quarta-feira, 29 de junho de 2011

A bela paisagem


Já não andamos pelos mesmos caminhos
Tu vais por sendas do concreto armado
Das coisas físicas e tão sem sentido para mim

Eu vou pelas trilhas do imaginário
Que me permitem parar às vezes
Para projetar coisas que não são

És contente com essa realidade inventada
- Com este viver artificial que chamas real -
E sobre tal escolha, nada, nada posso fazer

Vai! A mesma sepultura destinada a mim
Também te espera. Não importa a vereda
Estamos condenados a terminar concretados

Posto que o fim é o mesmo, igual a todos
Por que seguir o rumo de triste paisagem
Se a paisagem do sonho é a que se faz bela?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Não cantei Neruda



Pediu-me que declamasse Neruda,
Queria sonetos fortes,
Queria ouvir o amor...
Disse-lhe que não. Faltava-me inspiração.
E depois, não havia o mar
Para cadenciar os versos
A cada onda pontuados pelas vagas.
Não existiam também luzes de prata
E uma enorme cordilheira
Para as sinuosidades do cantado.
E depois, como cantar Neruda
Para quem não vivia o amor?
Para cantar Neruda, para falar do belo,
Exige-se de quem ouve
Muito mais do que ouvidos.
É necessário, em absoluto,
Um coração pronto,
Uma vontade, um desejo de querer o outro,
Mais, muito mais do que a si mesmo.
Enfim, havia ali uma incompatibilidade:
Ela queria ouvir Neruda
Como se ouve uma notícia no rádio
E eu queria sentir os versos de Neruda
Como se sente o coração disparado.

domingo, 26 de junho de 2011

História abreviada


Andei pelo Campo Santo,
Olhei morada por morada,
E vi nas fotografias
Histórias abreviadas,
Nos rostos da crianças,
Nos rostos dos homens,
Na beleza das mulheres eternizadas.

Andei pelo Campo Santo
Com um ramalhete de flores
Para enfeitar tua nova casa,
Para tê-las em teu jardim
E perfumar teu sono eterno.

Levei também um maço de velas
Para te fazer menos escuro
O caminho que caminhas
Desprovido de Sol, da luz que tinhas.

Levei ainda o último poema
Escrito para ti em desespero:
Foste tão cedo, na manhã da vida
E me deixaste antes do entardecer.

Fui ao Campo Santo dizer-te
Que tenho que quebrar meus votos,
Deixar de ser fiel a ti
Neste caminho que me resta.

Há muitos anos que não vivo
Porque deitei-me onde estás
Para esquecer-me. E ontem,
Num sonho disseste-me: viva!
E vivo teimosamente hei de ser.

Esquina do pensamento


Hoje iria caminhar um pouco,
Sentir o mundo com os meus pés,
Certificar-me de suas decadências
Esperando algo de novidade na esquina.

Porém, há uma chuva anunciada
Pela moça do tempo
Que aparece na tela da TV
Sempre depois de alguma calamidade.

Assim sendo, impedido pela tempestade,
Vou caminhar por mim mesmo,
Por este meu mundo não menos decadente,
Repleto de surpresas nas esquinas do pensado.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Faz duas luas que não te vejo

Conto as luas até te encontrar de novo
Sinto a tua falta e como sinto
Ao ver o quarto vazio, a sala vazia
Meu peito vazio, minh'alma tonta
Sem saber o que fazer sem ti.

Tua fotografia virei para a parede
Não aguentei mais teu sorriso estático
Estás nela mas não estás
És papel, és a inexistência que ri.

Conto as luas esperando-te no infinito da rua...
Tua ausência me pesa o peito
Que é leve quando estás por perto.
Conto as luas
Conto, conto, conto...
E conto as saudades entre os segundos
Sempre em crescentes, sempre cheias de ti.

Teima


A vida é coisa teimosa.
No jardim, em terrível Inverno,
Tenho rosas orvalhadas
Para êxtase de meus olhos.

Nas rubras pétalas,
Falsos colares de pérolas,
Em pequeninas gotas d'água,
Em teima, sobreviveram
Ao gelo da madrugada
Para saudarem, efêmeros,
Uma única e bela manhã de Sol.

Reencontro


Nunca falei contigo,
Uma timidez inexplicável
Dizia que era melhor assim,
Calar-me, guardar de ti distância.

Ontem, depois de uma vida toda,
Tornei a topar contigo
E a timidez que julguei perdida
Voltou-me para os mesmos conselhos.

