segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Do tempo

Quanto mais se vive mais nos aproximamos da certeza de que o tempo é um senhor sem razão e mormente sem sentido. De todas as criaturas, só nós conseguimos contá-lo em relógios e calendários. O tempo é a nossa pior invenção, porque é nele que contamos os que esperam vez e os que aqui já não mais estão.

A voz que me fala

Somente um monge para saber
O que guarda o silêncio das celas
Acordo, tomo um copo d'água
E recupero-me do medonho susto
De ter pensado escutar no silêncio
A voz do pensado. Sim, a voz minha
Que me falava em sonho e dizia
Que neste planeta não há esconderijo
Para se fugir da vida e suas vontades
Mesmo numa cela, isolado de tudo
Somos atormentados pelas lembranças
Não as vividas em realidade
Mas, as não vividas por falta de coragem

Em exatidão marcada pelos séculos,
Em ponto, no cravar das horas
O mosteiro acorda e contrito ora

Sigo as ladainhas no velho missal
E rezo para ouvir novamente
A voz que vem aqui de dentro
Embargada pelo silêncio do tempo
A silenciosa voz soprada por Deus.


Poema da madrugada

Minha poesia cultiva antigo costume
Aos berros acorda-me de madrugada
E sem cerimônia manda-me cantar
Novas cantigas de manter acordado

Não queira escutar, Cariño meu
Os gritos de minha poesia noturna
É uivo de cachorro louco, danado
Uivo de susto, de alma penada

Por isso levanto-me da cama devagarinho
E vou para a biblioteca escutá-la só
Não quero te acordar, Cariño, não quero
Pois não saberei explicar o que me acorda

Ela vem e dita-me coisas impossíveis
Outras vezes, muitas vezes, terríveis
Palavras soltas, versos avulsos
A descrever vultos e monstruosidades

Mas na manhã que se segue me vingo
E pego todos aqueles versos de medo
E os transformo em coisa calma e boa
Como a suavidade dos teus leves beijos.



domingo, 30 de dezembro de 2012

Teu cheiro

Estou sob o domínio do olfato.
Daquele perfume que gruda na memória, 
Que te impede de lavar as mãos 
E que se revela até em sonhos inconfessáveis.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Dos adjetivos

A morte dispensa adjetivos
Nunca será boa ou ruim
É a morte, apenas fim

Somente a vida merece qualidades
E depende unicamente de ti
A palavra que será anteposta
Com justeza ao que se viveu.

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Ilustração: Cézanne - Pirâmide de crânios.

Dolorosa via

Não importa o caminho
Todo caminhante nesta vida
Chegará em exatidão
Ao encontro marcado
Mesmo que nos neguemos
A andar, a seguir adiante
E passemos a vida dormindo
Amarrados ou sentados

A vida nos empurra
Com a chibata do tempo
Na cadência do relógio
A nos rasgar a pele

Seguimos macabra procissão
Com os pés descalços
Sobre pontiagudas pedras
Com nossas cruzes
E coroas de espinhos
Em via dolorosa
Calvário acima
Onde nos aguardam
Os afiados pregos
Encomendados à eternidade
Interrompida no último estalo
Do tempo que nos escapa.

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Ilustração: Cézanne

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Natal dos patifes

No Natal, até mesmo alguns grandes patifes têm por míseros segundos a caridade no coração. Vaidosos, transmitem pela televisão, avisam pelo rádio e publicam no jornal magna e repentina vontade de ajuda ao próximo, desde que isso lhes renda o marketing que irá arrancar fingidas lágrimas de solidariedade dos hipócritas e suspiros de esperança nos desgraçados.

O pó das pedras

Fútil e convencional
Tu andas pelas ruas
E a realidade te fere
Como agudo punhal
Estás pronto, pronto
Pronto para morrer
De medo e susto
No próximo minuto

O céu descolorido
Por certo não irá
Ao teu sepultamento
O céu descolorido
Não gosta de estúpidos
Fúteis e convencionais
Em susto e medo

Há um ódio neste céu
Tremendo ódio
Deste céu por ti
Há desprezo descolorido
Desdém guardado
Deste céu por ti

O relógio te esquece
E o tempo te cobra
Os minutos por ti
Jogados fora
Como inútil e fina areia
Em infinito deserto
Tão farto do pó das pedras

Até este minuto
Que te é o último
Cheio de fútil susto
E convencional medo
Ele te pede de volta.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Fim do mundo

Manhã de Sol morninho prometendo calor de Verão. Vento suave, indo e vindo. Ao longe um chamar de passarinho... É meu amigo, essas coisas embrulham a vida em pacote de presente... E quer saber, acho que este mundão nunca acaba não.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Reflexões - Deus e as religiões

I.
O problema do ateu, aquilo que o faz ateu, não é Deus em si, mas o uso que os homens fazem de Seu nome.

II.
Amor e tolerância deveriam ser as palavras a nortearem qualquer tipo de religião que objetive a paz entre os homens. Do contrário, é isso que estamos vendo, ódio, guerras e o inferno sobre a Terra. É impossível aos sensatos, mesmo que em esforço de fé, o credo num Deus que não ama e tolera.

III
O Deus utilitário e disponível para qualquer coisa e desejo, ora numa súplica de vingança, em prece de ódio, ora para justificar uma guerra, não é Deus. Ele não se prestaria a essas coisas forjadas em doente egoísmo e que determinam a barbárie.  

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cataléptico eufórico

Preciso da sanidade dos loucos
De suas certezas inexistentes
Cansei-me da loucura correta
Quero a loucura incerta

Não mais obedecerei a horários
E farei meu próprio calendário
Composto de dias sem noites
E com noites sem dias também

Vou misturar em mim, em ti, tudo
Leite, manga e melancia,
Crendices com filosofia
Euforia com catalepsia

Serei do avesso o contrário
Do contrário o avesso também
E quando ouvir de ti louco grito
Gritarei aos teus ouvidos amém

Quero sim a loucura
Que enche nossos doidos olhos
E neste mundo louco
Quero ser louco também.

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Ilustração: "A nau dos insensatos" - J. Bosch

(1450-1516)



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Mãe

Quando dei por mim já vivia triste
Em criança, com três ou quatro anos
Já sentia estranhas saudades

Tinha saudades de minha mãe
Embora só a recordasse até os joelhos
Pois, além não alcançaram meus olhos

De resto, das saudades de minha mãe
Sobrava-me um rosto que inventei
Muito branco, de um severo que sorri

Ela vestia-se com um vestido colorido
E tinha em suas mãos inventadas e lisas
As minhas em tremor sempre suadas

Lembrava-me de todas suas histórias
Que, por sua falta, eu também inventara
Lidas com carinhos em noites temerosas

Sim, a ausência de minha mãe logo cedo
Fez-me amar a poesia que tudo pode e inventa
Inclusive uma mãe da qual não se tem memória.

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Ilustração: Mãe com filho doente - Picasso

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A música que vem de longe

Estranha noite. Os cães não ladram. Um quase silêncio de mistério no ar. E lá do alto do morro, da casa da louquinha que fugiu do hospício, escuto bem baixinho uma música de Wagner.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Enganos do silêncio

Engana-se quem pensa encontrar o puro silêncio na noite ou no próprio sono. É nesses momentos de aparente tranquilidade que a nossa consciência trava um grande debate conosco e geralmente aos berros, na vã esperança que um dia nós a escutemos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Peso nas costas

Não meus amigos, não são os anos que nos pesam e nos deixam com as costas curvadas, com os braços quase ao nível do chão, num arrastar como veteranos macacos. A injustiça sim, nos pesa. E pior, junto com a injustiça, é-nos demasiado peso essa percepção de que pouco fizemos para acabar com tudo que nos fez insanos dentro da insanidade.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Vou com a ventania

Vontade de sumir na ventania
Sentir no rosto o vento forte
Como as andorinhas
Fugir por uma fresta do mundo
Rasgar o céu
E ver lá do alto a Terra distante
Com suas maldades
Com seus descontentamentos
Vazar a cortina do firmamento
Ver o outro lado
Sentir o vento que lá venta
E abraçar aquela estrela
Como se abraça um amor distante
E que nunca mais mandou notícias.


Corpo fechado

Sou bento sim senhô
De corpo fechado
Pelo benzedô
Benzido com água benta
Com a alma abençoada
Pela Santa Virgem
Senhora da boa morte
E dos bons caminhos
Lá em Aparecida do Norte
Sim, respeito de um tudo
Praga de madrinha
Olho gordo, coisa feita
Mas respeito mais ainda
Reza das bem brabas
Sem salamaleques
Sem ladainhas
E que me guardam
Todos os meus dias.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Riso à toa

Amanheci no um sorriso besta no rosto
Sonhei, por certo, algo bom
Sei lá o que sonhei, não lembro

- Só consigo lembrar de pesadelos -

E rio, rio à toa, o riso dos tolos
Que riem de tudo sem saber
A razão do riso. Riem, apenas riem
Porque diante dessa tragédia
Que chamamos vida
Só nos cabem o escárnio
O riso dos bobos e dos imbecis.

