quinta-feira, 5 de março de 2015

Os nomes da morte

Num tempo que já vai distante
E de fingido respeito
Chamava-se "passamento" 
A morte de algum sujeito
E nas rádios, depois da Hora do Angelus
Debulhavam-se lágrimas 
E votos de pesar à família enlutada
Pelo branco e maquiado defunto 
Que tinha passado desta para melhor
E que agora estava em câmara ardente
No próprio e derradeiro velório

Enquanto as beatas na sala fofocavam:
"O desgraçado deu adeus ao mundo!"

O padre arrematava: 
"Entregou a alma a Deus"

A viúva em suspiros já tinha saudades: 
"Apagou a vela de vez!"

Os bêbados, que nem conheciam o morto, diziam em coro:
"Foi para o beleléu"
"Bateu as botas"
"Foi para a cidade dos pés juntos"
"Esticou as canelas"
"Foi comer capim pela raiz"
"Empacotou"
"Vestiu o pijama de madeira"
"Foi para o além"
"Virou presunto!"

A sogra comemorava:
"Foi bom, parou de sofrer, já estava na hora extra!"

E num canto, um chifrudo do defunto, com despeito, em rogo praguejava: 
"Bem feito, entregou a alma pro diabo!".

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