Fomos apresentados novamente
Como se nos dessem uma segunda chance
Em roteiro de fados delirantes,
Daqueles que, na terra arrasada
Por intermináveis guerras,
Ainda se anunciam em esperanças.

Não, minha amiga, torno-me novamente calado,
Porquanto o tempo se apresenta curto
Para te dizer tudo o que não disse
A vida toda, por timidez e covardia.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

És meu Céu


Quando digo a ti que tu és meu Céu
Não estou exagerando.
Tu és a minha medida astronômica
A dar-me as dimensões dos infinitos.

Meço coisas distantes
Com a velocidade da luz de teus olhos.
Escuto a criação inicial,
O sopro de Deus sobre minúsculas partículas,
Quando me dizes bem baixinho
Os segredos que guardas desde menina
E que te contaram as fadas, o fado em destino,
Ao te determinarem mulher, tão feminina.

Miro ao longe Vênus em brilho
E mais adiante o grande Marte vermelho
E vejo neste noturno Céu
As tuas mãos em palmos a marcar
A distância entre os astros,
A grandiosidade do amor que nos orbita.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Cativos, indecentes e roubados


Ah! Esses amores que julgávamos esquecidos
E que, inopinadamente, nos tornam à mente
Em arrepios, em indecências, em arrependimento...

Ah! Esses amores que ficaram pela vida
Aguardando, quem sabe, novo tropeço neles mesmos,
Um novo começar sempre adiado pelo medo:

São teimosos e nos fazem cativos
De um desejo falsamente não desejado,
De quem guardamos sempre e sempre
O último beijo - impudico e roubado.

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Ilustração: Manet, 1857

Capricho dos deuses


Um dia, um deus esquecido
Vai acordar no Olimpo
Olhará para o que foi criado
E achará tudo muito chato
Creia, o céu ainda há de desabar
Como desejavam os antigos
Num grande espetáculo
Num grande evento
Para a glória do circo
Para o bem da tragédia
Para quebrar as monotonias
Das coisas e das criaturas
E daí outro deus
Menos sonhador, porém prático
Vai começar tudo de novo
Moldará o barro
E soprará sobre ele
E desta vez
Com um pouco mais de capricho.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Quando ando distante


Não sei o que te faz tão feliz.
Dizes, em agrado, que é estar ao meu lado
E eu rio e duvido,
Porque nem sempre estou em mim.

Estou quase sempre nas minhas tristezas
E quando saio delas
Encontro-te em alegrias
No vestido novo,
No livro que estás lendo de Camus,
Nas histórias que me contas
Tentando contagiar-me a alma.

Não desejava, mas sou triste e distante,
E tu finges não saber disso,
Porque compreendes os distanciamentos dos poetas,
O outro mundo que a nós inventamos,
Tão diverso e contente, que a realidade
Torna-se insuportável.

Assim, tornei-me menos amargo
Nos meus votos de silêncio de horas e dias até,
Pois sei que tu estás comigo nestes dois mundos
E bebes do mesmo cálice
A carregar-me a cruz quando estou já cansado.

Amar talvez seja isso,
Saber a hora exata de invadir o mundo alheio,
Nos momentos de cansaço,
Nas horas da desilusão
E oferecer ao que se faz amado
A alegria que lhe falta,
Num abraço apertado,
Na mansidão do olhar apenas,
Sem palavras, sem perguntas...

Tu, em tua inexplicável devoção
A esta pessoa que envelheceu na infância,
Entendeste muito bem
Que ando pelos longes do meu pensamento
Mas é a ti que sempre retorno.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Gerações no lixo


Toda manhã sou carregado pela tristeza.
Abro a janela e vejo uma velha senhora
Vestida de trapos a revirar o lixo.
Abre saquinho por saquinho, escolhe...
Dias há, em que suas netinhas a acompanham
No frio, com roupas gastas, desbotadas,
Menores do que o tamanho dos magros corpinhos.
Carregam caixas, restos de outras casas,
Restos de outras vidas menos miseráveis.
Para uma, o futuro nada foi além de sobras,
Para as outras, o futuro será feito de lixo.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Tua voz


Suave como tua pele
Ouço a tua voz
Quebrando meus silêncios

Ao ouvi-la aprendi
A interpretar
Teus desejos e vontades

Sei quando tu estás brava
Contrariada com alguma coisa
Em teus agudos trêmulos

Mas, poucas vezes vi em ti
Algum descontentamento
Geralmente, tua voz ri

Ri em compassos bem compassados
Na harmonia que tens com a vida
Amas a vida! Invejo-te tanto!