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Ilustração: The court jester, obra do pintor norteamericano William Merritt Chase (1849-1916), que mostra as travessuras de um bobo da corte

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Nome às estrelas

Desejo enorme de não ser deste mundo
Quisera, sei lá, ser de outra galáxia
Num planeta que orbita dois sóis
Com praias infinitas e ventos tranquilos

À noite, olharia para as várias luas
Contaria estrelas dando-lhes os nomes
Daqueles que meu ombro abraçam

Lá, cada dia duraria séculos
E meus amigos seriam eternos
E cantariam sempre, compondo
Canções que falassem apenas do encontro

Ou acalantos para um deus menino que dorme
Jamais canções em acordes menores
De tristeza, de distanciamento dos que morrem.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Dona Chica

Sabe aqueles poeminhas
Cantados em canções de roda
Com gatos espancados
Para espanto da Dona Chica?
Pois é, há neles verdades
Que hoje abominamos
Ensinar às crianças.
E por tal razão
Elas crescem tolas
Acreditando que a vida
Pode ser resolvida
Com controle remoto
Ao se apertar um botão apenas.

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Ilustração: "Roda infantil", Portinari.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Picada de aranha

Meu Deus, tanta aranha
Que desejo neste mundo,
Das rubras, negras, loirinhas,
Até as sem pelos, lisinhas,
E logo me deste uma marrom!
De braço inchado pelo veneno,
Pobre e endurecido membro,
Vou urgentemente ao médico...
Mas, Senhor, e as outras?

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Humano

Sois sangue, sois animais
E a história da civilização
Nada mais é do que a tentativa
De negar tão primárias verdades

Por isso, odiamos
Por isso, maltratamos
Por isso, matamos
Por isso, fazemos guerra

Por isso, somos a morte na tocaia
Com nossos caninos limpos e escovados
Com nossas garras de unhas aparadas
Carcarás de panos vestidos a farejar carniça.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Amor inexplicável

Como eu te quis! Como te quis, infeliz criatura
Houve um momento nos meus dias cinzentos
Que ao despertar do sono, ao abrir os olhos
Em mim nada mais cabia além de tua imagem

Foi um amor de se viver abestalhado e anêmico
Não me cansava de ti, de tuas manhas
Ficava sem comer, ficava triste sem te ver
Amei-te exageradamente, desesperadamente

Hoje olho a tua fotografia e tento achar razões
Para tantos desatinos do coração adolescente
E estranhamente não sinto saudade de ti

Tenho saudade apenas de estar apaixonado
E por isso guardo com carinho a tua imagem
É ela que me lembra que o amor é inexplicável.

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Ilustração: Paquera na janela, José Lutzenberger   

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Minha luz procura teus olhos

Sou Diógenes desesperado revirando barris
Num imundo porto qualquer
E nas minhas mãos carrego velha lanterna
Para fazer-te luz nos olhos
Para ver o teu rosto infeliz

Não procuro verdades, há engano nisso
Poetas não querem verdades
Somente os cínicos desejam essas excrescências

Eu, poeta, quero apenas o sonho que em ti habita
Aquele sonho que tu esqueceste
E chama-se hoje irrealizável

Veterano sonho
Posto numa prateleira antiga com a inscrição
"Coisas que me fariam feliz e não dei importância"
Sim, sou tua consciência que chora o não feito

Sim, sou o anjo-demônio que te faz dormir
A lembrar daquilo que tu eras
E hoje não é mais. Nem em luz ou sombra.


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Ilustração: Diogenes sentado en su tinaja. Jean-Léon Gérôme (1860).

A luz e o sonho

Desde criança sempre soube 
que as coisas eram muito mais 
do que aparentavam. 
Na juventude, descobri que a luz branca 
era na realidade a soma de várias cores. 
Hoje, quando falo com alguém, 
tento sentir sua alma, 
para ver quantos sonhos ela tem. 
Não há luz sem cor, não há alma sem sonho.

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Ilustração: Mulher com um Chapéu, de Henri Matisse, 1905

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Poema inacabado

Um dia saberás que aquele poema torto
Tinha o endereço dos negros olhos teus

Aquele frio poema que já nasceu morto
Cheio de curvas barrocas e rimas cruzadas
Foi para ti e para nosso amor nascido capenga

Tinha lá um certo toque de doce ilusão
Falava, por certo, do incerto coração
Manso em suas linhas, nervoso em vontades

Talvez, se tivesse me esforçado
Teria contigo vivido e casado
Sim, teria dado por terminado
Numa contrariedade de dar pena
Aquele torto e maldito poema.


.

Rara

Rara,
Tu és da minha luz
A claridade

Do meu deserto
O fresco oásis

Nos meus dias
Minha alegria,

No meu viver
Minha vontade.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Canção da Lua

Amanhã, essa imensa Lua
Vai continuar seu destino
A fazer a noite após o dia
Amanhã, essa Lua
Que me viu cantar
Coisas de amor e saudade
Escutará outras canções
Talvez não minhas
Porque posso faltar
E ser também saudade
No seu caminho feito de poesia
Estrada de prata no firmamento
Aberta por poetas miseráveis.
------------
Ilustração: Paisagem com lua cheia - COELESTIN BRÜGNER

D'ocê

Saudade medonha d'ocê
No meio da tarde

Sem dúvidas
A chuva da manhã
A fez florescer, Saudade,
E ficar tão grande assim.

sábado, 17 de novembro de 2012

Relógio antigo

Esperei-te olhando para o Céu
Limpo, limpo em sua escuridão
E a Lua em quarto crescente
Contava comigo as horas
No relógio parado e fora de moda
Antigo como eu, sem forças, sem corda.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O que Páris ensina

Para Carla Meira Scheffer
Meus bons poetas e bons amigos
Encantaram-se com o fígado inchado
Levaram daqui o álcool
Combustível para divinos versos encantados
Cantados pelos querubins

Para eles, talvez
Morrer bêbado
Com os sentidos entorpecidos
Seria a única morte heróica
Embora suicídio

Mas, na minha lira tenho que dizer
Que há causa melhor pela qual vale morrer
Nesse mundo que é sofrer em desencanto
A cada minuto, a todo momento

Morrer de amor
Como nos ensinou Páris
Ao amar desesperadamente Helena
Ainda é a única morte
Que para o homem vale a pena.

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Ilustração: Enrique Simonet - El Juicio de Paris - 1904

Soneto para o amor que dorme

Esses mansos versos que nascem na meia-noite
Vão para ti como a mansa brisa vai para o mar
E alcançam teu colo, teu respirar cadenciado,
Tua brancura nua sobre o rosa da rede rendada

Ouve o riscar do lápis sobre o pardo papel
A cantar a louca e breve felicidade dessa hora
Que se faz canção risonha e que por fim chora
A proximidade das incertezas do alvorecer

Dorme porque a vida é desilusão e cansaço
Sonha alegre, poisque o sonho é vida verdadeira
Não acordes, a realidade é do sonho o pesadelo

Contenho o choro que me chega neste momento
Ele vem arrastado pelo tempo que a tudo devora
Até esta tua nudez que hei de guardar na memória. 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Soneto para quem luta

Trago um fuzil em que as balas são as palavras
E que, calada, a baioneta é feita de agudos versos
Tenho sempre na alça de mira os que exploram
Os homens que vivem do abuso sobre outros homens

Faço-me assim então guerreiro solitário
Franco-atirador a espera de vítimas
E são tantas as que cruzam meu caminho
Que temo um dia me faltar a munição

E em noite em que urra de fome o meu povo
Na solidão das ruas geladas e sem teto
Faço-me sentinela das suas poucas esperanças

E na manhã, antes do Sol no horizonte ereto
Levanto-me e vou à guerra para denunciar
Esse horror provocado por quem rouba e mente.




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Luísa

Aos 14 anos, Luísa sumiu
Dizem que fugiu
Ainda com o uniforme do colégio
Pulara a janela
Outros dizem que foi roubada
Era adotada
Quem iria notar e sentir falta?
A mãe postiça
Ficou sentada na varanda
Na Vila Operária
Engordando e se alimentando do nada
E hoje, depois de mais 40 anos passados
Quando o Sol escurece
Na varanda da casa abandonada
Um vulto enorme de sofrimento e saudade
Pode ser visto esperando Luísa
A colegial de olhos azuis
Que nunca mais deu notícias.



