segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Balaio do tempo



Gosto dessas folhinhas de barbearia
Elas guardam o calendário
O que já foi e o que há de ser
Num susto, suspiro último
Feito navalha na jugular
Antes do próximo fio de barba crescer

Mas, o que eu queria dizer
É que eu gosto mesmo
É de suas antigas vulgares pinturas
Impressas, estáticas,
Paradas, mudas,
Sem nada marcar
Sem nada delinear
A não ser as paisagens

Gosto dessas folhinhas
Que marcam o tempo que passa
Numa gravura do século passado
Na parede da padaria
(Deus meu, dai-nos o pão nosso de cada dia!)

Gosto dessas folhinhas
Com propaganda do açougue
Da farmácia e da tabacaria
Elas trazem imagens
De um tempo que não foi
Rios que não correm
Ursos que não se mexem
Sol que sempre brilha
Árvores que, mesmo no Outono
Não se desmancham em folhas

Gosto dessas folhinhas
Com cães e gatos
Dividindo o mesmo balaio
Ou crianças de bochechas rosadas
Fazendo uma algazarra sem gritos

Gosto dessas folhinhas
Dessas que enfeitam
As cozinhas das vovós
E que, de tão boquiabertas,
Com o passar do tempo
Acabam em depósitos de pó.

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