sábado, 24 de abril de 2010

Amor galático

Em noites de Lua,
Tinha por hábito
Orbitar galáxias.

Circundava estrelas,
Bebia da láctea via
E ficava bêbado.

Tinha este estranho hábito
De fugir da gravidade
E ocupar vácuos profundos.

Seu mal foi encontrar a Anã Branca.
Paixão doida, provocada por neutrinos.
Logo ele, que nunca descia das alturas!

Mas, amor é amor. Cacete,
Branca estava iluminada
Por raios gama!

Tinha agora um buraco negro no coração.
Calculava: luzes não percorrem linha reta;
O amor universal segue linha torta.

Talvez, ao vencer 10 mil anos-luz,
Consiga coragem para pedi-la
Em casamento. Tímido, tímido.

Caminhava pela Via Láctea,
Sonhava buracos de minhoca
E se enforcava na teoria das cordas.

domingo, 18 de abril de 2010

O homem metade

Morria de lembrança.
Pensava, matutava
E morria todos os dias.

Tinha por castigo
Uma vida longa
Muito além da conta.

Vivia para lembrar
Não o que fez
Mas o incompleto.

Tudo lhe fora metade
Por isso não mais dormia
Dormir era viver pela metade.

Amou pela metade
Odiou pela metade
Viveu pela metade

Somente acumulou metal por inteiro
E viu que este buscar pelo inteiro
Era a razão dele ser metade.

domingo, 11 de abril de 2010

O som do silêncio

Há os que não suportam o silêncio,
Ouvem música, escutam ruídos,
Mas jamais o que vai n'alma escondido.

Fogem da própria consciência,
Das desilusões e horrores havidos
E arrogam a si o alívio das ausências.

Temem ouvir suas próprias dores,
As dores que hão impingido
E as dores de todas as gentes.

Alguns dormem de rádio e TV ligados,
Querem esquecer o destino contido no sono,
Que apavora até mesmo o mais fiel dos crentes.

O sono é a amostra grátis da eternidade.
O sono nos faz da degradação tementes.
O sono nos dá essa quietude veemente.

O sono é antigo compadre do que já não existe,
Do silêncio que nos será apresentado por inteiro,
Impiedoso, no raspar da pá do silencioso coveiro.

sábado, 10 de abril de 2010

Linda vai embora

Ó linda, para onde tu vais
Com o olhar a queimar
Este dia tão frio e de tanta solidão?

Ó linda, para onde tu vais
Com a luz de meus olhos
Roubada de tanta coisa triste.

Ó linda, não vás não, é que cansei,
Cansei de ver o horror do mundo,
Horror que tanto me entristece.

Linda, ó linda, de mim não desertes,
É que careço de tua beleza numa prece,
Mandinga para espantar tanta coisa feia!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Virgo et Scorpio

Não ligue não,
Sou tímida e tenho medo!
Não o medo de amar somente,
Mas o medo da solidão
Que certamente virá de brinde.

Paixão e solidão cultivam antiga amizade.

Não há constância nos homens.
Nem mesmo nos regidos por Plutão.

É de sua natureza;
Os escorpianos matam o objeto do desejo
Quando deles se fazem enfastiados.

De modo contrário, gostamos de guardar entulhos.
Nós, as nascidas em Virgem, conservamos organizadamente
Em nossos corações amores únicos e impossíveis.

A púrpura é sua cor predileta
E combina com a dor que sangra
Na pele de quem você fere.

Você há de se ressentir dos meus amores antigos,
Terá até mesmo ciúme do que ficou guardado em meu peito.
Ciúme dos infelizes que fizeram minha história.

É este férreo desejo que você arrasta como mistério...
Ele me assusta e diz que devo guardar de você distância.
(Seu veneno escondido sussurra-me que sou a próxima vítima!).

terça-feira, 6 de abril de 2010

Scorpio et Virgo

Sou de Escorpião,
Concebido de coração escondido
E provido de mortal veneno guardado.
Tu és de Virgem,
De alma escondidinha também,
Entretanto, transbordante em afetuosidade.

A rigor, não combinamos.

Porém, desconfio das estrelas
Que te entregaram em fado aos nativos em Peixes
E a mim a esta gente regida por Vênus.
Tu és, portanto, meu desafio
A arder a fio em férreo desejo incendiado.

Duvido igualmente que tenhas que viver só, triste em terra
E que eu deva triste viver entregue à solitária e fria água.
Creio que há possibilidades
De combinarmos a púrpura com o azul-prateado,
Altas temperaturas com teu rubor e senso prático.

Mas, o que eu queria te dizer, soprar-te aos ouvidos,
É que sou a constância pela qual pelejas,
Cercado de mistérios, é verdade,
Mas que tua inteligência já tem por compreendido.

Meu ciúme iria bem com tua entrega total...
Sabes, sou poeta, e posso suplicar às estrelas
Para que elas te digam das falhas dos horóscopos
Ao te olvidares dos signos ascendentes
E dos desejos que ignoram as vontades dos astros.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Meus versos não eram teus

Guardo em mim tua amena e delicada meiguice,
A mesma de quando vieste a meus olhos míopes
Tão mulher - fresca água boricada n'alma em desânimo.

Não. Não há raiva nem vingança
Naquilo que te digo e hei miseravelmente escondido.
É que me faltou tempo e jeito enquanto esperava-te outra.

Sei que menti, meus versos não eram teus,
Eram para uma deusa rematada,
Como bem acabadas devem ser as deidades de Apolo.

Mas os poemas casavam tão bem contigo!!!
Tinham tuas medidas, tuas adjacências,
E, logo, deslizavam tão lisamente sobre tua alucinante língua.

Confesso: meus escritos não eram para ti,
Eram dulcíssimos oblatos para coisa em eternidade;
Singelas linhas para quem se ama em segredo e verdade.

Tu foste, aparentemente, meu sonho aprumado em vida sem prumo.
Porém, meu verso buscava outra diva
Tão perfeita e em imperfeição que, por certo, nunca te teria em rumo.

Bela tu és,
Musa não és;
Perdoa-me
Essa liberdade
Sem licença
E maléfica
Na minha
Imprudência
Poética.

sábado, 3 de abril de 2010

O desespero do tempo

O tempo é uma tola criação humana.
Nada do que existe, além do homem,
Consegue se medir em horas e séculos.

Terrificados com essa párvoa invenção,
Oramos a um Deus que guarda em si o tempo
E que se faz, assim, seu sempiterno dono.

Ao orar queremos esquecer do fruto interdito
Que nos deu o mais cru dos conhecimentos,
Aquele que nos mostra nossa bárbara condição.

Somos os registros dos futuros necrológios,
O ter e o haver contábil dos cemitérios.
Somos covas cravadas no tédio dos calendários.

Somos os vazios entre os ponteiros dos relógios.
Somos as lágrimas na ampola de clepsidra
Derramadas ao nos lembrarmos do coveiro.

O tempo é nosso manso e cruel algoz
E saber contá-lo - medi-lo e não vê-lo
Na sua fome feroz - é o nosso desespero.