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Almas

As dores e as alegrias
Das almas que, a contragosto
Já abandonaram este mundo
Somam-se em nós

Somos seus olhos
Que um dia viram
Essa realidade duvidosa

Somos seus ódios
A ira por não se saberem de fato

Seus amores e desejos
E seus medos de viverem sós

Um dia seremos assim também
Somente almas
Que por esta Terra vagaram
Em dúvida e desespero.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Bordados

Há tempo que não te escrevo, Polaca
É que o nosso tempo se fazia distante
Nos meus dias, nas minhas obrigações
E hoje ele resolveu se fazer saudade
Tão viva e próxima que posso tocá-la

Lembrei-me de teus coloridos bordados
Com as cores que tiravas do dia entardecido
E no tecido aquelas luzes todas
Que sem saber coloriam minha vida

A saudade borda-me com cinzas linhas
Tristes, tristes, tristes num escurecer diário

É que aí aonde estás, há um grande bordado
Feito pelas agulhas das estrelas
Que do céu, em escura noite
Furam com antigos desejos meu coração.

domingo, 28 de outubro de 2012

Do que é feito o vento

Quando sopra o vento
E faz tremular as bandeiras
Tingidas do vermelho sangue
De todos os nossos companheiros
Que um dia tombaram na luta
Oiço antigos e silenciosos cantos
Que na voz do vento vão se juntando
A nos dizer ao pé do ouvido
Que o belo neste mundo
É lutar pelo que vale a pena
E que tudo neste mundo
Pode ser modificado pela forte ventania
Que é feita do sopro
Dos últimos suspiros
Daqueles que sofreram na tirana opressão
E num doído gesto de força e convicção
Tiraram do fundo do peito
O grito de liberdade
Porque para o vento não há prisão.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Espanto

A vida é espanto
Espanta-me a vida
Essa loucura que é um caminhar constante para a ausência

Espanta-me este doido riso nervoso dos que tentam se esquecer disso
Espantam-me o desespero dos atores deste triste espetáculo
Que ignoram que o autor dessa tragédia
Um dia vai lhes tirar a fala em pleno ato

Espanta-me teus olhos, Cariño
Porque eles são alegrias na eternidade
Deste minuto tão fugidio da felicidade
Que inevitavelmente antecipa o choro.



sábado, 20 de outubro de 2012

Café amargo

O florista corre com um ramalhete de rosas
Por certo encomenda urgente
D'algum coração urgentemente apaixonado

Na mesa ao lado
A moça tenta esconder as lágrimas
Enquanto as flores passam
Ela chora a perda do namorado

Ao largo, a puta velha se veste de rosa
E em frente à loja de brinquedos
Procura homem e se desespera
Ao pedir trocados para um prato de comida

E eu aqui mudo
Misturando ao meu café
Um pouco do amargo do mundo.

Amigos

Venho de terras distantes
E trago no peito
As imagens desse longo caminho
Feitas de paisagens não esquecidas
E muitas saudades

Meus pés ainda caminham mundo
Cansados que estão
Dizem-me ao coração
Que guarde de todo amigo a feição
Por que no peito
Amigos não pesam não. 

domingo, 14 de outubro de 2012

Onde encontrar poetas

Amigo meu, tu que agarras a feliz pena
Lembra, os poetas não se forjam
E jamais se criam no Country Club
Poetas nascem nas dores grudadas em si

Tu não irás encontrá-los cantando vaidades
Fazendo versos insossos de luxúria
Ou enganações da moda que voga

Os poetas de verdade não estão expostos
Porque os desencantos que cantam
Surgem do própria dor e da dor alheia

E para sentir a dor, mesmo que de outro ser
É preciso recolhimento, aproximações silenciosas
Aos corações que rotos, em pobreza, estão nas ruas
E não nas quadras de tênis vestidos de falso branco.

Não sei se te amei

Quem poderá dizer
Se um dia te amei de verdade?
A verdade exige tempo
Tempo que tu não me deste

Amei o que tu fazias
Como quem ama
Do escultor a obra

Amei o que tu eras
Como quem ama
A música que vem de longe

Quase amei teu coração
Que tu me escondeste
E ninguém ama
Aquilo que não sente e vê

Ao escondê-lo, tu querias
Em troca, para mostrá-lo
Em mim grandes modificações

Outro era no teu sonho
Um homem que finge
E fingimento é em mim
Moeda inexistente, que não tenho

Pois, sou apenas o que sou
Um poeta que ama
Somente a quem o amor deseja
Em intensidade e verdade.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Sapato de andarilho

O sapato aperta
Os anos passam
A dor não acalma
Os olhos são fracos
A cachaça é cara
Acabou o cigarro
Fiz um poema
Pisei na lua
E o peito me dói
Nessa saudade
Do que fui
Sem desejar

As crianças crescem
Os livros envelhecem
A música se repete
Fiz um poema
Topei comigo
Sujeito que não conheço
Longe do sonhado
Caminho cansado
Rumo para o que resta
Sem entender a vida
Sem entender o rumo
Desta estrada finda.





quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Canção para Maria Tereza

Era Março
Tarde quente
No Colégio Santo Inácio
E no quadro
Desenhadas todas as letras
Do alfabeto
Com giz colorido
A colorir minha alma em festa
Será que a austera professora sabia
O bem que me fazia
Ao apresentar-me as letras
As chaves para ler a vida
E poder colocar no papel
O que sentia meu coração?
Sim, Maria Tereza sabia
E num riso raro
Fez-me abrir a cartilha
Como se abrisse o mundo.

A roseira velha

A roseira quando fica velha
Reserva para si um ano sem flores
E brota novamente, com novos galhos
Viçosos galhos, verdes e fortes
Prepara-se para o próximo ano
Em que será a bela da Primavera
Florida, florida
Sobre os antigos e secos espinhos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Vazios & Saudade

Há sabedoria nas estrelas
Nessas luzes que nos chegam
De outros séculos, doutros tempos
Sim, há muito ensinamento
Nos vazios que sustentam esses luzeiros
Até mesmo eles, os vazios,
Encontram em si utilidade
Os vazios sustentam mundos
E humildes, dentro de mim
São contentes ao serem tratados
E apenas chamados de saudade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Agudos da manhã


Lá do morro, às cinco da manhã
Um tiro solitário
Acorda a sinfonia dos pássaros

Alguém matou, alguém morreu
Uma alma segue para o céu como passarinho

A manhã tem seus próprios sons
Um agudo surdo de morte
Agudos vivos da vida que segue.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Teu brilho fugaz

Brilha, brilha, brilha
Com toda a intensidade
A brevidade da vida é chama
Que pode escurecer

Deus deu às estrelas o brilho
Mas não deu a elas a eternidade
Por mais que se faça em luz
Toda estrela um dia morre.


Desencanto

O Sol encantado dos últimos dias
Hoje não apareceu, é Sol apenas
Um ponto minúsculo entre nuvens

E a vontade que em mim se refizera
E a fé para dinamitar montanhas
São fogueiras extintas por súbita chuva

Sou puro desencanto
Embora a quimera diga que não
A realidade nubla minhas horas
Enevoa-me os segundos em agonia

Há muitas verdade nisso
As sombras da noite
São as mesmas para o feliz sonho
E para o assombro dos pesadelos

O Sol que nasce todos os dias
Mesmo quando aqui se faz noite
Do Oriente ao Ocidente
Queima-se em rito de morte


E ilumina
O esperançado e o vencido
O que busca e o que espera
O conformado e o que almeja


E aquece
O miserável e o bem-aventurado
Aquele que infinitamente ama
E aquele que de si se esquece.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Desgosto com Cibalena

E foi assim
Num dia comum
De claridade morna
Esquecido pelos calendários

Louca, louca, louca
A dizer desconexidades
A fazer barbaridades
Ameaças e faca nos pulsos

Estava indisposta com a vida
Estava irremediavelmente louca
Amara, e por ter amado tanto assim
Perdera o juízo, o amor por si

Dizem que fugiu do manicômio
E morreu em casa ao tentar aborto
Com agulha de tricô e forte veneno
Álcool, soda, desgosto e Cibalena.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O doce do meu amor

Hoje tenho fome

E vou fazer uma sopa de versos
E sorvê-la, quente, pelando
Como um frade
Depois do jejum da quaresma

Meu coração padece vazio
E pede versos em nova dieta
Temperados com Camões
João Cabral, Drummond e Baudelaire

Depois do bicho cheio e satisfeito
Vou inventar receita diversa
Vou cantar o voo do vaga-lume
Seu pisca-pisca na bunda
A saliva da mulher amada
Que na minha língua abunda

Vou misturar a tudo isso
Um pouco mais de safadeza
E tirar do que está escondido
Entre as pernas de quem amo
O doce da sobremesa.

