quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Poema do voo torto

Eia! Esta manhã amanhecida retilínea
Com todos os elementos em seu lugar

Lá longe canta o passarinho
Árvores calmas, calmo vento
E eu aqui cultivando pensamentos tortinhos
Desejosos de fugirem desta manhã
Como fez o pássaro que saiu do ninho
Buscando palha macia para seus ovos

Tu dormes, por certo ainda sonhas
E deixo solto nas asas da poesia
O insone pensamento
Num voo torto, esquisitinho
Desengonçado mesmo, a esmo
Procurando enfeites amanhecidos
Para adornar teus olhinhos
Neste duro dia que se anuncia.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A morte do menestrel

Louco, o menestrel subiu num poste
Da rua mais movimentada da cidade
E ao ignorar o perigo, discursava
Ora, a comparar pessoas com formigas
Ora, com bois, boiadas e vacas
Gritava aos sete ventos em urros e berros
E esbugalhava os olhos
E até mesmo ameaçava arrancá-los
Louco, passava do choro ao riso
E depois cantava suave até retomar os gritos
O menestrel dizia-se cansado
E afirmava que as notas de sua lira
Que a música de sua viola
Eram violências contidas
De seu último poema de revolta
Ao longe ouvia-se a ambulância
E ao redor do poste a multidão
Que se formava esperando o trágico
E num último gesto de insanidade
O poeta agarrou-se aos fios de eletricidade
Para depois alcançar o chão em
v
e
l
o
c
i
d
a
d
e
O surdo som da queda
Foi seu derradeiro protesto
Morria para o mundo
Num ato teatral
Para uma plateia desconhecida
Indigna de seus versos.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A chuva que não veio

Que fazer agora que estou atrasado
Pela falsa chuva anunciada
No vento desta tarde espreguiçada?
Vontade de emendar a sexta-feira
Num interminável feriado
Desses que, embora muito sonhado,
Nunca acontecem nem mesmo aos poetas
Que sempre se rendem ao trabalho
E a esse saudável costume
De pagar as dívidas, inclusive as etílicas.



quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Playboy ecológico

Filho de nobre e opulenta família
Que se limpava com notas de cem paus,
Quis o playboy preencher seu ócio,
Vácuo, que chamava vazio existencial.

Foi então que entrou para orgânico partido,
Para o Greenpeace, ongs et cetera e tal.
Iria defender as pobres plantinhas,
Seria um soldado do universo animal.

Um dia descobriu um pé de capim
Que cuidou de forma genial,
Com adubo orgânico, merda pura,
Uma boa e fina destilada bosta,
Cem por cento isenta de sal.

Mas, eis que num belo dia de Sol,
O rapaz de vazio preenchido
Encontrou o seu capinzal
Todo coberto de lagartos fedidos.

Ele ficou numa dúvida tremenda:
Deixaria os bichinhos comer o capim,
Ou daria fim aos invasores chatos?

Ruminou muito tempo assim pensando
No dilema que se lhe oferecia:
Não poderia matar os bichinhos
Mas também não podia
Deixar de lado o lindo matinho.

E por fim, pensando o mundo,
O soldado da natureza se descuidou...
E veio uma vaca magra e faminta
Que ao enxergar tão lindo pasto
Rápido e rapidinho não vacilou,
Comeu tudo e bem comido,
Inclusive os suculentos lagartos
Misturados ao estrume fresquinho
Arrancado de uma criação de patos.

O playboy chorou, chegou a se desesperar
Mas, depois, pensou um pouco
E achou que devia a vaca adotar.

Foi buscar para o bicho comida natural.
Mas, quando voltou ao mesmo local,
Viu crianças pobres e famélicas
Num churrasco improvisado,
A descarnar o magro animal.

O jovem soldado da natureza
Revoltado com a audácia da pobreza,
Foi à polícia denunciar a safadeza:

"Seu delegado, amigão do meu papai,
Escreva e bem escrito o que aqui vai:
Quero denunciar um crime hediondo,
Um crime violento e ambiental.
Uns pobres meninos, uns mortos de fome,
Comeram minha vaquinha,
Que se alimentara do lagarto,
Que se alimentara do capim,
Que se alimentara da bosta,
Cem por cento isenta de sal;
Quero deixar registrado,
Isso é crime inafiançável,
Prenda-os e os quebre de pau!"
Criança, minha criança,
Dulcíssima é a infância:
Por isso, tenha medo não
Do velho bicho papão
Que nunca existiu.

