Olho para a cadeira vazia
E uma alucinação contente
Enche-a de ti
Teus cabelos formam um espectro
De vidro negro transparente
Teus lábios movem-se
E dizem-me coisas indecifráveis
Que guardarei como um papel velho
Com um endereço importante escrito a lápis
Amo estas horas em que estás comigo
É o que me sobrou da vida
Os meus dias nada são
Além de um longo esperar
Espichado pela tua falta
Tudo nessa casa cheira a mofo
Os móveis estão velhos
E os meus sonhos mofam
Com meu último paletó de festa
Amo (ainda consigo!) amo a noite
Pois ela me dá esta visão
Não há mais cadeira vazia
Tu estás ali a falar comigo
Quando faltaste, fiquei dias
A olhar para a cadeira de balanço
Vazia, inerte, vazia, inerte, vazia
Não. Não fui ao cemitério
Fiquei apenas ali olhando
A cadeira vazia, tentando
Catar os pedaços, os pedacinhos
De vida que, sem ti, a vida fez mofar.
Caminho todos os dias
Pelos nossos antigos caminhos
E sinto teu braço
Junto ao meu...
Tua respiração difícil
Pedindo para descansar.
É início de outono
E o ar que nos envolve
Prenuncia uma solidão
De séculos
Tua voz sai fraca
Num hálito de morte
Pede-me um lenço
E que eu cante a ti
Um poema de Florbela.
Uso meu sotaque português
(Aquele que jamais tive)
E num soluço
Canto dois sonetos
Ao pé do teu ouvido
“Leve-me ao médico”
E desespero-me
E atendo-te
À noite carrego-te para casa
E tu naquela cadeira...:
“Cante Florbela...
Quero ouvir a poeta....”
“Tinha o manto do sol... quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de ouro despedaçou?!”
Não. Não fui ao cemitério...
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