terça-feira, 30 de setembro de 2008

Quem lhe prendeu, Menina?


Tenho pena de você, minha menina,
Que faz da solidão irmã e sina.
Que triste pássaro este que não voa,
Bem acostumado ao medo e à prisão.
Vi você, menina, solta em finais de tarde;
Que nuvem escondeu o caminho
De sua alegria, de sua louca vontade?

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A doença do verso

De vez em quando, poeta,
Só para justificar a lida,
Deixe seus versos
Ficarem doentes.

Doentes de amor.

Poeta que disso não fala,
Que sobre o amor não escreve,
Não é poeta, é um escrevente
Arranjador de sílabas.
Tão vazio... Tão demente.

O amor é a poesia.

No verso, na entrelinha,
Mesmo que não aparente
O amor há de ser presente;
Mesmo que desta doença
O poema não experimente.

Remansos

Quando a noite chega
Meu coração em paz se faz
E tu me abraças
E tu me beijas
E comigo ficas
És a minha canção de ninar
Que me distrai a madrugada
E teus braços são remansos
Que tiram-me do calor da batalha
Aquecem-me noutra peleja
Na luta que vale a pena
Diz-me: "Sou tua"
Transformada no único sentido
Deste coração quase sempre ausente.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Minúsculo instante

Rio de quem se faz ontem.
O ontem já não é mais.
Rio de que se faz amanhã.
O amanhã ainda não é.

O primeiro é o desfeito,
O segundo vai se fazer.

Por isso, sou o agora,
A hora que me fez e que eu faço.
Pois só existo
Neste mínimo
Minúsculo instante.
O ontem é a somatória
Desses mínimos.
É apenas uma conta
Que deve ser atualizada
Nas memórias,
Nas tábuas d'alma.
O amanhã é a conta
De fazer chegar.

O hoje, nesta agora-hora,
É o eu antigo somado a eu:
O que foi e mais este tempo
Subtraído do que será.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Canção dos bytes


Este poeminha temporão
Sairia de dentro da caneta
Mas, o azul da tinta aviza:
- Rabiscarei nada não!

Pobre poeta,
Que tem que domar
Um poema revoltado,
A caneta que não escreve
E apelar para o teclado.

Deus salve o Século XXI
Que nos deu tecnologia
Para escrever
Com as pontas do dedos
Tudo que vai na caneta vazia.

Agora minha palavra
É um aglomerado de elétrons
Na tela do computador.

E minhas memórias
Se gravam em bytes,
Um Giga de horror.

Salve, santa tecnologia!
Pois, pode nos faltar a tinta,
Que nos falte a caneta,
A veterana ponta do lápis,
Mas, pelo amor do bem sagrado,
Que nuca nos falte a dita,
Da nova técnica o agrado,
A sacrobendita eletricidade.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Noite vadia

Atravessei ontem a cidade.
Gosto de fazer isso à noite,
Nesta hora somos inexatos
E inexata a cidade dorme.
Vi um jardim sem flores,
(É Primavera creio eu)
Árvores desfolhadas
E um cemitério sem almas.

(Estendi as mãos,
Buscava estrelas,
E as mãos tornaram-me
Molhadas de orvalho)

A rua, lá do Bom Retiro,
Tinha cheiro de jasmim.
Ao longe o som de um tiro
Tinha a claridão da morte.

(Pelo menos alguém dará vida ao cemitério)

Um cão tentou fazer-me em susto
Latiu, rosnou e depois calou-se.
Com certeza, para ele,
a pena não valia:
Latir para quem,
Se junto de mim nada havia?

Só, vadiei pela noite
Assustando os cães,
A cutucar o céu
Para ver se alguma estrela caía.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Negativa I


Não vagarei pelo mundo
Chorando minhas mágoas
Minhas mágoas chorarão por mim.
Não. Não duvidarei de Deus
Quem sou eu!?!
Deus há de duvidar de mim!
Não. Não serei do todo a parte,
Do início a morte,
A dualidade de mim.
Serei apenas eu,
O espectro do espectro
De uma dimensão ruim.
Não vagarei pelo mundo
Chorando minhas mágoas
Minhas mágoas chorarão por mim.
Não. Não duvidarei de Deus
Quem sou eu!?!
Deus há de duvidar de mim!
Não. Não serei do todo a parte,
Do início a morte,
A dualidade de mim.
Serei apenas eu,
O espectro do espectro
De uma dimensão ruim. . (1994)

Sussurros

Sua voz é vento leve a carinhar a flor
Leve, suave, leve, suave, leve...
A sua voz é o balanço
De alegre criança
Em sua primeiríssima
Manhãzinha de Primavera.

