segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os dias que nunca virão

Pode o feitor amar o seu trabalho
Feito de ódio, dor e castigo
Pois o ódio, a dor e o castigo
São a sua felicidade sádica.

Mas não pode o escravo
Amar a escravidão
E a chibata que lhe corta o couro

Não pode o escravo amar o relho
Feito por uma escola que não ensina
E por livros que apenas distraem

Ou, o escravo amar o tronco de suplícios
Urdido pela propaganda que engana
E que diz que a servidão
É o estado normal de 99%
Dos homens que vivem neste mundo
De bocarras escancaradas, a espera
De dias melhores, dias que nunca virão.

O tempo certo é o agora

Tudo está no seu correto tempo
Nada acontece antes ou depois
A hora é sempre a exata hora

Sinto que tu és aflita, sofres e choras
Pelo que pode acontecer
E vives assim, esperando
A promessa do tempo
E não o que é o agora

Aflição, sofrimento à toa
É esse esperar contínuo
Pelo ressoar do sino
Até o seu novo encontro
Com o martelo do badalo.

Viver não é esperar
A realização do sonho incerto num tempo
Não menos incerto
Viver é reconhecer o tempo certo
Na incerteza dos intervalos das horas.




O féretro

Relata-me o quão ditosos são teus dias
Realmente, a Fortuna em ti fez morada...
E desde que deste mundo tomaste o ar
Tudo te aparece e vem de mão beijada

Mas também me dizes que és vazio
Nunca fizeste nada além do trivial
Jamais sofreste de amor, porque não amaste
Jamais escreveste sobre o amor, por não tê-lo
Jamais te arranhou o mais leve sofrimento...

E tu me perguntas o que penso disso...
E sem pensar muito nada falo
Porque só tenho nos olhos os tristes cravos murchos
Que enfeitam o ataúde do defunto
No carro funerário que ao largo passa.

domingo, 29 de julho de 2012

Cuida da brisa

O amor é tênue chama
Que o mais leve vento
Da desconfiança apaga.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A história de Gislaine

Foi num abril
Quando rosas abrem-se,
Os homens fazem revoluções
E nossos corações batem
Com a intensidade
Da bateria da Beija-flor,
Ecoando ainda o último Fevereiro
E o doce reinado de Momo.
Mas, foi em Abril,
Conta-me a viúva,
No último Abril,
E o agente funerário
Foi quem anunciou a desgraça.
Disse que ele,
o companheiro do último cigarro,
E de todos os copos,
Havia morrido num estúpido acidente,
Acidente de trânsito.
Caso duvidasse
A prova estava ali
Numa estúpida foto,
Foto de telefone celular.
Foi num Abril que se abriu
A cova de todos os seus sonhos.




O mercado da estupidez

Eis pois, exposto ao teu rosto
Este mundinho mesquinho
Dos estúpidos que ditam modas.

Não a moda das roupas,
Dos costumes inventados,
Das cores da estação,
Mas a moda da estupidez,
Aquela que se aproveita
Da falta do senso do ridículo
Dessa grande massa que não pensa,
Dessa massa modelável
Como um boneco de neve
Com o nariz de cenoura.

A que ponto chegamos
Nessa sociedade de consumo
Em que tudo se transforma
Em mercadoria e dinheiro:
Hoje é possível vender a estupidez
E chamá-la de moda.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Das esquinas e encruzilhadas


Gostamos das esquinas, de todas as esquinas
Pois são nelas que estão os pontos cardeiais
E dar rumo à vida fica mais fácil

Mas sou poeta, e os poetas não se contentam com rumos certos
Amo mesmo e com inexplicável paíxão
As encruzilhadas em descampados
Porque elas não se fazem Norte, Sul, Leste, Oeste

As encruzilhadas nos levam para o imprevisível
Fora desses ângulos exatamente retos
Que tornam a vida tão aborrecida
Sem poesia, sem o gosto da aventura.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O sopro de teus lábios

O vento que sopra todas as manhãs
Carrega meus poemas
Talhados em noite mágica
Por lugares distantes, não sonhados

Sem eu saber de que essência foram feitos
Meus versos desabam do céu
Como folhas caídas da árvore proibida
Arrastando consigo deliciosos pecados