Imensidões

Preciso sentir o mar, Cariño
Preso no continente
Há uma parede de serras
Que me priva de sua brisa

Careço, Cariño
De imensidões
Desse oceano sem medida
E que vai dar no Tejo

Faz-me falta teu amor, Cariño
Imenso, imenso, como o Mar Português
Que é a soma de todos mares do mundo

Preciso dessas infinitudes
Porque sinto minh'alma amiudada
Preciso de mar e de teu amor
Porque sem eles, miúdo sou.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Espetáculo dos estúpidos

Vida doida
Desumanizada
Um atropelamento
Ambulância no engarrafamento
O sangue que corre no asfalto
A massa encefálica exposta
E uma multidão que parou ali
Só para uma espiadinha
 No corpo que expirava

A morte é coisa curiosa

Logo, todos vão embora
A estupidez já deu seu espetáculo
O cadáver já esfriou
Rotina
Todos pesando em suas rotinas
Que se reproduzirá amanhã
Igualzinha, em desumanidade
Porém civilizadamente
Sem tumultos
Sem revoltas
Sem pagar entrada
Pois, para tal circo de horror
Não se cobra ingresso.

sábado, 29 de setembro de 2012

As cores do verso

Há noite de magia que não se esquece
Cheia de truques de magos invisíveis
Como essa que te colocou nua
Sobre minha alma e pele

Nua, nua, em pêlo
Pronta para ser aquecida
Porque o amor a tudo aquece

E os aromas, o teu perfume
O cheiro da tinta do teu trabalho
Faziam mágica combinação
Com as canções de Piaf.

Como é difícil aos poetas
Pintarem com finito canto
Cenas tão incendiadas
E lotadinhas do bem querer
Do gostar muito e tanto

Cariño, toma aqui todas as cores do meu verso
E me ensina a colorir a felicidade de estar contigo.


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Como acalmar tempestades

Oiço em noite insone
O cair dos pingos d'água

C
   h
      o
        v
           e

Os trovões sacodem a cidade
E vejo tuas mãos no piano
Procurando notas de calmaria
Que acalmem a tempestade

Os graves e os agudos
Se misturam com a batucada
Dos plics-plics d'água

E lá fora a chuva lava os escuros
Para a manhã amanhecer em luz
Serena como uma calma sonata.



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cantada

Estou te cantando
A canção de uma vida inteira
Dessas que não se esquece a melodia
E se cantarola a letra

Estou te cantando
Como se canta nos dias de festa
A felicidade da colheita
Como se canta a poesia das flores
No início da Primavera
Como se canta a mulher desejada
Dentre as belas a que se faz mais bela.

A última queda

Tro
     pe
çou
e caiu
no vazio
de si mesmo

Q
u
e
d
a
Sem encontrar chão
         
Anjo
                c
                a
                í  
                d
                o
           E sem amparo

Viver é andar passinho por passinho
Para o escuro do último abismo
Em jornada que não aceita recuo

Enquanto em desespero caímos
Compomos em tristeza nosso próprio réquiem
Tétrica canção que encomenda defuntos
Porque morrer é a última queda da vida.



quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Escrevo em rosas brancas

Penso nas rosas brancas que tu gostas tanto
Suas pétalas são folhas de papel a espera de tinta
Onde escreverei de hoje para diante
Doidas mandingas para tirar-me o quebranto
Atirado-me ao espírito por velhas bruxas
Desde a esquecida e dura infância

Hei de colocar nelas algo de teu sorriso
Algo de amor que muito preciso
Porque do escurecido também se faz a alvura
Para isso é bastante um bom alvejante
Desses que limpam a alma por inteiro
E nos fazem leves e nos tornam ternos meninos

Sonhar já não posso sem te sentir no sonhado
Acompanhada das rosas brancas despetaladas
E que ganham todas as cores no cavalete
Para depois enfeitarem teu colo
E no adiante enfeitarem tuas bem feitas pernas
A beleza ornada com o que há de mais belo.


Amor no mercado futuro

Ah! essa mercadoria chamada futuro
Vendida em sinistros mercados
Como se vendem bananas na feira
Transforma o presente em pesadelo

Não, meu amigo, o futuro
Não é uma apólice de seguro
Mesmo porque seguros nunca estamos

Não é um belo plano de previdência
Garantias contra a insolvência
Ou muita grana na poupança

O futuro, meu amigo, é algo condicional
Depende de outro capital, mais humano
Somente o amor rende dividendos

Acumula muito amor e sê perdulário
Esbanja-o, gasta tudo como nunca gastaste
Pois só assim tua fortuna aumenta
E no mercado futuro não te fará falta.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O copo de Baco

Dá-me, Baco
Um copo profundo
Para beber a miséria do mundo
Uma jarra imensa
Para guardar os indiferentes
Que contentes e pasmados
Caminham expondo os dentes
Felizes com essa louca Sorte
Medida em sete palmos
Enfeitados de flores mortas

Quero beber os que já se foram
Os que esperam vez
Os que se julgam eternos
E acumulam
Vaidades e sofrimento alheio
E se esquecem
Que o Silêncio das Eras
É o nome do verme
Que dorme com eles.

Cambaleante

Os deuses estão ocupados
E esqueceram-se deste planeta azul
Que cambaleia pelos espaços
Doente, muito doente
De uma doença chamada homem.

Reserva de mercado

Ah, vida minha
Essa mania tua de desejar perfeições
Não há perfeição nas coisas dos homens
Há apenas arranjos convenientes

O perfeito, o irretocável
E delirante para os olhos
É a magia, é o mistério
Que Deus reservou para si somente.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Como eu cheguei ao longe

Sou de antigo tempo
Que de tão velho
Acho que não mais existe

Havia lá um terreiro
Laranjas e carambolas
Que amadureciam no pé

Um pé de manga sempre carregado
Um cachorro bravo
E um beijo menino nunca dado

Caminhos e carreiros que ao infinito levavam
Da casa dos vizinhos
Até o mundão de goela arreganhada

O sabiá de papo laranja sempre ressabiado
Um tico-tico, beija-flor
E doce de mamão feito no tacho

Um terreiro, sim o terreiro
Que em dias de chuva
Se enchia de barro

Havia sim, meu olhar pela janela
Que ao longe viajava
Sem saber que neste longe eu já estava.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Bilhete de adeus

Não mais
Ver com olhos outros
O eu em eu

Não mais
Crer que este que tu vês
Sou eu

Não mais
Crer que sou teu desejo
Desprezando o desejo meu

Não mais
Viver sob teu querer
Sem os sonhos meus

Não mais
Dizer-me teu
Como quem morreu.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A criança e as borboletas

De vez em quando, em dias de calmaria
É bom dar novo passeio por velhos caminhos
Revisitar antigas sendas, pequenas passagens
Ver o que não foi visto, sentir antigos ares

Haverá por lá, por certo
Uma serra rodeada de nuvens
E uma colina envolta em nevoenta saudade
Projetos sempre adiados
Uma palavra não dita
Um amor não declarado
Uma paixão maldita

E lá longe, já inalcançável
Uma criança perseguindo borboletas
Com o teu rosto ainda inocente
Com tuas pernas cansadas.

domingo, 16 de setembro de 2012

Do pensar

O pensamento nos primeiros passos
É igualzinho a uma criança
De gatinhas cai, engatinha e hesita

Depois dispara em rebelde corrida
Em rebeldia adolescente
Rouba coisa daqui, enfeites acolá

Para mais tarde ser preso
Condenado em libelo sumário
Por único juiz sem jurados

E na sua cela andará de lado a lado
Será respeitável ancião que tudo sabe
Em seus passos lentos e ponderados.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A revolução dos indigentes mentais

Hoje, os homens que odeiam pensar
E que forjaram para si um capacete
Feito do aço do pensamento único
Hipócrita, sem-vergonha e besta
Dizem que há preconceito
Ao se chamar as coisas como elas são
Assim como não é nada educado
O sujeito se referir a costumes históricos
Não admitidos pela atual estado  insólito
Evolutivo desta civilização imbecilizada

Sentados em suas cátedras de beócios
Esses mestres da indigência mental
Ditam cartilhas, códigos e normas
Para esse povo que cai em qualquer lorota
Dizem que é politicamente avançado
Pensar assim e bem assado
Dentro da massa da ignorância

Hoje, estão lá em seus gabinetes
Em suas salas de ar refrigerado
Pagas com o dinheiro suado
Desse povo que querem ajumentado
Barrigudos de tanto comer e beber
Enquanto o populacho passa fome
A física e a do saber

Hoje preparam a fogueira para Lobato
Amanhã para o escritor novato
E depois de amanhã para quem ousar pensar
Espirrar, ou ameaçar pecado
Contra seus dogmas medievais.




Homens de um livro só

Não tema os analfabetos,
Iletrados a mais das vezes por questões sociais.