Tenha medo não, criança,
Dulcíssima e única é a infância:
Se o terremoto embalar seu berço,
Por favor, na igreja reze o terço.
No Brasil não tem terremoto não.

Aqui, neste Brasil violento,
O que nos abala
É bala perdida
E o que nos mata
É a corrupção.

Fantasmas não existem mais, criança,
Pelo menos nos cemitérios.
Hoje, o bom fantasma tem crachá,
Consta da folha de pagamento
E rouba em tal descaramento,
Que chega a pensar que é favor
Ter uma cadeira vazia
Para seu invisível bundão
Em tudo quanto é repartição.

Fascista anunciado

Em pleno século XXI,
Um babaca candidato
Quer calar jornalista
E fazer de gato e sapato
A inteligência do povo.
Raposa com pele de gato,
Ele engana a todo custo
Ao vender pinto por pato.
Fala mansa e cara de cuia,
Com discurso decorado,
Tem a cara de bom moço,
Mas é fascista anunciado,
Pois amordaça a imprensa
Na lábia dos advogados
E chama de laranjas podres
Nosso nobre professorado.
O candidato de quem falo
É um playboy mimado,
Vive sustentado pela mulher,
Clone de jacu com veado.
Brinca de político-ditador
E não passa de um cagado.
Mas o povo vai dar ao asno
O destino de todo safado:
Cadeia para os que roubam
Nosso dinheirinho suado,
Cinto e lambada na bunda
Desse canastrão abobado.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Dissecação

Nojo
Ao ver as entranhas da política
Ódio
Ao examinar suas putrefações
Ira
Ao ver suas misérias reveladas
Medo
Desse cadáver de mentiras
Nojo
Ódio
Ira
Medo
Dos inconsequentes que a fazem.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Alfaiate de retalhos


Para Irisbel Correia
Trago o coração em retalhos
E grande vontade de juntá-los
Num enorme manto
Costurado com pontos curtos
Com fortes fios sintéticos
Com as duras linhas do tempo

Para tal, preciso dos alfinetes
Espetados no rasgado peito
Juntando pano com pano
Couro novo com a nova pele

Preciso da velha agulha
De alfaiate
Nalgum canto de mim
Esquecida

Vou juntar a esse pano a se tecer
Às antigas costuras de mau começo
E abandonadas
Por preguiça e desânimo
Incompreensão e orgulho

Terei assim colcha reformada
Cosida com as cicatrizes
De tantos amores
Que me ocupam a memória
Senil e falha.

Porém, será uma colcha triste
Pois não terá o colorido aleatório
Dos sentimentos todos
Vivos, inteiros e meninos

Será apenas a última mortalha
Que em derradeiro ato de desespero
Em louca e confusa costura
Tenta reviver o vivo das estampas várias
Que em retalhos desbotaram comigo.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Aos jovens

Vivam e vivam o máximo possível
Pois haverá tempo na vida
Que viver será ato pesado
No enterrar dos velhos amigos
Até que nos enterrem no passado.

Verônica

Para Verônica Inês Seelaender 
Saudades dos mares e oceanos
Verdes como os olhos de Verônica
Salvadores como o manto de Verônica
Aqui, em terras frias e distantes
Hei de contentar-me com isso
Saudades apenas desses verdes vivos
Em algum relicário no peito guardado.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Os versos que minh'alma há cantado

Certo como em radiante dia
O Sol se põe no horizonte
Em algum momento, cansado
Devo me despedir e apagar-me
Porém levarei comigo
Certo gosto da eternidade
Pois os deuses me deram por sina
Talvez duro castigo
A lavra de poemas, a poesia
E assim, em velhos livros empoeirados
Alguma alma vivente
Depois de séculos passados
Há de encontrar inutilmente
Registrados
Os versos que minh'alma
Há cantado
Lá certamente estarei vivo
E aqui, morto e enterrado.

Marcha do granito


Ah! Corações de pedra
Ah! Calçada de granito
Curitiba não é cega
É do povo, é da gente
E não só dos ricos.

