domingo, 18 de julho de 2010

O pano que nos cobre

Não sei se Bandeira disse, mas deixou latente:
A maioria dos poetas reescreve seus poemas,
Seja logo após escritos, no prelo ou pendentes.
São vestidos de festas que devem ser revistos.

O poeta, alfaiate atento ao pano cosido,
Sabe que sempre cabe um ponto novo,
Um alinhavo, uma lantejoula, uma cava,
Naquilo que há dito, porém obscuro.

Ah! São tantas as festas, tantas divas
Disputando as mesmas blusas e saias,
Que o poeta junta panos com cega agulha:
Corisco no céu a bordar estrelas nuas.

Há poemas que exigem trajes de freiras,
Mui pudicos como anjinhos de sacristia,
Porque falam de coisas de sério respeito,
D'alma, de Deus, da morte e seus ofícios.

Há outros que nos saem peladinhos ou seminus,
Impróprios, na devassidão e luxúria implícitos,
Que deixam a bunda e seios da amada expostos
Porque o amor é para o poeta única sina e vício.

Há poemas que exigem apenas vestes comuns,
São os escritos de exercício, calmos e sisudos.
Para esses, costuramos uniformes de trabalho,
Macacão de operário, ou um terninho rústico.

Mas fato é que, seja a poesia de qualquer tipo,
Ela sempre há de nos exigir atenção e labuta,
Às vezes no temível arremate capenga ou bonito,
Ou nos "as"  despidos da crase, esta filha da puta!

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