Tenha receio dos homens de um livro só,
Daqueles que não conseguem viver
Num mundo de liberdades e pluralidade de ideias
E pregam a censura daquilo
Que vai além da ignorância que cultivam. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Ouve o caracol

Pela manhã, e só pela manhã
Fresca como o orvalho das flores
Captura a alma do que sentes

Depois, faz a tua refeição diária
Preparada com leves essências
Raios frescos de sol, extratos de nuvens

Depois, ouve e observa o caracol
E pensa que o pouco que ele rasteja
É o caminhar de uma vida inteira

Depois, escuta o teu coração
E medita que o seu bater constante
É a magia que cadencia teu espírito

Depois, com a serenidade desses elementos
Com a alma das coisas dentro de ti
Vive cada hora imensa e intensamente

Depois, lembra-te sempre
A única eternidade que conhecemos
Acontece nesta manhã e é o agora.

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sonhos e magia

Das geometrias dos sonhos
Seus oníricos teoremas infinitesimais
Não sei muita coisa
Aliás, sei bem pouco
Porque estou sempre aprendendo
E com enormes dificuldades

É que a escola dos sonhos
Tem maus professores
Relapsos mestres
Que ensinam pela metade
Porque das névoas sem densidade
Eles também pouco sabem

Abjuro científicas crenças
Nego-as três mil vezes
E busco a sorte cunhada nas estrelas
Que falam em línguas mortas
E mostram-me os caminhos
Dos antigos magos
Submissos a alquímicas fórmulas
Ao descreverem essa realidade
Nada real, posto que é mágica.


sábado, 8 de setembro de 2012

Meu coração renasce

Cariño
Que fazer dos anos perdidos
Desprovidos de tua aura
Em que somente sentia a tua presença?

Talvez, transforme esses anos em esquecimento
Algo ruim para se olvidar
Porque meu coração renasce neste momento
E os anos que me importam
São só os que me restam, os que virão
E certamente sem as antigas penas
Bem junto a ti.

Cariño
Há um limite no sofrer
Passamos dele
Agora, que tal começarmos a viver?

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Quisera só falar de amor

Quisera só falar de amor
De interior sentimento
Que não se faz parto
E que não se retira de dentro do peito
Em dor aguda
Como se fosse um dente são
Arrancado sem preparativos
E sem a piedade da anestesia

Quisera cantar a flor
E jamais a sua decadência
Que vai da bela e fresca cor
Para a putrefata murchesa
Sobre o próprio galho
Até servir de pasto aos insetos

Quisera ser poeta das coisas leves
E carregar um fardo de penas
E falsamente dizer aos que meu canto ouvem
As falsidades de um feliz poema

Quisera, cariño meu,
Que só você existisse neste mundo
E que todo o resto fosse somente isso
Resto
Coisa que de tão ruim
Não merecesse um único verso

Quisera... Mas, sou poeta
E meu coração me inquieta
E rumino esses males
Como quem chafurda os próprios excrementos
Para deles aprender como se faz
A natural transformação do que não presta
Em coisas tão sublimes como as rosas
Que se alimentam dos cadáveres da terra.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Paleta do dia

Não escolhi a cor da tinta
Para pintar este meu dia
Talvez, um amarelo ensolarado
Mesmo que chova
Ou azul de cerâmica portuguesa
Forte, anil mesmo
Ou a paleta de todas as cores
Juntas e misturadas
Numa aquarela digna de doidos
Não importa
Meu dia, para ser um belo dia,
Tem que ter cor
Para dar fundo ao vermelho
De teu rosto
Quando no riso
Teu rosto cora
Tem que ter uma cor assim, inesperada
Que cante uma melodia
Afinada com a luz de teus olhos.

 

sábado, 1 de setembro de 2012

Quando os anjos te procurarem

Oi!
É Claro que ainda estou Vivo
Se não mandei notícias antes
Contando tudo Tim-Tim por Tim-Tim
É porque havia uma sobrecarga
Nos meus circuitos neuronais
E outra maior ainda
Nas companhias telefônicas
Que adoram me colocar mudo
Adivinhando do Silêncio
O pensamento do mundo

Mas fique triste não
Porque desenvolvo nova máquina
Aparelho de falar
E que leva mensagens
Por meio de mágicos anjos

Presta atenção
Porque eles falam baixinho
Sem amplificações elétricas
Para o teu coração

Eles vão te encontrar em sonho
E devem te comunicar
O quanto estou sozinho
E que a minha saudade
De ti, cariño,
É Mega, é Giga, é baita.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sol, mãos ao alto!

Rouba os raios do Sol
Na manhã que nasce
Como se não existissem
Outros amanhãs,
Pois este amanhecer é único
Assim como únicos são teus dias

Não caia na habitual mentira
De que tudo é igual
Em torturante rotina
A repetição está no relógio
Coisa mecânica,  coisa sem sangue,
Tua vida não se repete
Tudo é novo a cada instante

Rouba os raios do Sol
E ensina a outros a também roubá-los
A este furto Deus nunca castiga
Porque não é pecado
Desejar luz nesta caminhada

Rouba e os guarda no coração
Para iluminar outras almas
Para dar alento e luz para quem precisa
E que normalmente ignoramos
Porque no escuro quase sempre andamos
E assim não notamos quem está ao lado.


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quando os ipês florescem


Foi exatamente no dia em que os ipês floresceram. Lembro-me, doutor, que as ruas estavam ladeadas por colunas amarelas e as pessoas nem se davam conta – quanta gente abestada, meu Deus! Creio que para boa parte das gentes, as paisagens não passam de pano de fundo para continuidade mecânica intercalada no intervalo que vai do nascer ao morrer. Entre um ipê e outro ipê, entre um passo e outro passo, ignoramos o relógio natural a marcar brevidades.

Perdoe-me a ansiedade, mas destas coisas que lhe digo e me custam memória, assustadora foi a que veio. De repente aquela vontade de caminhar. Enforcar o trabalho. Ignorar agendas. Não pensar em nada além de minha própria vontade de caminhar. Joguei o telefone celular fora. Desci a rua de casa, parei um pouco na banca de jornal e pela primeira vez, em anos, não tive interesse nas manchetes. Continuei a andar. Respirava fundo: brincava de guardar o ar nos pulmões pelo máximo tempo possível. Coisa de criança, sei disso, doutor. Mas que prazer me fazer criança assim, respirando apenas. Certo, fiquei tonto. Mas não liguei. Continuei caminho e guardando ar.

Perambulei por horas. Dei conta disso pela quantidade de suor em minha camisa. Resolvi tirá-la e descalçar os sapatos. Assim, sem querer chegar, cheguei a um bairro no qual nunca antes estivera. As pessoas eram-me estranhas e nas ruas já não havia um único amarelo dos ipês. Aliás, eu não via por ali árvore alguma, verde algum. Apenas gente e concreto. Fiquei um pouco preocupado. Em que raio de lugar, afinal, estaria? Mas, resolvi continuar, meus pés me obrigavam a isso. As preocupações se dissipam no andar depressa e aparentemente sem rumo. Tenho essa crença, sim senhor.

Ao longe avistei uma longa fila. Todos aguardavam entrar num prédio velho e acho que abandonado. Perguntei ao último da fila a razão daquilo. O homem, de rosto cúbico e olhos sem vida, nada disse. Ignorou-me. E a mesma coisa se repetiu com mais três ou quatro seres geométricos aos quais repeti a pergunta. Nada.

O senhor sabe, doutor, a curiosidade é a pá do coveiro e move o mundo. Eram centenas de pessoas sectárias da ordem e silêncio a fitar nucas. Seguíamos rápido, logo entrei no prédio. O contraste da luminosidade me deixou cego por alguns segundos. Na rua, há pouco, o sol brilhava. Meio-dia talvez? Demorei um pouco para me acostumar com a penumbra e, instintivamente, segui a nuca da pessoa que estava na minha frente.

O corredor marrom-cinza fazia-se estreito. O ar era pesado e viciado. Um cheiro de mofo ardia nas narinas. Ninguém falava nada. As pessoas fitavam nucas como se estivessem olhando para uma parede de chumbo. Emoção nenhuma. Transe puro. O corredor ficava cada vez mais escuro. Estreito. Mas logo chegamos a uma sala enorme. Sem janelas. De contato com o mundo exterior somente aquele túnel mofento pelo qual havíamos chegado ali. Mofo. Calor. Centenas de pessoas esperando. Esperei. Mesmo porque não dava para voltar. Esperei.

