quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Caneta-tinteiro

Em tempos difíceis
Em que as Ninfas
Se faziam ausentes
Em que as Musas
Teimavam em vagar
Pelo Olimpo
Ou galinhar
Para longe da poesia
Os poetas tinham também
Uma boa desculpa
Para vagabundear
E nada produzir
Além da própria preguiça:
"Chiii! Acabou-se a tinta!"
...
"Chiii! Não imprime!"

Sonoridades mudas

O que dizem os acordes do violão distante
A não ser a solidão plena em Ré menor?

Grande é a distância entre o som vibrado
E aquele que nunca sairá da garganta
Venha senhora dos pensamentos meus
E diga-me o que vai em sua alma

Mostre-me tudo o que você não vai me falar
Nesta noite de abismos ao invés
Nas estrelas medidos e perdidos
Em mil sons, notas longas, decibéis

Conte-me o que você jamais ousaria
Faça um gesto com sua voz muda e conte-me
Do luar que desapareceu, das terras
Outras eras, outros mundos seus e só seus

Caminhe por todo o meu corpo
E aqueça este peito frio que lhe chama
Arda-me em seus s, no seu seio
E afague todas estas lembranças, chamas

Quero um poema mudo, um violão calado
Um segredo guardado e uma nota nua
Quero ouvir o que você fala e eu não escuto
Quero um sussurro em seu suspiro guardado

Sonhos sôfregos sofridos sorrateiramente soltos
Busquem os segredos desta mulher que me assombra.

Mandinga, nega



Vim pra te ver sambar,
Nega vim pra te ver,
Quero te ver rodar,
Nega quero te ver

Mexendo, remexendo,
Meu coração pisando...
Não vês que estou sofrendo,
Pois estou te amando?

Tu tens o samba no pé,
Tenho-te no coração.
Aprendi a sambar até,
Não me jogues fora não!

Fiz mandinga ao luar
Pra sambar contigo.
Fui no bruxo rezar
Pra sambar contigo.

Dá tua mão e vem pra cá,
Quero te ver sambar,
Roda a saia mulata...
No samba vou te amar.

Interior

Mudo
Falo
A mim
Mesmo
Sobre
Rosas,
Flores...
De ti
Muda,
Triste,
Nada
Falo.
Mudo,
Amor
Calo.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Do tempo (Negativa II)



Não. Não quero falar da eternidade
É preciso muito tempo para falar da eternidade
E o tempo me é caro.

Penso tantas coisas
E estas coisas, por certo,
Um dia pensaram-me.

Lá fora o instante, o momento,
Derrete-se nas escuras paredes
Dos prédios e escorre pelas ruas.

Lá fora é cinza,
Cá dentro sou cinza.

Sendo assim,
Meu peito se faz tábua estreita,
Tal e qual a do velho e bom Graciliano.

Por isso,
Escrevo barbaridades
E sonho tonalidades escuras.

Para manter esta tábua estreita,
Em que escrevo, já disse e fiz doidices.

Não quero discutir o eterno
E nem vou fazer o que devo fazer.
"Pela tábua estreita?", pergunta-me.
Sim, porque o tempo me é estreito.

Outono

O Outono é puro mistério...
...É uma mulher linda, linda
De olhos tristes
E irremediavelmente linda
Que salta do décimo andar
Morre e ninguém
Sabe o motivo do gesto.

O Outono é um mistério.

Que nos contorce a alma
Que nos deixa em feridas

Mas por ser mistério
Nos dá em alguns dias
Umas parcas bandagens
Que remendam, porém
Nada curam, nada saram.

O outono é um mistério.

Que nos deixa taciturnos
Que nos faz moribundos

Mas por ser mistério,
Não chega definitivamente
A matar, a trucidar
Limita-se a torturar
Como aborrecidas
Cócegas na sola do pé.

Inverno

Não.
Não me acuse de ser frio
Não posso ser frio
Frio é seu olhar
Frios são gestos calculados
Amor de hora marcada
Com ofício
Protocolo
E carimbo de recebimento

Junto meu corpo ao seu
Sinto um calor bom
Lá fora tudo é gélido

Levanto, vou à janela
Sopro no vidro
E escrevo um poema
À mais fria das mulheres
De corpo quente e lábios ardentes

Você dorme
Apago o poema
Esqueço a fúria
E procuro seu colo.