Noutras horas, tua voz
Calça pantufas, macia, macia
É a tua manha a buscar carinho

Mais tarde sob a Lua, tua voz fica rouca e nua
E me diz coisas inimagináveis, e tão tuas,
Até que, de súbito, te chegues contido grito
Arrastado num delirante gemido entre dentes.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Olhos ao longe


Como arrumar jeito
Para me aproximar
Do teu olhar distante?

Teu olho brilha
Ao ver o que não vê
Quero estar nele

Por trás desta cortina
Há mais do que uma retina
A mirar o longe

Há o mel
Que adocica
A realidade

Olha-me
E faça-me doce
Os tristes dias

Vê, o que era longe
Agora é perto
E pode até te abraçar

Falar coisas ternas
E ser em teus olhos 
A visão de toda a vida.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O que teu olhar me falou

Conjuga-me
Como um verbo que pode acabar
Em coisas que vivas se sentem
Leia-me
Como um livro
Indecente
Que a tudo esconde
Nas entrelinhas de um conto de fadas.

O negro que te veste


Tu vieste de negro vestida
De negro como os mistérios da noite

A Lua
Era branca no branco nu do teu colo
Prata na prata de tua pulseira e anel
Deste-me teu misterioso beijo
E amaste-me em profundo enigma
Por sete dias assim ficamos
Eu a te decifrar
E tu me decifrando
Depois, foste como vieste
Com a mesma veste
Com as mesmas luzes em reflexos
Estilhaçando minh'alma
Tão sem gosto e incolor
Entre teus dentes.


terça-feira, 14 de junho de 2011

Cão vadio


Um dia frio, sem atrativos
Além da janela
Tudo parece dormir
Em preguiça imensa
Corações batem mais lentos
Pássaros não cantam nem voam
Ao longe, solitário cão zanzando
E eu, desprezado pelo sono,
Deixo meu coração bater manso
Escutando o silêncio
Vadio e vadiando
Por pensamentos soltos
Como um cão
A escolher poste para mijar.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

Saudade de tocaia


Saudade é cangaceira
Que pega o cabra de tocaia.
Traiçoeira, ataca o caboclo
Quando ele está sozinho.
Vem de mansinho,
Sem fazer barulho
E nos fere em fino corte
Com um punhal agudo
Cutucando o coração.
Mas, não chega a matar.
Essa é sua brincadeira,
Infernizar a vida da gente
E armar todo dia, sempre,
Uma nova tocaia
Nos escuros, antes do sono.
A saudade não nos quer mortos,
Ao nos fazer susto,
Ao nos conceder o vazio,
Ela só quer ser lembrada.

sábado, 11 de junho de 2011

Bomba H no jardim


Estava tudo tão arrumadinho
O jardim no seu lugar
As roseiras crescendo
E depois os botões
E depois as rosas
E depois minha alegria
De contente jardineiro
E vieste para corromper
O cenário
Colheu o botão
Despetalou a rosa
E como uma bomba H
Deixou por lá
Tua radiação
A fazer-me mutante
Jardineiro triste
Em jardim arrasado
Por infinito inverno.


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Zodíaco da amada


Ela gosta de ler jornais
E ver as notícias dos signos
As manchetes do futuro
Se Vênus vai bem
Ela vai bem
Se o Sol está em Plutão
Ela diz que estou bem

Não ligo para esse hábito
Da minha Polaca
Parece dar certo

Raramente tem coisa ruim
E os astros são camaradas
Ao nos apontarem
Todo o santo dia
Como sendo muito propício
Para o amor e carinho

E olha que a Polaca
Leva isso muito a sério!

À noite, acende uns incensos
Velas perfumadas
E na penumbra
Convida-me para cumprir
Nosso belo destino
Desenhado nas constelações.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O amanhã dos amantes


Tu me perguntas de quando o Sol raiar...
Como vai ser, o que há de ser?...
Calado, nego resposta,
Porque não sei resposta.

Sei apenas do hoje,
Deste momento singular,
Que a Sorte inveja
Pronta para tomá-lo
Em seus perversos braços.

Somos os bonifrates da Fortuna
E ela me deu agora esse grande prazer
De estar contigo, de saber-te.
Amanhã? Amanhã?
Marionetes não são conscientes
Do próximo passo,
Do puxar do barbante e do cadarço.

Para os amantes, o que está por vir
É tão incerto. É tão inexato.