Depois de algumas horas, minutos, sei lá - pois os escuros guardam o estranho costume de esconder o tempo -, uma moça puxou-me pelo braço. Esforcei-me para ver o seu rosto. Parecia-me familiar. Morena, talvez. Bonita, talvez. Talvez a minha corretora de seguro. Senhorita pudica por inteiro. Ou a vagabunda do puteiro Real. Sei não. Dei-lhe o braço e fui guiado para o canto oposto ao que estávamos. Entramos depois numa espécie de porão estreito. O cheiro de mofo aumentava junto com a escuridão. Ela agora andava abraçada a minha cintura e me direcionava pelo labirinto. A certa altura paramos. Num tempo, que de tão breve não se conta e que de tão eterno não se esquece, ela beijou-me. Tirou a roupa. Abraçou-me. Desapareceu. Mudo e tonto, levei algum tempo para me recuperar do susto e do prazer inesperado. Refeito, tornei-me desespero. Precisava sair dali. Comecei a correr pelos escuros até encontrar uma portinhola. Ganhei a rua e vi que não era a mesma rua pela qual havia entrado no prédio. Olhei para o Sol: cego, respirei em alívio e tornei a caminhar sem rumo.

Neste ano, doutor, dois passados após esses acontecimentos, os ipês floresceram antes da época. Ainda estamos no inverno e as ruas são escorregadias com tantas flores espalhadas pelo vento. Não me julgue leso somente porque uma vez por semana entro na fila do prédio do corredor mofado. Espero. Há de se encontrar prazer nisso. É a espera que nos faz vivos.

O homem da cara cúbica é meu amigo. Pelo menos assim eu acho, pois no seu olhar, sempre a guardar a nuca da frente, brilhou a vontade de um dia conversarmos. A moça? Sim, doutor, nunca mais encontrei-me com aquela moça que talvez fosse morena. Encontro nesses dias outras mulheres. Todas parecidas com alguém que conheci em minha vida. Mãe, minhas irmãs, colegas de escola, antigas namoradas, freiras do colégio... Entretanto, não são quem imagino que sejam. Porém, na dúvida, jamais permito que elas repitam o beijo, ou ainda se dispam, como fez aquela moça que talvez fosse pudica ou vagabunda. Não sou dado a incestos, sacrilégios. A fidelidade faz parte do meu caráter.

O mofo já não me incomoda. Treinei muito para não respirar durante a travessia pelos corredores do prédio. Passo tempo sem inalar um único grama de ar. Doutor, sinto que os ipês aprovam esta dose extra de oxigênio que lhes ofereço. Agradecidos, eles me dão em troca flores fora de época e, em exuberâncias, me fazem menos penoso este caminho quiçá finado em longa espera.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Segunda-feira cínica

Segunda-feira cínica, trânsito pesado,
Motoristas com cara de dor dente,
Olho a cínica paisagem da cidade:
Prédios, lixo, favelas, indigentes, alienações.
Quanto cinismo pode haver num homem
Para que ele aceite tais aberrações
E ainda dê a isso o nome de vida?

domingo, 26 de agosto de 2012

A piedade de tuas mãos

Tuas mãos em cirurgia de urgência
Tiraram-me do peito o coração
E ao recortá-lo fizeram-me susto
Pois dele saíram coisas ocultas
Fingidamente esquecidas
E nos meus lábios mudas.

Tuas mãos, que poder têm as tuas mãos,
Deus meu!
Finas, cativantes e ágeis te explicavam
Em cada lembrança infantil,
Roubando manga,
Pulando muro,
Nadando no rio. 

Enquanto a noite se adiantava
Em frio, em escuridões.
Tuas mãos, que pintam tua alma
Em delicadeza na tela de quem vive,
Por que quiseram também pintar
Os antigos temores, em piedade,
Deste agoniado peito meu?


sábado, 25 de agosto de 2012

Armstrong pisou meus sonhos

Aos seis anos de idade
O mundo se forra de heróis
E assim fica dividido
Entre mocinhos e bandidos

E foi, em 1969
Com esses mortais
E hoje míopes olhos
Que vi pela TV em P&B
O homem ganhando a Lua
Numa Epopeia difícil
De explicar nesses modernos dias

Foi o primeiro grande feito
Da humanidade cantado
Pela publicidade do rádio
E com imagens instantâneas

Colecionei figurinhas,
Bótons e peças de propaganda
Em que meus heróis
Eram Aldrin e Armstrong
Este o maior de todos
Porque foi o primeiro
Dentre os primeiros
A marcar seus pés fora desse mundo
Que já por aquelas épocas
Claudicava em caduquices

Aos seis anos eu já tinha a cabeça na Lua
Hoje ainda tenho a cabeça além das nuvens
E rendo homenagem a Armstrong
Por ter pisado no solo dos meus sonhos

Hoje, verdadeiramente, Armstrong alcançou as estrelas
Traído por um coração que muito viu
Sem foguete, sem máquinas, apenas por destino
Que é o destino comum a todos os homens
Fado que se cumpre sem companhia
Porque os astros nos pedem em solidão
E sem as glórias dos mortais heróis, dos semideuses.

Aos internautas poéticos

Temerários viajantes em naus elétricas
Não procurei aqui respostas exatas
Exatidões matemáticas, teoremas vivenciais
Receituários de ajudas impossíveis

Procurai sim, aqui, nesses meus versos
A dúvida que santifica o homem
Quando ela se faz apenas rito de fé

Procurai e encontrai aqui
Essa medonha vontade de pelejar
Contra o que já nos venceu
Desde o primeiro berro no berçário
Ao abandonarmos a madre entranha

Procurai e encontrai aqui
Tudo aquilo que nos faz tão humanos
O respirar com algum sentido
Muitos amores perdidos
Inexplicações inexatas
Saudades em toneladas medidas

Procurai, caros marinheiros dos elétrons,
As vossas consciências nessas linhas
E as medi e as comparai com a lira minha
Que é o canto daqueles que na vida teimam
Porque viver é um belo ato de teimosia. 

---------
Ilustração: Théodore Géricault - A Jangada da Medusa, 1819

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ramo de arruda

"Menino, vá se benzer!", mandavam-me.

E o benzedor, preto e velho,
Morava numa casa de madeira
Lá no fundo de um enorme quintal
Simples, simples de dar pena.

Na sala, imagens santificadas,
No canto, uma velha moringa,
Água para deixar bento
Tudo que andava errado.

Na mesa, sem toalha, sem comida,
De madeira bruta e desnuda,
Um ramo de arruda
Para tirar quebranto.

E eu, criança de tudo,
Acompanhava com curiosidade
A ladainha que o homem rezava
Ao falar sinceramente com Deus.

E eu, restrito ao silêncio meu,
Buscava lógica naquele ritual
Que me deixava tão bem,
Tão em sintonia com as coisas do Céu.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Na mansão dos mortos

Menina dos olhos vivos
Dá-me um primeiro beijo
E no terceiro
Prometo ressuscitar

Dá-me seu lábios, menina
Porque preciso deste vermelho
Para beijar a vida.







quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Poesia não cansa

Cansado. Terrivelmente cansado
E essa doida vontade de versos,
De versificar as coisas do mundo,
Que em mim nunca se cansa.

Hoje andei por uma estrada vazia,
Que padecia de solidão, de escuridões.
Ligava certamente o vazio que deixei
Ao vazio que com fome me aguardava.

Mas mesmo o vazio, o sem conteúdo,
Ou o sem substância, clamam poesia
Para encherem-se e vomitar o tudo.

Os espaços repudiam o vazio, o nada
E a minha poesia deseja ser o material
A dar densidade aos vácuos profundos.





terça-feira, 21 de agosto de 2012

Olhos sobre a tela

Vieste numa tarde de domingo,
Bela e junto com a florada dos ipês.
Tinhas nos olhos um tempo ido
Como uma velha gravura
Que registra lugares longínquos
Com cores gastas
E traços foscos de nanquim.

Mas, lá no fundo vi em ti
Vontades de reconstruir tua obra
Cobri-la de branco
E enchê-la de cores fortes, em pontos.

Verdade, temos que aproveitar as velhas telas
Pintar até mesmo com os dedos
Em carne viva um outro destino,
Porque a vida se renova
E sempre pede novas paisagens em pano antigo,
Novos rostos, novos gostos, novos desejos,
E flores de ipê que antecipem a Primavera.

domingo, 19 de agosto de 2012

Cachorro velho

Meu velho cão
Envelhece junto comigo
Hoje não mais escuta
Cansou de escutar as bestagens
As coisas que nos amofinam
E de nada valem, conversa fiada
Sem serventia, bobagens

Está quase cego meu velho cão
E as moscas já não mais o incomodam
Não vê, só sente, só lembra
Ao procurar do pensamento o rastro
E Rumina suas lembranças
Como se roesse um osso
Com seus dentes gastos

Meu velho cão
Tem o que os homens não têm
A ausência de revolta
Com o inexplicado da vida
E um baita apreço
Por tudo aquilo
Que envelhece com ele.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Súplica às estrelas

Ouvi, sim, ouvi
Na madrugada esculpida de escuros
O sussurro de tua voz
A evocar velha canção esquecida
Era algo de amor
Era algo de solidão
Sim, ouvi
Tua súplica às estrelas
Enquanto os deuses dormiam.