Primavera

É madrugada
E a poesia não dorme
Os corações não dormem
E a solidão é insone

É noite fria
E as estrelas
Lançam seus raios-estalactites
Na direção de minh'alma
(mais fria que o frio curitibano)

É Primavera
Os vasos avisam
As flores nascem
Gerânios, gardênias
Jasmins...
Os vasos transbordam
E meu coração congela-se.

As flores nascem
E eu em cada pétala
Penso um poema.

Chope preto
Noite clara
Conversas... risos...

E eu rabiscando
De olhos fechados
Teu rosto
O teu retrato
Num guardanapo de papel.

Verão

Chove. Trovejou a noite toda.
É manhã. O céu é sem graça
E os olhos da desgraça
Avizinham-se, rondam-me.

É Fevereiro
Anúncio de Março,
Vermelho inferno
No céu feito de mormaço.

Canto e Vozes. Ouço um canto,
Soprado da igreja ao lado.
É um desses cantos antigos,
longos, medievais,
Anuncia: "O Paraíso é infinito
E os homens são mortais".

Caio em mim,
Ou antes, tropeço
E um anjo Serafim
Sopra-me aos ouvidos:

"Dezenove dias de Fevereiro,
Cinqüenta após Janeiro,
Sem respostas, sem cartas,
Ou um sinal de fumaça, talvez",

Choveu e nos meus olhos
Nem parece que tanta água desceu.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Oceano


O mar agita
Veleiros e
Meu coração
Cogita
Do querer e
Do sentir
E as partes de mim
São vagas e
Dispersas
Nas ondas deste mar
Transfiguram-se
Ondeiam, somem-se
Num Universo
Paradoxal
Aproveito-me e
Traduzo a ele
O que vai em mim
Responde-me o mar
Com o ignoto
O trascendental
Finjo entender e
Fujo depois
Num vôo cego
Precipitando-me
Por entre as estrelas e
Brincando
Afundo-me
De quando em quando
Nas profundezas
Do vazio oceano
Adimensional
Depois passeio livre... Livre...
Sou pássaro galático
Espectro imerso
Nas águas do vácuo
Do cuspe
D'algum deus desconhecido.

Casamento de Bento



Compadre bate a zabumba,
Toma tento xexelento,
‘Tamo na casa de Bento,
Pra tocar forró e zabumbar,
Deixa a morena de lado,
Não é hora de namorar.
Zabumbeiro vamos tocar,
Bento é cabra nervoso,
Tem parte com o tinhoso,
Tu não vai querer apanhar.

Sanfoneiro puxe o fole,
Casamento pé-de-serra
É coisa de perder a goela.
Comadre de perna mole
Só se tu puxar o fole
E o zabumbeiro zabumbar.
Começa o empurra-empurra,
Hoje ‘tá casando Bento,
Cabra muito violento,
Vixe, não quero apanhar!
Deixa a morena de lado,
Não é hora de namorar.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Resistentes

Resista
É dado ao homem resistir

Resistir ao dia
Sobreviver à noite

Por isso resista

É belo resistir

Faça-se resistência
E seja resistência
Das mais puras

Resistência só e para si
Não serve: é egoísmo
Resista em nome
De seu semelhante
Em favor da Justiça
Em favor da vida
Mesmo que isto
Possa lhe trazer a morte


De resto, a vida sem resistência
É o mais puro morrer
É derreter-se num cemitério
É apodrecer-se sem saber.

Mas foi assim


Lembrei-me outro dia

É... Foi exatamente noutro dia



Que de tão distante nem

Mais ousava lembrar



Mas foi assim: seu corpo

Nu estendido na cama



E um lençol branco, finíssimo,

Desenhando todos os seus contornos



Mas foi assim: uma luz mortiça

Dava-lhe o aspecto de estátua grega



E um calor dos infernos

Colando o lençol em seu corpo



Você levantou-se, sorriu,

Enrolou-se no lençol e foi ao banho



Mas foi assim: uma tarde de Verão

Em que seu corpo era estátua de mármore.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Em nada

Às vezes fico com os olhos perdidos
Perdidos por aí
Você fala, fala, fala...
Da roupa, da festa, do dia
E eu nada escuto

"No que você está pensando?"

Olho para você e nada digo
A avó doente
O irmão imprestável
O limão e a cachaça
A vida e a morte
Um cachorro
Ou um filho

"No que você está pensando?"

Olho para você e nada digo
E rio no meu rio interior
Que vai da fonte
E corre além
Além de mim, além

E respondo:

"Nada. meu bem, em nada"

E no outro dia
Um poema sonhado
Surrado e pensado
Clava-se num papel amarelo

"Nada, meu bem, em nada".

