sábado, 29 de novembro de 2014

Vento de novembro

Há um vento nesta manhã de novembro
Penúltimo suspiro deste ano quase morto
Que carrega em frieza aos túmulos das calendas
Tudo que aqui fizemos de direito ou torto
E eu que tenho meus anos para lá da metade
Ainda ando pela calçada a respirar este ar infecto.

Viver, eis o mandamento

Vive! Eis o mandamento que se faz urgente!
Pois tu não poderás nunca voltar ao ventre de tua mãe
E jamais evitarás a terra sobre tua cova!

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Amor neolítico (em espanhol)

No somos de este falso tiempo, íntima amiga,
Por los dioses fuimos prestados a esta época de bárbaros
Prehistóricos de saco y corbata.

En tardes de sol perezoso, de nubes llorosas,
Tú con sandalias a la griega
Y yo contando las horas como los sumerios.

Huimos del shopping hecho de piedra
Y para no olvidarnos de nuestro pasado neolítico.
Marcamos encuentros debajo de los árboles.

Allí somos lo que somos, naturalmente fieras
Buscando el amor en ahogados gritos y gruñidos
Arrancados al lenguaje de los amantes primitivos de otras eras.

(Versão para o espanhol de Félix Coronel)

Vadio Poema

No meio de um relatório técnico
Apresenta-se um vadio poema
Que ignora a hora imprópria
E suplica-me que eu abandone
As asperezas dos números
Os salamaleques dos ofícios
E preste atenção na réstia de luz
Invadindo a sala, meus olhos
E que dá vida até mesmo
Às letras embrutecidas
Das minhas aborrecidas estatísticas
Sorrio e faço uma pausa
Às favas o relatório - berro
Porque meu mundo é o verso!

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coração morto, Saudade viva

O Sol se põe
E a Saudade acorda
Vem de mãos dadas com a Lua
E nos acha
Mesmo que tudo se faça escuro
Vem e se instala
Num porta-retratos
Num antigo perfume
Em miudezas esquecidas...
Na noite, até em corações mortos
A Saudade é viva.

Da autenticidade

A autenticidade tem o seu preço: os falsos, os dissimulados, os vaidosos e os fracos de espírito terão por ti inveja e ódio eterno. Inveja porque tu vives de verdade e pela verdade. Ódio porque tu desmascaras a mentira em que vivem. Mas nem tudo está perdido, sobram uns poucos, os quais, iguais a ti, têm a verdadeira alegria e bondade no coração. Humanos que entenderam parte do significado do que é ser humano - plantar o amor sem esperar colheita, ao mesmo tempo em que se preparam para a última jornada sem poder levar bagagem, mentiras acumuladas e forjadas no sofrimento alheio, fortuna ou dinheiro.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ensinamentos de meus cansados pés

Chamam-me louco por não fazer o que todo mundo faz
Mas, aprendi com os meus cansados pés
A caminhar contra a multidão

Sei assim, que poucos são os cientes da própria existência
E, principalmente, de sua finitude
Se não são cientes, são inconsequentes
E passam por este rumoroso vale
Igual rebanho satisfeito com o pasto
Mastigando o capim da ignorância plena

Louco seria, se caminhasse com gente assim.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Versos Noturnos

Como não se alcançar 
Plácida calma n'alma
Ao se escutar Chopin... 
Polonaise... Noturnos... 
Impromptus?
Como não sentir poesia 
No vazio das pausas 
E nas sonoridades 
Das suaves notas?

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Salve, ó condenados

Salve, homens condenados à morte
Desde que respiraram o primeiro átomo de oxigênio
E se fizeram vivos neste vale de expiações
Salve, todas as loucuras decorrentes do delito de viver
Salve, todas as distrações para disfarce desta nossa medonha sorte
Salve, meu amigo, testemunha deste infortúnio e dele inexorável vítima
Salve, luz de Primavera que nos alumia, e nos faz ver magníficas flores
Que enfeitam a paisagem dos que ainda aqui estão
E as frias mãos dos que não mais respiram e já não são!

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Arrogante arte

Alguns artistas praticam o ofício da arrogância
E dizem com muito marketing que só deles é a arte
A qual embeleza e dá sentido a este mundo
O mundo por si só é belo, divinamente belo
Sou contente em apreciá-lo e descrever sua beleza apenas
Ah, se soubessem o quanto é impossível superar
A arte contida num mísero e efêmero raio de Sol!

