domingo, 28 de fevereiro de 2010

Todos os e-mails de amor...

Escrevo-te e-mails instantâneos
Tão ridículos quanto as cartas de amor
Do tempo de Fernando Pessoa.

(Escrever coisas de amor
Será sempre esdrúxulo a qualquer tempo)

Criatura, hoje não há mais carteiro!
Meus e-mails trafegam pelo ciberespaço
E, miseravelmente chegam, talvez,
Ao imaculado juízo de teus olhos
Não mais em mal traçadas linhas;
Sem perfumes, sem pingos de lágrimas.
São elétrons ridículos a falar de amor
E que temem a despropositada tecla delete
Ou o simples esquecimento na tua Caixa Postal.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Os mortos não sangram

Triste menina, arma-te com a armadura de Joana,
Empunha a lança da esperança que te faz jovem.
Não dês demasiada importância ao sangue de teus joelhos,
Cair nos é tão comum e somente cai quem em pé caminha.
Apanha este sangue com as mãos em conchas
Esfrega-o no rosto e sente seu calor.
Este rubro esteve há pouco em teu coração
Conhece a ti, pedaço por pedaço.
Nota como ele está quente e fresco,
Saiu do teu corpo para avisar
Que tu pertences a esse mundo indecifrável,
Detestável às vezes, porém por si, maravilhoso!
Mundo que só deixa sangrar os vivos,
Porque os mortos já não mais sangram.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Miragem em bytes

Vi teu rosto ontem na tela do computador
E desde então considero-te verdade.
Sim, já havia te visto antes
Belíssima miragem;
Até falei contigo, tomamos cerveja,
Criticamos esses velhos-novos tempos,
A falta de diálogo,
O homem automático,
O homem expresso em bytes
De oito bits e coração zero.
Mas precisava disso,
Ver teu rosto no computador ontem
Para perceber-te em verdade e real.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sabedoria do rio

Ah, esta incrível mania, amigo,
De querer saber donde o rio vem,
Em que lugar vai ter e desagua!
Toma de sua água
Se isso te agrada.
Banha-te nele
Se isso é de tua vontade.
De onde ele vem
E em que lugar ele vai dar
São mistérios da sabedoria do rio,
Algo, velho amigo,
Algo que nunca vamos alcançar.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Devassa

Teu beijo, amor meu,
É a mistura de finas essências,
A quintessência da loucura.
Tem o frescor da água pura
E a violência da tempestade
A surrar um campo de trigo.

Mas, ao sentir-te melhor, amor meu,
Vejo que teu beijo
Tem um leve amarguinho de fundo,
O amargor do lúpulo do coração
De todas as fêmeas.
É por isso que te bebo
E vivo embriagado de ti.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Valéria de alma tatuada

Valéria ficou louquinha.

Louca de dar tapinhas
Em mosquitos imaginários,
No noivo que não existe
E na bochecha roxa do própria face.

Valéria ficou doidinha.

Encantada noutro mundo,
Ela deseja tirar a velha
Torturante tatuagem d'alma:
Um anjo de asas curtas,
Genuflexo e suplicante.

Valéria não quer a castidade.

Aliás, ela nunca desejou tal santidade.
Valéria, a louca Valéria,
Quer casar dez vezes em Coimbra.
Dez vezes sim! Dez vezes
Para que seu noivo dela não se esqueça!

Valéria diz que seu anjo agora ri.

Ele gargalha de verdade,
Pois tal criatura celestial
Já não lhe é apenas um rabisco n'alma:

O querubim ficou louquinho.

Ele cedeu suas asas aos mosquitos imaginários
Genuflexos e suplicantes por suas vidas
Ao pressentirem da doida o doidinho tapa!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Colo

Pedi seu colo
Para repousar
Meus sonhos
Tão avoadinhos:
É medo, amor meu,
De sair, assim,
Voando também!

Exatidões

O relógio do tempo
Que nos gasta
Tem estranha
Preferência
Por horas exatas.

Em latim:

Exactae

Temporis clepsydra
Cujus nos consumit
Insolitae primae habet
horis exactis.

Matinais II

Um dia de luz difusa
Com caras confusas

Dá-me a tua mão
Dá-me teu coração

Vamos sair,
Jogar nossas vozes
Pela calçada inda calada.

Acorda os vagabundos
Que dormem em travesseiros de pedras:
"Acordem! A vida é leve,
Os sonhos é que são pesados".