Soluços menores

Os Caprichos de Paganini
Correm pelas cordas
Do violino do homem tísico

O arco desce e sobre
No violino surrado

Um Ré dissonante

Ele pára, arruma a casaca
E começa do Capricho primeiro

O homem é um espectro
E um agudo infinito
Canta-lhe todas as dores

Donde vem este homem
Que mora num quarto de pensão?

Em tons graves
Agora o violino chora
O homem é apenas um braço
Um arco sobre si mesmo
Um capricho arcado
Sem destino
Sem endereço

Lá fora, a Lua não aparece
E o tísico, tosse, cospe
E repete o exercício
Eterno: Lá, Lá, Ré...

Os pensionistas estão irritados
Todos querem dormir
E o tísico continua
Mais um Capricho...

Duas da manhã
O tísico parou
A Lua apareceu
E uma tosse terrível
Toma a pensão
Tosse, tosse, tosse...

O dia é claro
O tísico silenciou de vez
Nada se expressa em som

Abro a janela
E o rabecão
Está encostado na porta
Sei o que aconteceu:
O tísico executou
Seu último Capricho
E eu, tísico d'alma,
Dormi e, desgraçadamente,
Sonhei todos os meus caprichos
Em soluços menores.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Espanto e susto


Um dia para nada fazer...
Olhar para dentro de si
E morrer de espanto e susto.

Um dia para nada fazer...
Ficar calado e escutar
O eco do que não foi dito.

Um dia para nada fazer...
Deixar o sangue estancado
Para não mais de amor sangrar.

Um dia para nada fazer...
Correr mundo sem sair do lugar,
Ir adiante num instante,
Misturar-se ao passado
E morrer de espanto e susto.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Amuleto


Tens em teus olhos a bondade das ninfas
E n’alma a maldade dos demônios,
Assim, vives a enganar quem a ti se chega,
Mergulha na luxúria e deslumbramento.

Mas, saiba que ganhei dos deuses um amuleto
Que me protege deste teu desejo
Forjado no fundo da Terra,
Arma afiada que desferes a sangrar espíritos,

E que a meu peito não arranha e fere.
Vai... Vai e busque quem possas ferir,
Deixa-me aqui neste bosque encantado,

À margem do lago a esperar Caronte.
Vai... Já escuto Sibila a me dar destino
E nele, por fortuna, tu não estás.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Do jeito que o diabo gosta


Você está do jeito
Que o diabo quer e gosta!
Arrepio em minhas costas,
Quando sinto no peito
Todo o carinho feito
Pelo amor que a gente tem.
Feito na rede ou no chão,
O amor é o amor que se tem.
Vem, me deixe no jeito,
Sem você eu sou ninguém,
Ando que nem sujeito
Que tá co’a alma no além.
Você está no jeito
E lhe quero muito bem.
Amar é meu defeito
Mas só se ama o que se tem.
Vem meu amor pro meu peito
Vem, vai, vem, vai, vem, vai, vem...
Quero-lhe a noite toda
Nua, molhada e doida,
Me dá um beijo meu bem.


Este é um Gabinete Repetido, muito antigo em nossa língua, também conhecido por Martelo Agalopado ou Galope Gabinete, que tem por base uma sextilha de setissílabos, na disposição ABBAAC, seguida de versos de metro variado; o último verso da sextilha (C) tem a rima em "em", repetida a seguir alternadamente. Os cantadores nordestinos costumam terminar os dois últimos versos em "Quem não canta gabinete / Não é cantor pra ninguém".

Mulher Rendeira (*)



Olê, sinhá bonita,
Olê, gente de casa,
Nada voa sem ter asa,
Só o amor é que isso faz,
Co’ele voa mocinha e rapaz,
Voa comadre e compadre,
Co’a benção ou não do padre,
Pra mode de namorá.

Olê, mulher rendeira,
Olê, mulher rendá,
Me ensina a fazer renda
Que eu te ensino a namorá,
Chorou por mim não fica,
Soluçou vai no borná.

(*) Estrofe composta de uma oitava de sete sílabas, de rimas emparelhadas e alternadas, acompanhada de seis versos da canção popular Mulher Rendeira, cantada em estribilho, perfazendo um total de quatorze versos. O gênero foi criado pelo cantador Cesanildo Lima, cearense, de Canindé.

Canção de nossas vidas

É impossível esquecer o passado,
Fazer de conta que nada nos valeu,
Que nossas vidas são tristes legados,
Que o encontro de hoje jamais será adeus.

