sexta-feira, 24 de setembro de 2010

As cores da Polaca

A Polaca de pele rosada
Passeia pelo jardim
De roseiras enfeitado.

Dá-me a flor do cabelo,
Peço,
Dá-me a flor, dá-me.

O azul dos olhos da Polaca
É meu céu em contraste
Com o vivo rosa a cobri-la:

Tu és rosa, Polaca!
Tu és foda, Polaca!

Pois no desejo de amar
Finges um não querer
Que se traduz por sim e sim
À sombra das cerejeiras.

Amas assim
Desesperadamente
E pedes a mim,
Entre gemidos,
Nova tatuagem
Na macia pele,
Intensa
E impressa
Por carinhoso
E vermelho tapa!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Teatro


Desfaze-te dessa máscara teatral
Ganha quando te disseram adulto.
A falsidade não frequenta teatro,
Porém, interpreta maus personagens.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Domingo

Levantar bem cedo,
No domingo,
Dando bom-dia
Aos passarinhos.
Passar café...
Beber aos golinhos...
Eita vidinha
Que passa voando!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Inutilidades

Remexo coisas esquecidas...
Organizo quinquilharias
Em amontoados de inutilidades.

Estilingue de infância,
Bolas-de-gude,
Um espelho trincado,
Pregos enferrujados,
Parafusos,
Chaves de antigas casas,
Chave de desabitado quarto,
Um travesseiro sem uso...

No meio dessas coisas, o tempo perdido,
Horas dedicadas ao que não tem valor,
Anos guardados em baús renunciados,
E tua fotografia sem cor, sem saudade.

Fórmula secreta

Senti ontem teu perfume em outra fêmea
E desisti de continuar o que nem havia começado.
Como explicar à infeliz criatura que tua essência
Fora violada em sua fórmula secreta,
Feita de flor de laranjeira, rosas em pétalas
E raros óleos do Oriente Médio?
Como explicar que guardava nas narinas
Teu cheiro de êxtase, único e intransferível?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Efêmera

Felicidade, tu que és
A mais efêmera
Das efemeridades,
Passa teus braços
Por sobre meus ombros
E serve-te deles
Como travesseiro.
Fica aqui noturna ave
E dá-me sono quieto,
Em que o sonho
Seja de ti repleto,
Porque sonhar
É o que de graça
Ainda me resta
Além dos corvos
A rondar-me
Os pesadelos.

Banzo e saudade

Não sei se sofro de banzo ou saudade.
Porém, trago em mim melancolia guardada
A compartilhar antigas lembranças de adeuses
Choradas no Tejo e no Atlântico dispersas.

Melancolicamente meus olhos choram
As tristes naus e caravelas naufragadas
Que a porto ensolarado algum chegaram
Por imperícia e má sorte deste marinheiro.

Em vão tento alcançar os mágicos e longínquos continentes.
Terras virgens olvidadas, sonhadas em noites passadas,
Esquecidas das cartas náuticas e dos mapas supressas.

Em banzo e saudade nas minhas lágrimas Magalhães navega,
Vasco segue com a lusitana vela de proa enfunada por Netuno...
E desisto, pois a boa esperança não é norte neste mar soturno.

domingo, 5 de setembro de 2010

O juntador de sílabas

O sujeito é um empilhador de palavras.
Qualquer novo som ouvido
Torna-se um rugido
Desenhado em letra de domingo
Em mais um inútil livro
Financiado pela Lei de Incentivo
À Cultura dos incultos imbecis;

Lei infalível que os políticos criaram
Para garantir a ausência de críticas
Da "intelectualidade" e acadêmicos
Aos podres poderes constituídos.

Em troca, pelo silêncio consentido,
Deram aos verdugos da nobre arte
A possibilidade deles viverem
Em eterna vagabundagem
Custeada pelos impostos
Surripiados aos iletrados,
Povo anêmico e faminto.

Na realidade, o "escritor" de quem falo
Sempre se fez um gozador,
Porque diante da pilha de letras,
Arranjadas sem guardar sentido,
Anuncia aos quatro ventos:
- Escrevi mais um neopoemanovo;
Poesia neomerdística
Feita nas coxas e parasita!

E os trânsfugas da inteligência,
Meus colegas de imprensa,
Os maus neocríticos literários,
Da neo-arte e outras neosandices,
Saúdam o amontoado silábico
Como quem saúda e aplaude
O neopalhaço no circo:

- É um novo Bilac!
- É um novo Camões!

Por não terem estudado a gramática,
Avessos aos dicionários
E às sutilezas da inculta e bela língua,
Todos eles ignoram
Que ali está um cara,
Ignorante de pai e mãe,
Um asno parido,
A ganhar fácil dinheiro,
A brincar com as palavras
Como se elas fossem
O que vai dentro de bonito penico:
Sílabas do cagatório das verbas públicas
Que em farta urina navegam, fedem e flutuam!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Céu que nos condena

Estamos todos miseravelmente condenados a viver sob o mesmo céu.
O Sol que dá vida à unicélula nos dá também os dias, as horas, os desalentos.
A Lua a nos inspirar o amor é a mesma a revirar o mar revolto nas tempestades.
O vento que nos refresca é o mesmo que as ondas encrespa e nos fere de morte.

Há muito risco em viver e sonhar como conteúdo desta campânula azulada,
Neste aquário airado que se serve dos elementos para quebrar monotonias,
Nesta angústia de querer se adiantar ao imprevisto já predestinado pelos deuses
Que a tudo parecem governar em inúteis e descuidados gestos, em preguiça divina.

Talvez, o céu nos caia por sobre as cabeças como adivinhavam bárbaras profecias.
Estaríamos assim libertos do cativeiro, do túmulo moldado em ancestrais eras.
Flutuaríamos, por certo, na liberdade dos espaços a comunicar nossos desesperos.

Talvez, o céu nunca saia de seu lugar e deixe de cumprir seu estático destino,
Pela eternidade há de sustentar as estrelas para nosso boquiaberto e tolo êxtase.
Assim, eterno, o céu nos lembra que somos apenas o infeliz arranjo de brevidades.