Matinais I

Já me condicionei e,
Inevitavelmente,
Acordo as cinco horas da manhã.
É lógico que não há sol,
Mas a contragosto
Todo santo dia, às cinco,
Estou abrindo as janelas.
Dou adeus às estrelas últimas
E respiro o ar matinal.
Gosto disso, esses elementos
Acordam-me antiga e certa certeza:
O viver é de uma repetição
Para lá de medonha.
Ao longe, muito longe,
Escuto insistente galo urbano.
O miserável canta na manhã a se tecer.
E no topo das árvores
os pássaros planejam
A revoada. Que confusão danada
Para decidir o que sempre fizeram:
Voar na incerteza do dia.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Safadeza universal

Miserável poeta que procura sentido
Nesta sublimação do nada que diz ser vida;
Sinto muito, mas essa busca é vã,
Se há algum sentido, ele por si só não se explica.
Como encontrar sentido naquilo que começa
E, inevitavelmente, desaparece?
Como explicar este tosco existir
Num minúsculo lapso temporal que nos foi concedido
Pela eternidade, com a permissão
E a divina indiferença dos deuses?
Como, torturado amigo,
Justificar essa safadeza universal:
Ser por um tempo para não ser mais no tempo?

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Os olhos da alegria

É, meu amigo, no frigir dos ovos
Quem acaba por se danar é o frango futuro;
Aquele que nunca será!
Portanto, enfeite sua alegria momentânea
Com os brincos da mais linda mulher,
Com os olhos fumegantes de uma fêmea no cio.
A alegria vem e passa,
Torne-a pois, amigo - há de ser assim - bela.
Mas não lhe dê apenas a beleza vulgar,
Que por si só há de ser desencanto.
Dê a ela as suaves notas de um canto
Composto para o sono dos anjos.
Recompense-a,
Porque esta alegria será lembrada
Por você, caríssimo amigo,
Apenas como a raridade
Que nasceu neste cipoal de tristeza
A nos cercar neste caminho tão breve
Que termina ao nos despedirmos da vida
De supetão, quase sempre sem nos dar tempo
Para um mísero adeus, ou um aceninho que seja.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Porrada

Sabe desses dias em que você acorda mijando fora do vaso sanitário?
Fui até a sala e vi as duas torres de Nova Iorque fumando.
- Dor de cabeça! Briguei com a namorada.
"Cadê meu cigarro?"
"O Matheus me bateu!..."
"Não se preocupe minha filha, veja na TV, a humanidade inteira acaba de levar uma porrada!" (11-09-2001)

Efeitos ópticos

Bar.
Ao lado
Retamozzo brinca
Com fenômenos ópticos;
Procura imagens no caleidoscópio
Antes de cantar mais
Uma música boa pra cachorro.

(Mazzinha fala consigo mesmo
E depois canta um esquecido samba
Acompanhado pelo Milani.
- Santo Deus, samba italiano! -
Mazé Mendes não veio,
Por certo, está a desconstruir o mundo
Em suas telúricas telas).

Kambé nos mostra
A cópia impressa de seu último quadro
(Que um babaca comprou
Para enfeitar a parede do escritório).
Cá, deste outro lado da mesa,
Encontro uma lente de aumento
No fundo da garrafa.
Olho para os meus amigos,
Meço-os com a lente verde
E vejo que o coração de artista
Vaza-se em espectros coloridos,
Como um caleidoscópio
A conceber o belo e a beleza
Das almas das gentes.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Agora

Pobre menina,
É impossível voltar
A ser novamente,
O que fomos, fomos:
Em beleza ou sofrimento.
Neste momento,
Resta-nos somente
Ser intensamente o agora
E esquecer o ontem e o amanhã,
Que a rigor, em toda verdade,
Não existem:
Um deixou de ser,
E o outro não nasceu ainda.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

D. Sebastião na claridade de Figueira da Foz

Diviso tão distante Atlântico
E vejo-me em Figueira da Foz,
Luminosa cidade a lamber o oceano.

Sou aqui deste lado,
Deste ocidental mar do desterro;
Mas estou em Figueira oriental,
A juntar minhas lágrimas ao Mondego,
Marinheiro que me faço
Em caravela tropical de puro desespero.

Há em mim a certeza,
No meu peito a esperança,
De que na Praia da Claridade
Dom Sebastião tenha morada;
Vive lá adormecido,
Pois posso ver agora
Sua modesta casa,
Acima de mortais nevoeiros,
Doirada pela luz do Sol
Ou por argentinas noites estreladas.

Ao voltar de dura Cruzada
Acolheu-se ali o soberano.
Quisera El Rey não retornar à corte
Pois, como desejar apenas o brilho dos homens
Se existe tal lusitana praia
Cheia de encantamentos divinos?

Avistara ali, por certo, o rei combatente,
O Desejado dos súditos seus,
Nas areias resplandescentes
O brilho do pó das saudades
Na luzente luz da eternidade
A misturar-se com a criação de Deus.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Asas noturnas

A noite liberta de meu peito todo carinho
Que voa, voa... Até encontrar o seu coração.

Aninho-me nele e sonho suavidades
Ouvindo sua canção a compassar carícias
Doces e eternas como o beijo da saudade.