sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ela: o vazio

Comento novelas, falo de filmes adocicados
Leio um livro e tento manter minha mente ativa
Faço compras no shopping, ligo para uma amiga

Roupas para mostrar-me bela aos embasbacados
Um sapato novo para novos passos ao desconhecido
E um batom quente para o beijo que trago guardado

Mas tenho nos olhos velha tristeza dos entristecidos
E braços fortes que ganhei à custa das despedidas
Para abarcarem o nada que acompanha os esquecidos

Espero assim que a Sorte dê outra sorte a minha vida
E desfaça o desbotado bordado desses dias tecidos
Com as cores da monotonia que me fazem tão aborrecida.

Ele: o vazio

De tempos em tempos Baco me convida...
Quer-me em riso, entorpecido, alienado
Narcotizado, feliz com essa minha vida

Meus amigos acompanham-me obstinados
Na esperança de esquecerem suas misérias
Neste mundo no qual estamos aprisionados

Em tal momento o real não é mais a matéria
É o doido gesto do suicida que se deseja vivo
E tolamente se mata por inexistente vida etérea

E no final da festa em que vivo ainda prossigo
Sinto no peito o frio vácuo de todos os abismos
Dessa falsa felicidade, pois não sou contigo.

Ela: os olhares

Uns me olham com os olhos da carne
Desejam-me por brevidades, por momentos
Querem-me em suas vidas como experimento.

Outros me olham com os olhos da utilidade
Desejam-me útil para preencher vazios
A breve brevidade em ínfima eternidade

Outros me olham em profunda indiferença
Para esses sou o nada na paisagem do caminho
Aquilo que se vê, mas não se vê serventia

Desses também ignoro tudo, não preciso deles
Não quero o olhar que me tire a roupa do corpo
Somente desejo os olhos que me deixem a alma nua.

Ele: os olhares

Os olhos mostram os espíritos das pessoas
Quando miro alguém, procuro o fundo dos olhos
E só então vejo sentido na alma que se me apresenta

É nesta hora que saberei de teu nome e existência
Porque até então tu eras-me um olhar ausente
E tua alma na minha alma não se fazia presente

Gasto assim a minha vida cruzando olhares
Sigo a multidão vendo-me em retinas
Umas em ternura, outras em distanciamentos

Nos olhos que são escritos o que se é e deseja
E ler tais livros vivos é que nos faz viventes
Pois só sou vivo se teus olhos me sentem.

Ela: a procura



Como saber-me viva se ninguém mo diz?
Como saber-me viva e necessária?
Como saber-me viva nos braços do vento?

Há no mundo uma vontade do encontro
O criado, posto que separado,
Sente saudade do tempo que se fazia junto

Por isso as coisas e as gentes se procuram
Obedecemos à vontade universal
Que nos pretende e nos quer de mãos dadas

Mas não pode ser qualquer mão nas minhas mãos
Há de ser aquela que ao roçar-me os dedos
Dê-me a certeza de que meu coração abarque.

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Ilustração: "Nua sentada num divã" ("La Belle Romaine"), de Modigliani.

Ele: a procura


Não fomos feitos para a solidão
Do outro que vai ao nosso lado
Precisamos sempre da eterna opinião

Sem essa companhia na caminhada
Não temos a quem comunicar
A beleza e os perigos da paisagem

Sim, há os que pensam caminhar só
Mas há aí um monstruoso engano
Pois estão no meio de uma multidão

O segredo é procurar a companhia certa
Que tenha conosco o mesmo passo
E o olhar no mesmo ponto do infinito.

Efemeridades


Sou água em calmo lago
Que sofre de longa melancolia
Pelos dias em que foi tempestade

Na juventude que me aqueceu
E deu-me o cetro entre os meus
Já habitei os céus e as nuvens

Mas que efêmero rei, que reles deidade,
Que me tornei nesse tempo de efemeridades
Sem saber que perdia a breve mocidade

C
H
O
V
I
Sem sorte até perder a intensidade
Até acabar-me nesta calmaria de morte
Feita com as gotas de todas as saudades.

As rosas que morrem


Cultivo um jardim
Para a vida breve da rosa
Cultivo um jardim
Para a eterna alegria de teus olhos

A rosa vai morrer
O próprio jardim é seu feliz cemitério
Assim, ao cultivar o belo, expresso meu desejo 
De que a eterna alegria que dou aos teus olhos
Tenha em tua alma magnífico túmulo.

Mármore


Amofinam-me o comum
E os rostos de mármore
Que fingem respirar e viver.