada,
ojos dulces y graves
que te sosiegan con una mirada
y matan miedos dando claridad.

(No es un cuento, es verdad.)

El tiene cuerpo, manos y pies de alas
y las seis alas vuelan o resbalan,
las seis te llevan de su aire batido
y lo mismo te llevan de dormido.
Hace más dulce la pulpa madura
que entre tus labios golosos estruja;
rompe a la nuez su taimada envoltura
y es quien te libra de gnomos y brujas.

Es quien te ayuda a que cortes las rosas,
que están sentadas en trampas de espinas,
el que te pasa las aguas mañosas
y el que te sube las cuestas más pinas.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Aos de rosto de porcelana

Tenho horror a essas pessoas que se adiam
A esses seres de rosto de dura e fria porcelana
Que se economizam para o depois
Em empoeiradas e antigas cristaleiras
Que guardam ouro, dormem sobre o dinheiro
Cultivam banalidades e se repetem
E que são avaros em beijos, amores e abraços
Não têm vida de verdade e na realidade
Têm por certeza somente incerta riqueza na morte

Ó pessoas vazias! Ó seguidores dos deuses adiados!
Passai ao largo! Guardai distância de mim!

Apelo à chuva

Chuvinha da tarde, tenha compaixão
Caia mansa e simples, levinha e quente
Para aqueles que sofrem sem habitação
E lave a encardida alma dos indiferentes.

Consciente e descuidado

-- Cuidado!
-- Perigo!
Diz a placa na calçada
Não ligo, descuidado vou
Porquanto de longe sei
Que a vida
É feita disso
Perigo descuidado
Porque sempre termina
No último buraco
Num susto de tropeço
Inevitável.

Lá-rá, lê-rém

Meu amor, quero um samba novo
Misture Mozart e Maurice Ravel
Acelere tudo neste piano velho
Enquanto afino a caixa de fósforos
Chame compadre Astolfo da Neném
Vamos colocar sanfona com batuque
Escuta lá longe o apito do trem
Coloque-o no samba também
A letra? Ora a letra, não se preocupe
Cante apenas o lá-rá, lê-rém...


terça-feira, 2 de abril de 2013

Bilboquê

Guardo coisas antigas; objetos
São marcos de longo caminho
Que me mostram lembranças
Um velho brinquedo de infância
Que me faz outra vez sonhador
O bilboquê está sobre uma carta
Que carta será, por que a guardei?
Apanho o papel fino e amarelo
Há gasta tinta, letra caprichada
Num envelope que nunca mandei
Sim, foi para um amor que tive
E que somente ao papel confessei.