quinta-feira, 30 de novembro de 2006

A mortalha de retalhos

Não se lembra quando, mas
A certa altura da vida começou a tecer uma mortalha com antigos trapos
Panos sobrepostos, costurados com pontos miúdos.

Engraçado, a mortalha, ano a ano,
Ficava menor
O envelhecer lhe encolhia o corpo
Para que pano maior?

Eis, pois, que dia inadiável daria uso para os retalhos juntados
Eis, pois, que esse dia lhe traria todos os silêncios da terra

Os trapos juntados teriam então sua serventia
Cobririam o corpo miúdo; olhos outros ficariam livre de examinarem
Com atenção demasiada tão triste e feia figura

A mortalha livraria seu rosto dos terrões arremessados pelo coveiro
A mortalha seria sua única e verdadeira obra

Não se lembra quando, mas
A vida pareceu-lhe que era aquilo mesmo
Juntar retalhos e costurar mortalhas para esconder-se dos vivos
Para aninhar-se, com muito jeito, em silêncio, no colo da terra.

(28/11/06).

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