A rua dos piás de prédio
Feita com liso granito
Quem teve essa ideia
Própria de um jerico?


Ah! Corações de pedra
Ah! Calçada de granito
Curitiba não é cega
É do povo, é da gente
E não só dos ricos.


Avenida do Batel
Feita de fino granito
Faz minha alegria profunda
Ao ver os bacanas aflitos
Em ti quebrando a bunda

Ah! Corações de pedra
Ah! Calçada de granito
Curitiba não é cega
É do povo, é da gente
E não só dos ricos.

Conselhos poéticos aos médicos

A poesia é o motor do pensamento
Que nos fala na linguagem dos sonhos
E traz em si a frequência de corações
Que batem descompassados, vivos

(Médicos, cuidado, não queiram constância
No bater dos corações dos poetas!
Os comuns eletrocardiogramas
Não nos servem!)

O cardiógrafo dos poetas é o verso
É nele que se registram as síncopes
E nossos ataques cardíacos diários

(Médicos, cuidado, não nos tratem
Não nos curem da doença do verso
Poeta só se faz vivo
Com o coração ao infinito acelerado!)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Visitas para dias tristes

Melancólico dia
Cinza, cinza e frio
Feito para visitas
De amores antigos
Antigas vontades
Sonhos esquecidos
E infinitas saudades.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A mulher que limpava o mundo

Rosália sempre sorria
Miseravelmente pobre
Escancarava a gengiva
Porque não tinha dentes
E Rosália gargalhava
Juntava restos na feira
Bugigangas nas ruas
E feliz sumia ao anoitecer

Um dia Rosália desapareceu
Sem recado e de verdade
De repente, na rua vazia
Na feira cheia de entulhos
A miséria ficou feia
Todos então notaram
Que Rosália fazia falta
A mulher que sorria
Enquanto fazia faxina
E limpava o mundo.
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Ilustração: Estudo da Mendiga - Almeida Júnior (1899)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sentenças & Constatações

I
Não leia certos filósofos e poetas aos 18 anos de idade. É capaz de você virar gente, e isso é muito perigoso neste mundo cheio de primatas que ainda não desenvolveram minimamente o cérebro.

II
Deus meu, como os governantes são sensíveis a críticas! Se fossem modestos, humildes mesmo, não errariam tanto. Sinto dizer, meus caros, o rei está nu!

III
Em todas as línguas o verbo "ser" é irregular. É que os antigos sabiam aquilo que tentamos ignorar, a vida para ser bem vivida não admite regras.

IV
Todo mundo deveria aprender a atirar. Assim, se ficaria sabendo o estrago que pode fazer uma arma de fogo e que não é uma boa ideia tê-la em casa, principalmente com crianças.

V
Respeite quem fala "nós fumu". Essa pessoa só está recuperando a antiga conjugação do verbo ser (sum) em latim. Na segunda pessoa do plural do pretérito perfeito, os romanos diziam "fuimus".

VI
A caridade é uma virtude quando só o caridoso e quem a recebe têm consciência dela. E a caridade revelada é o marketing da vaidade, o pior dos pecados.

VII
Digo para a infeliz que ela tem a beleza de Helena e a maldita me pergunta em que novela Helena de Troia trabalhou. Não dá para ser poeta nesse mundo povoado por tatus.

VIII
Jornalista, advogado e a vaidade no meio, assim começa o inferno.

IX
Os burocratas deveriam ser proibidos de inventar palavras novas em nossa língua: "desaposentadoria" e "desaposentação" são o fiofó do tatu fuleco escancarado como gaita de gaúcho!

X
Há uma teoria da conspiração que aponta o câncer em líderes da América do Sul como sendo obra da CIA ou coisa que a valha. Pode ser, mas é fato que a morte sempre conspira contra quem vive, líderes ou não, essa é a verdadeira conspiração.

XI
Acidente quando se repete todo mês, todo ano, já não é mais acidente, é descaso, é omissão, é a certeza da incompetência de nossos governantes.

XII
O cara que deu o título de "cidade sorriso" para Curitiba era um tremendo gozador!

XIII
Toda vez que ouço uma nutricionista falando, penso que o homem está neste mundo para passar fome.