E sinto imparável vontade
De trazê-los para a realidade
Como se fossem a vida
Do sopro dos teus lábios.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Carmenzita vadia (samba)


Carmenzita, sua vadia, você fez tudo errado
Tirou o sol da minha janela
E meu prazer de caminhar pela calçada
Hoje dou bom-dia para poste, abraço na urtigueira,
Sou triste e sem cor como um filme de Renoir

Carmenzita, minha amante, deixa eu te contar
Isso não vai ficar assim, porque as coisas vão mudar
Pegue todas as suas coisinhas
Suas roupas no camiseiro
E siga o seu caminho
Que eu vou deixar o cativeiro

Cansei de seus caprichos
Não fico mais na reserva do jogo
No meu time eu trago a bola
E escalo cunhado e sogro

No meu time eu dou a bola
Bato escanteio, cabeceio
E escalo o juiz do jogo.

sábado, 21 de julho de 2012

Oração do poeta cibernético

Ó meu Senhor, com a permissão de Vossa graça,
Que nunca me falte a luz da Light, Copel, Eletropaulo
E outras elétricas centrais, todas cheias da claridade.

Na noite, em que faço poemas, lembrando o dia,
Dai-me a luz que nunca se apaga
E quando não, o candeeiro, as velas, as fogueiras
Dos meus antigos ancestrais.

Mantende-me meu Deus, os elétrons em seus ordinários caminhos
Sem sobrecargas, quedas de corrente, ou grandes Diferenças De Potencial,
DDP, ou simplesmente voltagem.

Mas em verdade, Vos peço, de todo o meu coração,
Que não me falte o sinal da internet
E que todos os megabytes não sejam apenas promessas
Do meu provedor. Pois viver na lentidão
Não mais combina com este mundo
Que é rápido e quiçá por demais acelerado.

Levai, meu Pai, minha mensagem delirante instantaneamente
A todos os corações que acessam o Facebook,
Principalmente, àquela menina triste
Que precisa de coragem para continuar vivendo.
Amém.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Vermelha

É vermelha
E tu sabes de meu gosto por tal cor
Da mesma forma que entendes o distante
Em que me recolho quando escrevo

É vermelha
Tua roupa interior
Que me tira da letargia das letras
E assim sei quando tu desejas amar
Além do amor d'almas, é claro

É vermelha
Como a marca da última carinhosa palmada
Estampada na brancura de tua pele, na bunda

É vermelha
A tua última mordida em meu peito
Tatuagem dos teus dentes
Sempre entre sussurros refeita

É vermelha
Tua face de êxtase avivada por gritos
E confissões capazes de fazer corar as putas.

domingo, 15 de julho de 2012

A falta de teus passos

A minha pobre rua se cobre de um cinza tristonho
Nela não mais se escuta ao longe a graça de teus passos
E esse silêncio em que se guardou tua beleza
Faz donde vivo o lugar mais desolador do mundo
Os ipês não mais florescem
E aquela cerejeira que eu mesmo plantei
Tem seu tronco torto e neste ano negou-me a florada...
E as rosas, encarnadas rosas,
Alimentaram as formigas e outras pragas...
E aqui dentro, dentro do meu peito,
Nada é diferente, vazio, desolação, memória apenas,
E uma saudade que a si mente e devora
A tua imagem que descia nesta antiga e defunta rua.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Alma com alma

Depois de comprida saudade,
Quando tu voltas aos meus braços
Sinto teu coração coladinho ao meu.
Assim, peito com peito,
Alma com alma,
Espírito com espírito,
Entre intermitentes batuques cardíacos,
Respiro teus silêncios
E somente neste particular momento
Sinto-me plenamente com vida.


terça-feira, 3 de julho de 2012

Azul-doirado

Um hoje extremamente azul-celeste
E aquela vontade que ao espírito veste
De transformar tudo em verso

O mundo carece de poesia
Que cante cada amanhecer
Principalmente, os hojes azulados em doirado

E tu, que vi nesta manhã incógnita na rua,
Com os olhos orvalhados na aurora da Esperança
Terás aqui o registro da luz de teu sorriso amanhecido

E a Paz, que é boa senhora e vilipendiada sempre,
Ganhará neste matinal céu de Inverno
Versos que rogam aos homens o seu sagrado nome.