domingo, 31 de março de 2013

Poesia íntima

Sei que estava muito cansado
E dormi fazendo de tua bunda
O mais macio dos travesseiros
Ali tive o mais sossegado sono
E na manhã seguinte te agradeci
Escrevendo naquela macia pele
Com as tintas da volúpia plena
O mais intenso e íntimo poema
Dividido em duas grandes partes
Quatorze versos em cada nádega
Com o ponto final na minha língua.

sábado, 30 de março de 2013

Outdoor e haikai

Quando te conheci
Com os olhos a transbordar paixão
Quando te amei por fim
Achei que nosso amor caberia num outdoor
Mas veio o tempo
E com ele o germe da natural destruição
Morreste para mim
Morri para ti
E hoje aquele enorme amor todo
Morto, morto
Não preenche um verso de haikai.

Juntos pela estrada


Já disse, amiga minha,
O que me encanta é a paisagem
O caminho mais curto
Nem sempre é o mais agradável

Piso assim, em pontiagudos pedregulhos
Unicamente para ver os frutos maduros
As flores campestres que a vida oferece

Sei, amiga minha, que há gentes que caminham
Sem olhar para os lados e que chamam de ar o ar
Sozinhas, sem poetizar com coragem a aragem

Para essas gentes, amiga, o Sol brilha por obrigação
A vida se faz por tediosos dias em muxoxos tolos
Ao dizerem-se contentes dentro das artificialidades

Sigamos pois, amiga minha, dá-me teu braço
Porque andar sozinho por este longo caminho
Nos faz duros como os pedregulhos da caminhada

Vamos, vou te dizer, amiga, das belezas guardadas
Preciso de sua companhia para dividir o que é belo
Porque somente acompanhados, bela se faz a estrada.


domingo, 24 de março de 2013

Mecanismo dos ventos

A brisa é um vento que mente
Pois tem em si os elementos
De todas as tempestades futuras
Tu vieste para mim fraca, arrasada
Sofreste em antiga tormenta
E junto do meu peito encontraste repouso
Mas o vento é o vento
É na calma que ele ganha força
Jamais esquece sua natureza, o que era
E tu, como a cansada brisa,
Hás de ser novamente
Ventania que a tudo deixa por terra.

Da paixão

Tão inexplicável ao chegar
Tão inexplicável ao se retirar
É a paixão, esse delírio d'almas
Vem, se achega, se encosta, pede carinho
Atenção, cafuné, abraços, beijos e muito chamego
Mas tem lá um dia que nada mais pede
E sem razão aparente, sem desejar nem saudade
Abre a porta e vai em alívio e contentamento
Sem se importar com o que cativou. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Falsidades do coração

Suave e sem novidades
Flui a sexta-feira
Com o Sol no início da tarde
Oiço, então, subitamente
Meu próprio coração
Que mesmo na maior incerteza
Parece bater alegremente
-- Por que bates assim
Inutilmente
Acaso não sou mais triste?
Há engano em ti
Que nunca obedeceste a teu dono
Pois bates porque foste feito para isso
Bater, bater, bater
Em doida teima
Falsamente contente em me ver
Sofrer, sofrer, sofrer.
Por que ao bater tu mentes?


Penitência e pecado

Todas as desgraças desta Terra
Juntas e ao mesmo tempo
Não abalam nem por um momento
Os que têm a alma calejada
Pelo sofrimento, pelo entendimento
Da natureza deste mundo
Feito de penitência e pecado.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Outono dos torpes

Quarta-feira de carne e sangue
Guardada nas frias manchetes
Dos diários deste dia de Outono

O menino que sumiu de casa
A moça que fugiu para casar
O rapaz que vive com a mãe doida
A doida moça que tomou veneno
Para esquecer aquele canalha

O Sol fica mais fraco
O homem mais bruto, animal
Tenhas por certo, Fulano de Tal
No homem a única coisa que muda
Por causa dessa outonal luz difusa
É o acréscimo de mais escuros
Em suas desgraçadas torpezas.

O gelo das ruas de Curitiba

Foto publica no Facebook pelo prof. Hélio Puglielli, em 19/03/2013
Noite e dia de gelo
Na rua, gente nutrida
Feliz com a gorda vida
Gente na artificialidade
Dos tecidos quentes

Mas sob a marquise
Havia algo diferente
Um monte de ossos
Cobertos pela pele negra
Sobrepostos no chão
Duro, molhado e frio
Impróprio até para um cão

Havia ali muito gelo
Marcados em zero grau
Em trêmulo termômetro
Havia ali uma vida
Marcada pelo abandono
E trêmulo corpo
Que dormia quase em morte
Sem o agasalho do sonho
Sem o tecido da esperança
Sob o gelo de vis corações.

sábado, 16 de março de 2013

Cantiga do caboclo fujão

De vez em quando esse tirano Sol
Que queima na cangalha dos caboclos
A puxarem enxada na roça
Deixa um deles escapar da lida, dos eitos
Para ser culto, para ser letrado
Para o choro das mães
Para o choro d'alguma caboclinha bonita

O Sol fecha os olhos em permissão
E o peão escapa
Ainda escutando os saudosos latidos
De um cachorro chamado Sabugo,
Ou Graveto, ou outra coisa modesta

Daí o caipira fujão vai a duras penas
Sentar nas severas carteiras da escola
Vai trocar o suor da enxada pelo penar na caneta

A camisa de chita, calças de algodão molesto,
A marmita nunca cheia porém contente
Serão agora, terno, gravata, macia cueca
E um prato
Que a antiga e boa comida vomita.

Mas o Sol cobra viagem
E quando ele se esconde na tardinha
Encoberto pelos prédios e solidões
Vem no caboclo antiga saudade
Que puxa de sua viola os esquecidos versos
De dias que da memória já hão fugidos
Em que a revirada terra era a dura terra
No cio para novas sementes
E o homem era gente
Gente, simplesmente gente em simplicidade.


sexta-feira, 15 de março de 2013

Das coisas guardadas


Maldita memória seletiva
Que só guarda o inusitado
Entre as verdades, a mentira
Da seriedade, o engraçado
Do amor, a despedida
Das santas pessoas, o pecado.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Como meço o tempo

Meu tempo meço em lembranças
O ruim nem penso
E por isso penso ter vivido pouco
Porque é pouco o que deve ser lembrado
O teu suor no meu corpo grudado
A tua voz pedindo um beijo antes do sono
Teu boa-noite tão suave
Quase pedindo para eu ficar acordado
Teu café misturado com planos
Tua imensa fé na vida
Tua alegria em intensidade
Foste o único tempo que realmente tive
Faltaste-me
E levaste contigo os meus dias.

sexta-feira, 1 de março de 2013

O primeiro amor

Saudades
Infinitas saudades
Como esquecer tudo isso...
Há certas injustiças nessa vida
Uma delas é ter o primeiro amor
Quase sempre na aurora do existir
Quando não entendemos nada de nada
Em especial, não entendemos o amor, o primeiro
Nada é igual, nada pode ser semelhante, jamais igual
Àquele tremor nas mãos, à incerteza do que está acontecendo
Ao primeiro e grande beijo, que é o inesquecível de verdade

Há uma Lua cheia e grande que a tudo vê e a tudo convida
Ao abraço em que se sente a carne e pele
Carícias que nos arrepiam na lembrança
Carícias a serem lembradas, eternas...
A injustiça vem depois, bem depois
Pois, pensamos ser isso normal
E muito igual noutros
Amores futuros
Não vai ser
E nunca
Será.

Zanga das horas