XIV
Existem pessoas que adoram estragar festas e para sempre. Principalmente aquelas que se encantaram em antigo Ano Novo - Encantamento, novo significado para o que desaparece e não mais é, de acordo com Guimarães Rosa; de acordo com as duras leis da vida.

XV
Não há lugar melhor para o ridículo se manifestar do que as festas e bailes de final de ano das empresas. Sempre vai ter um grande zero a esquerda homenageado, um puxa-saco para ocupar o microfone, música horrorosa e falsos tapinhas nas costas de grandes canalhas. Sem contar o estagiário que toma um porre e imediatamente começa a pensar que é o diretor-geral dando em cima até da estátua do pátio da empresa.

XVI
O deslumbramento com o cargo, a vaidade expressa no marketing fajuto e a capacidade de se inebriar com falsos elogios dos puxa-sacos, são os elementos que determinam o início de um mau governo e seu fim prematuro.

XVII
Todo vegetariano chato deveria mandar o dentista extrair-lhe os caninos. Sem anestesia. Assim poderiam negar nossa natureza com mais eficácia. A carne, meus amigos, é o capim transformado de acordo com as leis do bom Antoine Lavoisier.

XVIII
Quando esse povo vai aprender que Junior não é nome e sim adjetivo que indica nome igual ao do progenitor e que Neto também não é nome, é a qualidade de quem tem o nome do avô?

XIX
Ó preguiça, tu que nesta manhã sonolenta de sábado me visitas, vai até a geladeira e traz-me uma cerveja e uma boa porção de azeitonas e linguiça.

XX
Tanta imperfeição no mundo, meu Deus! Já mandamos naves espaciais à Marte mas ainda não conseguimos fazer as roupas irem sozinhas para a máquina de lavar. Humanidade atrasada!

XXI
Proibir, regular, regrar, entre outros do mesmo naipe, são verbos que têm em si a censura. A liberdade de pensar é para o homem seu patrimônio inalienável. O bom combate no campo das ideias não é estabelecido no proibir de se pensar assim ou assado. O bom combate está no debate até mesmo de ideias equivocadas. Ao se raciocinar sobre o equívoco é que se estabelece a verdade. Censurar é proibir que a verdade aflore.

XXII
O médico me diz: "sua miopia continua progredindo". Olho para ele sem ver e respondo: "obrigado doutor, fico feliz ao saber que algo em mim alcança progresso!"

XXIII
Boa parte dos alunos não entende Física, Química e Matemática, porque não sabe ler e interpretar os enunciados. Ou seja, antes de tentar ensinar números, ensine as letras.

XXIV
Essa divisão maniqueísta entre o bem e o mal é confundida pelos grouchos-marxistas com dialética e daí nasce essa massa de manobra que se diz "esclarecida" por defender grandes pulhas.

Santa Casa de Misericórdia

Havia uma casa de misericórdia
E era chamada de santa
Ali chegavam de terras distantes
Os desvalidos
Os enfermados
Os irremediados
Com suas úlceras expostas

E as enfermeiras em seus uniformes
Divinamente brancos
Se ajoelhavam diante das feridas
E nelas passavam mágica pomada
Vinda da Alemanha em grandes latas
Pomada amarela, densa
Para alívio da dor da vida
E depois, com esparadrapo
As envolviam numa firme gaze
Junto com seus corações

Eu contava poucos anos nesse tempo
Mas aprendi que algumas palavras
E expressões podem existir de fato
Nesse nosso grande teatro
De dissimulações hipócritas

Misericórdia
Compaixão
Amor

O amor desinteressado e que santifica.

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Foto: Santa Casa de maringá, década de 1950. Acervo do hospital.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Versos fast food

Neste ano vou escrever versos
Ao gosto dos críticos afetados
E dos alienados acadêmicos

Meus versos não terão a voz do povo
O sofrimento do povo
Aliás, povo algum

Meus versos não devem mais
Conter história
Sentido, ou mensagem

Meus versos virão dominados
Pela metafísica dos intelectuais
Palavras soltas
Sí la bas  sol tas
E coração acorrentado

Amor no meu verso
Nunca mais espere

Aqui de hoje em diante
Somente a cloaca da Coca-Cola
Os esgotos da civilização
E versos fast food
Para consumo rápido
E descarte em diarreia
Nos sanitários públicos.