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O que disseste de meus olhos

Os teus olhos são segredos
Guardados em mares escuros
Abismos cheios de vales
Por onde caminho e me procuro

Tão grande em dissimulações
Há neles uma paisagem
Tão fria, tão calculada,
Que me sinto nela espelhada
Apenas como útil miragem.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Samba da dor

Guardo no peito minha última ilusão
Que hoje é pura dor
E que amanhã não será mais não.

O destino da dor é virar saudade.

Maltrataste a quem te ama
Sei que tu pensas ser feliz
Mas, amanhã não será mais não.

Amanhã, deste amor sentirás vontade.

Morre aqui no peito
Este apego ao que nada vale
Amanhã, esta dor será mais não.

O destino da dor é virar saudade.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Tolices do coração

Às vezes dou ao meu coração
Tarefas impossíveis
Amar a quem não merece
Esquecer a quem não esqueço
E bater, e bater, e bater, sem querer
Por toda uma vida.

Cansado ele batuca, lento ele me embala
E ensaia falsa obediência
Em falsa cadência sem sustos

Meu coração é traição
E trai-me a torto e a direito
(Porque sou triste quando te vejo
E lembro-me que tu és como ele)

Ele sai-me pela boca
E diz coisas tolas
E pelo que eu não fiz
Ele a ti pede perdão.





sábado, 11 de agosto de 2012

Santa Vontade

Vontade
Eis o que move o mundo

O problema é que esta vontade
Geralmente se faz no coração dos maus
E assim
Guerras
Dor
Violência
E descompaixões
São os combustíveis
Dessa vontade que gira sobre o próprio eixo.

Precisamos de novas vontades
De uma Santa Vontade forjada no bem
Do contrário
Nos restarão apenas velhos infernos
Um choro contido, incrédulo
E soluços de pura impotência.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Pecados na manhã

A cidade acorda em preguiça e desdém
Na manhã
Há uma névoa a encobrir os pecados da noite

E um homem, meu Deus, que dorme
Na podridão e nas caixas de papelão desfeitas
Abraçado a um pulguento e doente cão
(Cobertor de ossos e companheiro das andanças
Pelos lixos da cidade em busca de pão)

O Sol aparece e fecha imediatamente seus olhos
De vergonha, revolta e comiseração,
Pelo cão que dorme, pelo homem, Santo Deus,
Por esses pecados que amanhecem todos os dias
E que também são pecados meus.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A caminho do trabalho

Meu café tem o gosto dos meus dias
Forte, quase sem açúcar e morno.

Abro a porta e vou pelas estradas

Mas antes escuto os passarinhos
Em suas melodias misturadas e próprias

Mas antes vejo a roseira e os beijinhos
Que no orvalho se banham
Como eu nesta manhã banho-me da sorte

Vou pela estrada, livre sigo caminho,
Necessidades desse renascer eterno
E olho no infinito o Sol amanhecer

Penso o que posso nesse dia
E principalmente o que não posso fazer

Não mudarei as manchetes dos jornais
As guerras sempre estarão lá
Em garrafais letras, em horror teatral

E aquele amigo, aquela amiga,
Será que me esqueceram, morreram?
Saudade também vai com o dia meu

Pronto, chego ao trabalho
Escravo, sei que toda poesia deste dia
No caminho ficou e pálida entristeceu.



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Curiosity está em Marte

Curiosity está em Marte
Procura lá coisas da vida
Na profunda paz dos espaços
E eu aqui neste universo de gente
Nada mais procuro
Pequena me é a curiosidade
Porque do que vi só há desconsolo
Doiradas pílulas que matam o doente.

Curiosity foi deixada numa cratera
Lá há de escalar montanhas
Analisar pedras, a atmosfera
E eu aqui neste universo de solidões
Espero, com sinceridade
Que tal máquina nada encontre
Pois se há em Marte vida
Será vida perdida
Pois toda vida o homem corrompe.

domingo, 5 de agosto de 2012

Camiño

Galega, cariño meu,
Por que me abandonaste
Ao lado da flor que nasce na pedra
Neste ancho camiño
Camiño de Santiago?
Quem há de me apoiar
Nos tropeços, nas dificuldades
Nessa vida de peregrinação
Se no ceo não há estrelas
Se na minha mão
Não tenho a tua mão?

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Retrato do vazio

E tinha lá nos cantos da casa
Coisas esquecidas e amontoadas
Uma rosa ressequida
Um retrato do nada
Tinha lá suas coisinhas
Suas inutilidades guardadas
E um coração vazio
Sem lembranças atadas
Que triste, lento batia
Por obrigação, talvez
Ao sentir que nem mesmo
O gosto do ter tentado
Fazia nele morada.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A centopeia e a mãe do psicopata

Olho para as crianças brincando no jardim
Uma delas apanha uma indefesa centopeia
E a mutila ao lhe arrancar perninha por perninha
Custo a crer, mas creio enfim que a maldade
No ser humano é algo realmente inato
E a mãe, ocupada em limpar os óculos escuros
Vê aquela cena de explícita tortura
E grita para o pequeno projeto de psicopata:
"Larga isso, menino, é lixo, não coloca na boca!"
Pobre centopeia, torturada, morta e caluniada.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A minha saudade cavalga

Antigamente, os amantes morriam de saudades
De suas distantes amadas e para vê-las
Suavam sobre longas léguas no lombo dos cavalos

Hoje não temos saudades tão distantes
Tudo está ao alcance dos dedos nos teclados
Sejam dos telefones ou dos computadores

De tal modo que sentir saudades
Assume as feições de uma mera equação matemática
Em que o limite é a velocidade da luz
Ou o movimento dos elétrons em circuitos fechados.

Mas mesmo assim, minha cibernética amada,
Sinto de ti uma saudade das antigas,
Uma saudade que envolve o tato e o gosto na boca,
Daquele esfrega-esfrega quente e cada vez mais quente
Que só é possível na presença de teu de corpo

Chega das carícias elétricas,
Do amor contido em bytes
Minha saudade é cavaleira
E gosta de cavalgar

Eia ô! Eia! Vou pôr o arreio no meu cavalo
Suar por muitas léguas
Só pra te beijar
Assim de pertinho, no abraço e no carinho
Como devem ser os beijos dos enamorados.


segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os dias que nunca virão

Pode o feitor amar o seu trabalho
Feito de ódio, dor e castigo
Pois o ódio, a dor e o castigo
São a sua felicidade sádica.

Mas não pode o escravo
Amar a escravidão
E a chibata que lhe corta o couro

Não pode o escravo amar o relho
Feito por uma escola que não ensina
E por livros que apenas distraem

Ou, o escravo amar o tronco de suplícios
Urdido pela propaganda que engana
E que diz que a servidão
É o estado normal de 99%
Dos homens que vivem neste mundo
De bocarras escancaradas, a espera
De dias melhores, dias que nunca virão.

O tempo certo é o agora

Tudo está no seu correto tempo
Nada acontece antes ou depois
A hora é sempre a exata hora

Sinto que tu és aflita, sofres e choras
Pelo que pode acontecer
E vives assim, esperando
A promessa do tempo
E não o que é o agora

Aflição, sofrimento à toa
É esse esperar contínuo
Pelo ressoar do sino
Até o seu novo encontro
Com o martelo do badalo.

Viver não é esperar
A realização do sonho incerto num tempo
Não menos incerto
Viver é reconhecer o tempo certo
Na incerteza dos intervalos das horas.




O féretro

Relata-me o quão ditosos são teus dias
Realmente, a Fortuna em ti fez morada...
E desde que deste mundo tomaste o ar
Tudo te aparece e vem de mão beijada

Mas também me dizes que és vazio
Nunca fizeste nada além do trivial
Jamais sofreste de amor, porque não amaste
Jamais escreveste sobre o amor, por não tê-lo
Jamais te arranhou o mais leve sofrimento...

E tu me perguntas o que penso disso...
E sem pensar muito nada falo
Porque só tenho nos olhos os tristes cravos murchos
Que enfeitam o ataúde do defunto
No carro funerário que ao largo passa.

domingo, 29 de julho de 2012

Cuida da brisa

O amor é tênue chama
Que o mais leve vento
Da desconfiança apaga.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A história de Gislaine

Foi num abril
Quando rosas abrem-se,
Os homens fazem revoluções
E nossos corações batem
Com a intensidade
Da bateria da Beija-flor,
Ecoando ainda o último Fevereiro
E o doce reinado de Momo.
Mas, foi em Abril,
Conta-me a viúva,
No último Abril,
E o agente funerário
Foi quem anunciou a desgraça.
Disse que ele,
o companheiro do último cigarro,
E de todos os copos,
Havia morrido num estúpido acidente,
Acidente de trânsito.
Caso duvidasse
A prova estava ali
Numa estúpida foto,
Foto de telefone celular.
Foi num Abril que se abriu
A cova de todos os seus sonhos.