Queria voltar no tempo para buscá-la,
Em longos abraços, nos seus loucos beijos,
Ficar assim e nunca mais deixá-la,
Mas o tempo não escuta os meus desejos.

É impossível esquecer o passado,
Fazer de conta que nada nos valeu,
Que nossas vidas são tristes legados,
Que o encontro de hoje jamais será adeus.

Queria voltar no tempo para buscá-la,
Em longos abraços, nos seus loucos beijos,
Ficar assim e nunca mais deixá-la,
Mas o tempo não escuta os meus desejos.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Sem juízo

Madrugada de Segunda-feira,
No céu, uma única estrela.
Nuvens baixas. Um avião passa.
No alto, no morro,
A casinha ainda de luz acesa
E ao lado, um grande pinheiro
Testemunha a Segunda-feira,
A casinha, o avião e a estrela.
Mora lá, na casa, uma menina,
Moça já e que perdeu o juízo.
Ela passou há pouco por mim
A andar como bêbada,
Com o braço retorcido,
E o doce sorriso dos dementes.
Ria com doçura,
Ria para a estrela
Ao senti-la tão só.
Ria para as nuvens
Porque pareciam patéticas naquela noite
– Ora bolas, nuvens que não chovem
Não têm juízo e propósito! –.
Ria para o avião de barriga cheia,
Cheia de gente sem asas e que voa.
De repente a moça notou que a reparava
E parou de rir,
Talvez soubesse que ali estava
Alguém que perdeu o sentido do riso
E que para recuperá-lo
Precisaria também perder o juízo.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Distante

Há tanta distância entre nós...

Não. Não são os espaços,
Os mares, os caminhos...
Digo do tempo que nos distancia,
Do tempo que nos esqueceu.

Nada sobrou de nossos risos,
Nada além de um eco
Numa manhã de Domingo,
Tão longe no tempo,
Que o próprio tempo,
Que gosta de cores desbotadas,
Não ousa misturar a luz e o brilho
Daquilo que nos fez em felicidade...

Daquelas manhãs em que suas mãos
Finas, brancas e em concha,
Dormiam e pediam o sono dos anjos...

(Lamentava-me nessas horas ao ver
Suas pálpebras fechadas,
Cercadas por negros cílios,
Negando-me o azul roubado aos céus.)

Foram-se esses dias,
Foram-se os risos...
E hoje, meus olhos
Fixam-se num ponto constante
E, em miragem,
Dão-me seus olhos
Que o tempo traz de tão distante.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Desalento


Às vezes oiço rir, é’ma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n’alma o fogo que m’abrasa!

Tenho sede d’amar a humanidade…
Eu ando embriagada… entontecida…
O roxo de maus lábios é saudade
Duns beijos que me deram n’outra vida!

Ei não gosto do Sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
Que só saber chorar, de ser assim…

Gosto da noite, imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!

- Florbela Espanca

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Dá-me a mão

Ao Tasso de Silveira.

Dá-me a mão e dançaremos,
dá-me a mão e me amarás,
Como uma só flor seremos,
Como uma flor, e nada mais...

O mesmo verso cantaremos,
o mesmo passo dançarás.
Como o trigo ondularemos,
como o trigo, e nada mais.

Te chamas Rosa e eu Esperança
mas teu nome esquecerás,
porque seremos uma dança
na colina, e nada mais.

- Gabriela Mistral
(Tradução José Fernando Nandé).

As migalhas

Senhor, vos agradeço
Eu, aqui, fazendo versos
E 1 bilhão de meus semelhantes na fome.
A mesma fome que mata no mundo
Uma criança a cada 5 segundos.

Vos agradeço, Senhor,
A Vossa piedade
Para comigo
E Pelas migalhas
Mergulhadas no vinho misto de sangue
Que me sobraram
De Vossa última ceia.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Horóscopo

Antigos orbes que no céu morto gravitam,
Tolas esferas que nos dão triste destino
Que a terrível solidão dos sóis orbitam,
Que, como eu, da imensidão amam os abismos,


Quais são as forças que me têm e determinam?
De qual zodíaco veio-me signos tão cretinos
Que me dão ordens e ao inferno me atiram
Em pesadelo, infortúnio e desatinos?


Serão os deuses autofágicos e bárbaros
Que me habitam e me dão da flor a dor
De tê-la por lapsos de tempo tão avaros?


Serão os gritos dos que sofrem o pavor
De viver sem saber de si o significado
E que, na morte, o escuro é a única cor?