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A mulher do poeta

Dante amou Beatriz e a transformou na musa da musas ao eternizá-la na Divina Comédia. Consta que o poeta a viu não mais do que duas vezes e dela não obteve palavra, somente um sorriso. Beatriz morreu jovem e Dante casou-se. Com o tempo, o poeta descobriu que havia escolhido mal, sua mulher tinha o comportamento vulgar e era o que hoje chamamos de fofoqueira. Assim, voltar para casa para ele tornou-se um martírio. A vingança de Dante, creio, foi nunca ter citado a megera em seus versos.


II


O poeta John Keats descrevia assim a paixão de sua curta vida, Fanny Brawne: "Carece de sentimentos em todos os traços (...) A boca é má e boa. Os braços são belos, as mãos um pouco feias e os pés toleráveis. Porém é ignorante, de conduta monstruosa (galinha), fugindo em todas as direções". Mas, Keats não deixou suas impressões sobre a moça depois de sua tragédia pessoal -- Miss Brawne, devotamente, cuidou dele por um tempo, antes de sua morte provocada pela tuberculose.

III

Realmente, um monstrinho que sabia ferir a alma alheia. Poeta satírico, Alexander Pope possuía os braços e as pernas como uma aranha, com peito de pomba e corcunda. Embora galanteador, bem resolvido financeiramente, o que é raro em poetas, Pope tinha dificuldades óbvias com as mulheres por sua triste figura. Apaixonou-se pela Lady Montagu, que o repeliu em escárnio e gargalhadas. Pope jamais a perdoaria e até o fim de sua vida atacou Montagu e seus amigos em versos terríveis. Pope não se casou, mas concedeu seu afeto à Marta Blount, amiga da juventude que, por piedade ou amor, desfrutou até o último dia a intimidade do poeta.

IV

A vida de Edgar Alan Poe foi tão espantosa quanto seus versos. Poe perdeu os pais, foi adotado por rica família e deserdado ainda na juventude, em função de seus vícios. Expulso desonrosamente da academia militar de West Point, não se firmando em emprego algum, casou-se com sua prima Virgínia de 13 anos. Bêbado, jogador e acusado de plágio, Alan Poe rolou definitivamente na sarjeta após vender os direitos de sua maior obra, "O Corvo", por apenas 10 dólares e perder a sua tão amada Virgínia em condições miseráveis. Ela rompera um vaso sanguíneo da garganta numa apresentação de canto e durante seis longos anos agonizou, lançando o poeta num mundo escuro e místico. Poe se entregou definitivamente à bebida e, em breves momentos de lucidez, chegou até mesmo a noivar com viúvas. Morreu num hospital, recitando apenas dois versos inteligíveis: O God!... Is all we see or seem/ But a dream within a dream? -- "Ó Deus!... Tudo que vemos ou julgamos ver/ Não passa de um sonho dentro de um sonho?".




terça-feira, 4 de novembro de 2014

Aullido de perro loco

Mi poesía cultiva antigua costumbre
Con gritos me despierta de madrugada
Y sin ceremonia me ordena cantar
Nuevos cánticos para estar animado

No quieras escuchar, Cariño mío
Los gritos de mi poesía nocturna
Es aullido de perro loco, airado
Aullido de susto, de alma en pena.

Por eso me levanto de la cama despacio
Y voy a la biclioteca a escucharla solo
No quiero despertarte, Cariño, no quiero
Pues no sabré explicar lo que me desvela.

Ella viene y me dicta cosas imposibles
Otras veces, muchas veces, terribles
palavras sueltas, versos enjutos
Al describir bultos y monstruosidades.

Pero en la mañana que sigue me vengo
Y tomo todos aquellos versos de miedo
Y los transformo en algo calmo y bueno
Como la suavidad de tus leves besos.


(Versão para o espanhol de Félix Coronel)

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Adeus no Verão

Foi numa tarde de vento morno e sóbrio, própria para fotografia
Triste, tu caminhavas pela praia dos Ganchos
Um mar divinamente verde, barcos descansando
E eu fazendo-me pedra, tornando-me esquecida paisagem.