Brinquedo dos desejos doces,
Aquilo que vai entre o querer e o sentir,
Sua voz, brisa mansa, leve vento,
Leva-me adiante
Num rouco sussurro
Para muito, muito além de mim.

Conversa mole


Caronte, prepare o barco
E não conte com minha ajuda
Na vida fui ruim ao remar

Caronte, empreste-me o barco
Quero conhecer este Aqueronte
Já que para adiante não há esperança

Caronte não tenha pressa
Vamos bater um papo antes
Quantos já estão na outra margem? ...

Caronte, não tenha pressa
Não se desgaste, antes ou depois
Será o mesmo trabalho

Caronte, conte-me de Virgílio
Diga-me como anda Dante
E seu anjo beato, Beatriz

Caronte, determinado barqueiro
Faça-me um último favor
Dê-me de comida ao Cérbero

Caronte, atenda-me!
Adiante!! Pois não é pecado
Desejar uma segunda morte.

Estrela desbotada


Vejo a noite estrelada
Concebida por Van Gogh
Quanta verdade
Nessas pinceladas escuras
Curvas, espiraladas
Sobre uma cidade
Sem sentido
Repousando sobre todos
Os fluidos dos céus
Quisera o poeta poder
Injetar cores nos versos
Tudo seria mais inteligível
E os sonhos poderiam
Ser descritos apenas
Num piscar da estrela
Que nunca se deixou pintar
Nem mesmo por Van Gogh.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Estranha


Cadê a mulher que tinha um sorriso ganha-mundo?
Cadê a mulher que tinha os olhos do querer?
Cadê a mulher que vivia dentro de você, mulher?

Hoje, uma estranha dentro de outra estranha
Sem riso
Sem mundo
Sem querer

Cadê a menina que tinha o rosto banhado em orvalho
E que com o algodão das nuvens o enxoval tecia?
Cadê a menina que havia por entre as estrelas
Com os raios de luz o próprio nome bordado?

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

História de Anita

Lá - observe aqui do alto:
Naquele prédio
Levantado no horizonte
Aconteceu uma morte ontem
Sofria dos nervos a mulher
Sofria de viver

Anita teve sono
Ligou o gás
E dormiu
Perto do céu
Perto do horizonte
Naquele prédio alto
Dormiu ontem

Anita tinha seus demônios
Que lhe tiravam o sono
Anita inalou gás
E dormiu como anjo
O gás foi seu calmante

Sinistro avessado

"Este menino é sinistro"
- Esquerdo, para que melhor entendam -,
Disse a velha benzedeira
A sacudir os ramos de arruda e alecrim.

E desde então carrego esta sina
De ser amigo do contrário,
De escrever ao contrário,
De pensar ao contrário,
De querer um mundo contrário.

Do direito sou o avesso
E do avesso a vida faço.

Trago no peito desejos miúdos,
Vontades mudas:
Quero do mar a tempestade
Da onda alegre a vaga triste
E no coração sentir
A intensidade da vida
Até no mais puro silêncio.

Trago isso nas mãos calejadas pelos adeuses,
No rosto, escrito no franzir da testa:
Não há um mundo o direito e o completo
Porque nele tudo se faz torto e metade;
Por isso, sou canhoto por inteiro
Porque sinistro é meu coração, confesso.

A medida das almas

Que tamanho nossas almas têm?

Se no bem,
Abarcam o mundo.
Se felizes,
Abarcam o céu.
Se meditativas,
Abarcam o nada.

Mas mesmo assim, acredito,
Que é preciso uma alma grande
Para do nada se encher
E em tudo pensar.

É isso, a alma se pensa
E este pensar,
Que tudo alcança,
É sua medida.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Pássaros raros


Anoitecido sou forte,
Faço susto aos astros,
Brigo com minhas sombras
E, ao largo, boto a fugir as luzes todas.
Assim cansado, deixo de lado o sono
E em vigília terna, no colo, nos braços,
Envolvo os escuros da noite
Como se fossem pombos,
Pássaros raros
Que, contrariado,
Aos céus sempre devolvo.

Mas, de dia, que desastre sou.
Puro medo; medo e horror!
Cedo, topo e tropeço na luz,
Que em fina réstia
Vaza da janela ao quarto.
Asim, iluminado fica este velho corpo
Cansado e desnorteado
Por não saber você
E de você nada ter provado.


Tivesse prestado mais atenção,
Tivesse no seu coração estado,
Tivesse ido além do permitido,
Entrado em sua alma, amado,
Não sentiria este quente arrepio
De tê-la sempre em pensamento,
chama, eternamente ao meu lado.