Sonhei ontem ter recebido carta tua, grata amiga.
Vê o quão reveladores podem ser os sonhos,
Em especial, esses que conosco envelhecem!
Quem hoje ousaria escrever cartas, estimada minha?
No máximo um e-mail, um SMS, mensagem de celular.
É, o mundo mudou, não há mais Código Morse,
O plec-plec-plec nervoso dos galopantes telégrafos,
Somente há o infotráfego sequencial em óticas fibras.
Somos cidadãos do mundo e instantâneos.
Ganhamos mais tempo para perder mais tempo,
Essa é a verdadeira lei a nos reger os dias.
Mas eis o que te dizia: recebera perfumada cartinha,
Dessas que vinham em leve envelope par avion
E com as bordas nas cores de nossas vidas:
Liberté, égalité, fraternité. (Lembras disso?).
No papel tu descrevias vários países da Europa,
Os cafés de nossa luminescente e belíssima Paris,
Homens preocupados com mais uma crise econômica
E contava que tua missão na ONU estava terminada.
Tudo acabara, requereste aposentadoria e descanso.
A Amércia Central feriu-te e deixou-te o coração fraco,
As guerras no Golfo e nos Balcãs foram-te a gota d'água.
Mas, que sonho triste e besta. Simplesmente, tu não mais existes!
Sumiste na fumaça do ataque a bomba, covarde e terrorista.
Foste e deixaste os velhos sonhos numa carta possível,
Porque somente os mortos podem escrever para os mortos.
E depois, tenho que te dizer, há tempo não abro a caixa dos correios.
Para o bem de minha saúde, desisti completamente de esperar
Neste mundo em chamas, a ranger os dentes, notícias que valham a pena.
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