O mercado da estupidez

Eis pois, exposto ao teu rosto
Este mundinho mesquinho
Dos estúpidos que ditam modas.

Não a moda das roupas,
Dos costumes inventados,
Das cores da estação,
Mas a moda da estupidez,
Aquela que se aproveita
Da falta do senso do ridículo
Dessa grande massa que não pensa,
Dessa massa modelável
Como um boneco de neve
Com o nariz de cenoura.

A que ponto chegamos
Nessa sociedade de consumo
Em que tudo se transforma
Em mercadoria e dinheiro:
Hoje é possível vender a estupidez
E chamá-la de moda.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Das esquinas e encruzilhadas


Gostamos das esquinas, de todas as esquinas
Pois são nelas que estão os pontos cardeiais
E dar rumo à vida fica mais fácil

Mas sou poeta, e os poetas não se contentam com rumos certos
Amo mesmo e com inexplicável paíxão
As encruzilhadas em descampados
Porque elas não se fazem Norte, Sul, Leste, Oeste

As encruzilhadas nos levam para o imprevisível
Fora desses ângulos exatamente retos
Que tornam a vida tão aborrecida
Sem poesia, sem o gosto da aventura.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O sopro de teus lábios

O vento que sopra todas as manhãs
Carrega meus poemas
Talhados em noite mágica
Por lugares distantes, não sonhados

Sem eu saber de que essência foram feitos
Meus versos desabam do céu
Como folhas caídas da árvore proibida
Arrastando consigo deliciosos pecados

E sinto imparável vontade
De trazê-los para a realidade
Como se fossem a vida
Do sopro dos teus lábios.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Carmenzita vadia (samba)


Carmenzita, sua vadia, você fez tudo errado
Tirou o sol da minha janela
E meu prazer de caminhar pela calçada
Hoje dou bom-dia para poste, abraço na urtigueira,
Sou triste e sem cor como um filme de Renoir

Carmenzita, minha amante, deixa eu te contar
Isso não vai ficar assim, porque as coisas vão mudar
Pegue todas as suas coisinhas
Suas roupas no camiseiro
E siga o seu caminho
Que eu vou deixar o cativeiro

Cansei de seus caprichos
Não fico mais na reserva do jogo
No meu time eu trago a bola
E escalo cunhado e sogro

No meu time eu dou a bola
Bato escanteio, cabeceio
E escalo o juiz do jogo.

sábado, 21 de julho de 2012

Oração do poeta cibernético

Ó meu Senhor, com a permissão de Vossa graça,
Que nunca me falte a luz da Light, Copel, Eletropaulo
E outras elétricas centrais, todas cheias da claridade.

Na noite, em que faço poemas, lembrando o dia,
Dai-me a luz que nunca se apaga
E quando não, o candeeiro, as velas, as fogueiras
Dos meus antigos ancestrais.

Mantende-me meu Deus, os elétrons em seus ordinários caminhos
Sem sobrecargas, quedas de corrente, ou grandes Diferenças De Potencial,
DDP, ou simplesmente voltagem.

Mas em verdade, Vos peço, de todo o meu coração,
Que não me falte o sinal da internet
E que todos os megabytes não sejam apenas promessas
Do meu provedor. Pois viver na lentidão
Não mais combina com este mundo
Que é rápido e quiçá por demais acelerado.

Levai, meu Pai, minha mensagem delirante instantaneamente
A todos os corações que acessam o Facebook,
Principalmente, àquela menina triste
Que precisa de coragem para continuar vivendo.
Amém.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Vermelha

É vermelha
E tu sabes de meu gosto por tal cor
Da mesma forma que entendes o distante
Em que me recolho quando escrevo

É vermelha
Tua roupa interior
Que me tira da letargia das letras
E assim sei quando tu desejas amar
Além do amor d'almas, é claro

É vermelha
Como a marca da última carinhosa palmada
Estampada na brancura de tua pele, na bunda

É vermelha
A tua última mordida em meu peito
Tatuagem dos teus dentes
Sempre entre sussurros refeita

É vermelha
Tua face de êxtase avivada por gritos
E confissões capazes de fazer corar as putas.

domingo, 15 de julho de 2012

A falta de teus passos

A minha pobre rua se cobre de um cinza tristonho
Nela não mais se escuta ao longe a graça de teus passos
E esse silêncio em que se guardou tua beleza
Faz donde vivo o lugar mais desolador do mundo
Os ipês não mais florescem
E aquela cerejeira que eu mesmo plantei
Tem seu tronco torto e neste ano negou-me a florada...
E as rosas, encarnadas rosas,
Alimentaram as formigas e outras pragas...
E aqui dentro, dentro do meu peito,
Nada é diferente, vazio, desolação, memória apenas,
E uma saudade que a si mente e devora
A tua imagem que descia nesta antiga e defunta rua.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Alma com alma

Depois de comprida saudade,
Quando tu voltas aos meus braços
Sinto teu coração coladinho ao meu.
Assim, peito com peito,
Alma com alma,
Espírito com espírito,
Entre intermitentes batuques cardíacos,
Respiro teus silêncios
E somente neste particular momento
Sinto-me plenamente com vida.


terça-feira, 3 de julho de 2012

Azul-doirado

Um hoje extremamente azul-celeste
E aquela vontade que ao espírito veste
De transformar tudo em verso

O mundo carece de poesia
Que cante cada amanhecer
Principalmente, os hojes azulados em doirado

E tu, que vi nesta manhã incógnita na rua,
Com os olhos orvalhados na aurora da Esperança
Terás aqui o registro da luz de teu sorriso amanhecido

E a Paz, que é boa senhora e vilipendiada sempre,
Ganhará neste matinal céu de Inverno
Versos que rogam aos homens o seu sagrado nome.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Coisas para dizer ao vento

Amor meu, quisera mais oportunidades
Para dizer coisa tão simples
E que as pessoas entendem como complicação
Talvez, o meu silêncio
Quando te envolvo com os meus olhos
Já tenha dito o que guardo comigo
Como esse imenso prazer
Que tenho ao te escutar os passos
Quando tu chegas
E ficas, assim, com um jeitinho sem jeito
Esperando afagos
E outras delícias a serem compartilhadas.
Ah, quisera te dizer tantas coisas
Mas, a minha boca anda sempre tão ocupada
Espalhando ao vento e na ventania
Sempre e sempre "eu te amo, eu te amo"!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Tatuagem

Essa borboleta tatuada nas tuas costas
Viva e escondida pelos teus cabelos
Finge, por certo, cansaço
E estampada descansa
Na tua brancura de Inverno.
Que inveja, Deus meu. Inveja!
Como desenho em papel de arroz
Estar assim colado em tua pele!


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Iguaçu

Não sei se é lenda, se é verdade
Nunca lá estive se não fosse por pensamento
Mas dizem que o Nilo vai ao mar
 Em sete desembocaduras

Conheço apenas o rio de minha aldeia
Um rio triste, quase morto em seu nascedouro
E que não dá no mar
O meu rio é apenas suicídio em sua foz

Verdade, meu rio acaba-se em quedas
Começa feio e termina bonito
Um grande final para quem só faz carregar lágrimas
Da gente que nele obra
Da gente que nele vê um grande córrego de lixo
Da gente que nele faz a piscina dos esgotos

Meu rio alcança o grande Paraná
Como pálido defunto perfumado
E dá urros ao quedar-se verdadeiramente morto
Diante de pasmados turistas
Para assim maravilhar
Este mundo que já se veste de trapos.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Teu aniversário



Desejo que Tu coloques em tua alegria
As coisas boas que te trouxeram até aqui.
Assim Tu hás de lembrar
Em tua caminhada adiante
Que nosso coração fica cada vez mais criança
Quando cheinho da verdadeira amizade
Lotadinho do bem querer e do bem gostar
Enfim, do bem amar que a gente colhe
Ao percorrer essa breve vida
Admirando a paisagem
Que nos foi desenhada
Pelas mãos e amor de Deus.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Namorado, namorada, trastes etc e tal

Fica triste não
Tem tanta gente que pensa estar junta à outra gente
Mas no fundo é a própria solidão manifesta.

Namorado, namorada, caso, ficante, amante,
Trastes, coisas fofas, coisinhas, casinhos, namoradinhas,
Outros inhos, inhas et cetera e tal
Qualquer um arruma.

Mas, o amor mesmo,
Aquele que tem o poder de fundir almas,
Só pode ser alcançado pelos corações que fazem por merecer.

Corações que estão dispostos, realmente disponíveis,
Pois entenderam a pureza de Francisco
Que falava ao vento e para todas as criaturas
Que é mais importante amar do que ser amado,
E assim respeitar e tocar com o espírito
A santidade do espírito do outro.