Livro fechado

Um livro fechado
É um beijo querido
E jamais recebido.
É um beijo prometido
E nunca dado.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Para lembrar: Gabriela Mistral



Decálogo do artista
I. Amarás a beleza, que é sombra de Deus sobre o Universo.
II. Não há arte atéia. Ainda que não ames o Criador, o afirmarás criando a sua semelhança.
III. Não darás a beleza como falsa isca para os sentidos e sim como o natural alimento d’alma.
IV. Não serás pretexto para a luxúria nem para a vaidade e sim para o exercício divino.
V. Não buscarás no mercado nem levarás tua obra a ele, porque a beleza é virgem e o que está no mercado não é ela.
VI. Sairá de teu coração o teu canto e ele te fará purificado. VII. Tua beleza se chamará também misericórdia e consolará o coração dos homens.
VIII. Darás tua obra como se dá um filho: tirando sangue de teu coração.
IX. Não te será a beleza o ópio que entorpece e sim o vinho generoso que te levará para a ação, pois se deixas de ser homem ou mulher, deixarás de ser artista.
X. De toda criação sairás com vergonha, porque foi inferior ao teu sonho, e inferior a este sonho maravilhoso de Deus, que é a Natureza.

- Gabriela Mistral
(Tradução José Fernando Nandé).

Tolice

Estava tão perto de ti
E sentia a ventania
Sem saber que estaria
Tão perto de quem perdi.
E o vento nada me disse
Teus olhos nada me contaram
Tuas mãos de mim se afastaram.
Amar a ti, tola tolice.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cantoria de Santa Isabela (Com invocação falada)



Oh! Santo Deus das alturas,
Minha reza quero mostrar
E ao Senhor desejo louvar.
Cantai aos céus a criatura,
Pecador e penitente:
Que a memória não me falte,
Salve-me Deus nas alturas!

Agora que estou bento,
Com meu Deus reconciliado,
Deixo a conversa de lado
E sem arrependimento
Devo ir trovando agora
O mal deste mundo afora,
Amargura e sofrimento.

Era moça donzela e bela,
Nascida em berço dourado,
Mas quis o cão amaldiçoado
Desgraçar com Isabela,
O anjo na terra sem asa
Que dorme hoje na capela.

Aconteceu no alvoroço,
Na época do imperador,
Em que negro tinha feitor.
Era num domingo, seu moço,
E apareceu lá no lago,
Da Fazenda dos Forcados,
Um pau-mandado e jagunço.

Isabela ali se banhava,
Pura, não tinha maldade.
Ela não sabia da verdade
Que o destino guardava:
Da moita pulou o jagunço,
Apertou-a pelo pescoço
Até que, morta, não gritava.

Depois de vê-la ali caída,
O jagunço se apavorou.
Dizem até que se enforcou,
Pois do remorso não há saída.
E hoje o povo vai à capela
E reza à Santa Isabela,
A virgem que perdeu a vida.

Oh! Santo Deus das alturas,
Oh! Meu Cristo, Senhor e Rei,
Minha história já contei;
Cantai aos céus a criatura,
Pecador e penitente:
Que a memória não me falte,
Salve-me Deus nas alturas!

Galope à beira-mar

O verso feito no galope das ondas
Tem o teu cheiro, tem sabor de teus beijos,
Vontade, amor, desespero e desejo.
Queria mais do que queria ficar amando
A tua imagem no espelho da lua vagando
Suave como vela soprada devagar
No fraco balanço da onda a chorar
A tua despedida, teu choro e teu adeus.
Mas, que sonho posso ter nos poemas meus
Se longe estás do galope à beira-mar?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Saudade

Por mais que se tente ter no coração
A negação do lusitano sentimento,
Daquilo que vai no peito guardado,
De modo que a vida pareça ilusão,
Ou uma coleção de tolos momentos,
Não há como se livrar do vento,
Que tira o pó da memória
E expõe da dor o atrevimento.
Por isso, canto e digo por todo canto.
Que não há caminho no peito,
Que não dê em triste lembrança,
Tão triste e de tristeza feita,
Que lhe damos outro nome,
A juntar silêncio e ausência:
Apenas Saudade, Saudade apenas.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Martelo paranaense

Este é um assunto para se falar,
Confessar pro padre e pedir conselho,
Por que na terra dos pinheiros
Não se canta cantiga de aboiar?
Não se canta cantiga pra igualar
Co’as cantigas do vaqueiro cearense,
Co’as cantigas do gaúcho riograndense?
Se já existe o martelo alagoano,
Por que não malhar poesia martelando
Pra ter o martelo paranaense?