sábado, 5 de junho de 2010

Cirurgia para peito doente


Abrir o peito com uma fina faca
E dele retirar a alma em essência.
Será isso um procedimento cirúrgico
Para conhecermos quem nos habita
Há tanto tempo, o tempo todo.

No começo,
Ela, a alma, aparecerá fetal,
Ligada pelo cordão umbilical
Ao que nunca entenderemos de fato,
Aos deuses que nos conceberam,
Aos demônios que nos forjaram,
Aos infinitos que nos impõem susto e medo.

Depois, a alma
Será criança curiosa.
Chamará a si os sentidos
Para sentir o mundo
Ao tatear os elementos:
Sentirá no rosto o mistério da chuva,
O frio do vento que a tudo leva
E será arrastada também, sem rumo.

Depois, a alma
Será a adulta dúvida de si,
Esquecerá sua natureza etérea,
Assumirá a dureza dos concretos
Que cegará aquela fina faca
A nos libertar do nosso próprio peito.

Assim,
Os homens que conhecem suas almas
Estão curados e se privam da loucura.
É fácil reconhecê-los:
Portam no tronco estranha cicatriz,
Ferida mal fechada, mal costurada,
Mas que lhes devolveu a sanidade.

Não pense escapar,
Não há como fugir do cirurgião,
Todos estão fadados
A essa incisão terrível.

É certo,
Que alguns não devem suportar
A ausência dos anestésicos
E o inevitável encontro
Com a essencial fragilidade
Imaterial que nos faz vivos.

Amolemos nossas facas nas pedras em que tropeçamos.
Afinal, do que nos serve a vida, se desconhecemos
O mistério deste sopro divino que nos habita e sustenta?

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