Importa, querida e amada,
Este minuto que transformamos em eterno
E não há o amanhã naquilo que não tem extremidades.
Nele, tudo é o agora e com intensidade.
Sejamos pois, intensos em carne e alma no amor,
Porque pode ser breve esta pequena eternidade.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A freira ensina latim


Era a madre superiora,
Já velha, ainda forte,
Embora austera,
Gostava de palavras ternas.
Apontava para o quadro
E fazia-nos repetir
As esquecidas declinações:
"Rosa, rosa, rosae..."

Na janela do hábito fechado,
Em dia de calor,
Sua boca se movia
Trêmula e indecisa
Ao nos ensinar
Mais uma conjugação:
"Amo, amas, amat..."

Dizem que morreu aposentada
Cultivando jardim imaginário
E chamando os alunos
Para a última lição:
"Rosas amo... Vitam amamus..."

terça-feira, 7 de junho de 2011

Quente como chaleira no fogo


Sabes querida, queria aqui falar de amor,
Mas, creio não ser esta a forma adequada,
Afinal, quem ousaria hoje falar de amor
E em poesia, em versos adocicados?

Não, dizem os acadêmicos, isso acabou,
Os românticos falavam de amor no século 19,
Nós, no século 21, temos que falar sobre o nada,
A dura metafísica do nada que sobra no nada
Em que nos transformamos sem amor.

Como falar, escrever, sobre teus passos
Que sigo ao mesmo tempo que admiro tuas pernas
E empilhar
Palavras
Sem sentido
Ao gosto
Do crítico
Ou do acadêmico?

Como minha bela, dizer que tu és bela
E por isso, e só por isso,
Tu mereces um poema assim, na segunda pessoa,
Íntimo como um beijo no umbigo?

Como minha doce flor de laranjeira
Dizer que tu tens essa aparência,
Se a única laranja que os pasmados conhecem
É aquela comprada na feira?

Sim, meu amor e paixão,
Nego-me a fazer a poesia de shopping center,
Cheia de pingentes vazios,
Falsos brilhos e que por isso vai bem
Com essa gente que não ama
E se agrada com versos tolos.

Amor meu, eis o meu desabafo
Que faço aqui a ti encolhidinha nos meus braços
E quente como uma chaleira esquecida no fogo:
Amar a ti é mais importante do que seguir a moda!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A atriz ensaia o choro


Teu rosto de porcelana
Branco, branco,
Em contínuo e belo susto.
Cabelos presos...
Andar de bailarina...
Andas pela casa
E eu nem te escuto.
Depois, em sussurros,
Falas baixinho
A ensaiar o texto
Do dramaturgo infeliz
De quem nunca ouvi falar.
Choras, soluças...
É a cena dramatizada
A pedir-te o choro
Que na realidade não existe.
És boa atriz, Polaca,
Mas não me deixa nesta agonia
De ouvir-te representar
A infelicidade de um maluco!


sábado, 4 de junho de 2011

O céu em papel doirado


Modesta e graciosa,
Pediste-me o Céu de presente
Com todas as suas estrelas
E o que mais há no firmamento...
Estou providenciando, meu amor,
Creio que logo tu receberás
Teu Céu, tua Lua e outras cintilâncias,
Mas é que agora se apresentam
Alguns pequeninos problemas:
Para tanta coisa falta-me a embalagem;
Uma caixa do tamanho do meu peito
Envolta num grande papel doirado,
Amarrada com singela fitinha vermelha
E um cartão, desses enfeitados com rosas,
Ursinhos fofinhos e solitários,
A dizer-te que o meu amor por ti
Ainda é maior do que isso tudo!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Batom vermelho

Que frio, minha flor!
Chegue aqui mais pra perto
Que é pra modo de esquentar
E esquecer os tormentos.

Hoje não saio das cobertas,
Nem penso em trabalhar,
Aquecido pelos seus carinhos,
Vou ficar de papo pro ar.

Ligue para o escritório,
Diga que estou indisposto
Com o ruim que a vida obriga,
Com a amargura que marca o rosto.

Diga que quero ser feliz
Nos abraços de minha amante e amiga.
Chega pra perto, minha querida,
Hoje não trabalho não:
Um anjo me deu esse conselho,
Ficar em casa e descobrir
De sua alma seus segredos
E por que você teima em dormir
Enfeitada de batom vermelho!

Bela, minha bela


Bela, minha bela,
Esta manhã parece você,
Linda, linda, doirada
Num céu que ainda se faz em névoa
Nas névoas de seus segredos.
Linda é a manhã e não quero deixar seus braços
Bela, minha bela,
Esta manhã parece você.