domingo, 30 de maio de 2010

O homem que rumina

A minha alma é um túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!
Florbela Espanca

Que prazer há em mastigar o vento?

Onde dormem teus segredos e destino,
Nas linhas de um diário não escrito,
Nas folhas das árvores não nascidas,
Nas palhas arrastadas pela ventania?

Que prazer há em mastigar a escuridão?

Onde dormem tuas desumanidades,
Nos cadáveres de teus dias despropositados,
Nas auroras e crepúsculos repetidos,
Nas indiferenças que te cegaram completamente?

Que prazer há em mastigar as horas?

Onde dormem tuas essências,
Nos livros nunca abertos e jamais decifrados,
Nos gestos corretos e impossivelmente manifestos,
Nos distantes brinquedos que te permitiam o sonho?

Que prazer há em mastigar a própria língua?

Onde dormem tuas múltiplas faces,
Nos baús dos deuses da tragédia ou comédia,
Nos afazeres sem sentido que te absorvem,
Nos pesadelos de morte que te apavoram?

Que prazer há em mastigar a ti mesmo?

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