terça-feira, 7 de novembro de 2017

O canto do Bem-te-vi

Canta o poeta triste canto, Canta alegre o bem-te-vi! .......................... .......................... Meto a espora no destino, No vento a me carregar. A Fortuna nunca tive, Meu caminho foi o penar. E o desgosto companheiro Nunca quis me deslargar. Nessa passada miúda, Assunto às coisas comigo, Finjo a beleza que não vejo, Para não perder o juízo. Sou poeta estradeiro, Trovo a dor neste castigo. Monto esta Sorte brava, Sina a me escoicear, E meu temor é cair Sem do gosto provar Dessa tal felicidade Que tanto ouvi falar. Não tive o amor de mãe, Nem abraços de meu pai, Criei-me só neste mundo E só a vida me vai. Canto amor que nunca tive O amor que da pena sai. Na enxada e no martelo Tive os meus brinquedos. No orfanato da miséria, Fiquei adulto mais cedo. Na rudeza do abandono, Da morte perdi o medo. Se tantas lágrimas tenho Na tristeza a me matar, Alegria contei com uma Quando comecei a cantar, Ainda pequeno, menino, Nos versos a rabiscar. Na carteira da escola, Muito no livro aprendi: Fazer contas com destreza A descrever o que sofri. As letras que me cegaram Cantam-me como o bem-te-vi. Pensei amar muitas gentes E de algumas me enamorei. Sinto ter amado o incerto, Porque o incerto me tornei. É que amar exige verdade, Verdade que nunca achei. Sim, botei filho no mundo E tive dois pra criar. Estudaram, criaram asas, Vão pela vida a pelejar, Enquanto pelejo eu Na saudade a me matar. Assim termino este pranto Do pouco que ganhei e perdi, A vida me foi desencanto Mas, não importa, eu vivi. Canta o poeta triste canto, Canta alegre o bem-te-vi!