sábado, 30 de outubro de 2010

Não desistas de ti

Não desistas de ti,
Desfaz-te dessa pele de tristeza.
É Primavera, linda,
Enfeita teus cabelos,
Tira o mofo do vestido,
A solidão é da loucura a cela.
Vamos sair dessa prisão,
Passear pelos jardins,
Ver o que nessa vida passa
Além da televisão.
Vamos fazer nosso próprio filme,
Escrever os diálogos da novela
Baseada em nossos improvisos.
A vida é resistência, querida,
Bela ou ruim é para ser vivida.
Resiste! Não desistas de ti!

Dá-me um beijo, querida

Dá-me um beijo, querida,
Um só, dá-me.
Longo... Desses em que
As línguas se enrolam
Desesperadamente,
Quentes.
Um beijo, dá-me
E prometo pedir
Ao coveiro
Que me enterre vivo,
Pois a minha missão
Nesta terra
Estará concluída.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O que és tu?



O que és tu?

Infeliz agregado do pó do Universo;
Junção aleatória dos tristes fulgores
Das estrelas que não deram certo?

Uma reunião de partículas que pensam;
A união de canibalescas células
Numa sociedade delimitada num corpo,
Que nasce e morre sem se explicar?

O que és tu aos olhos da eternidade?

O criador de Deus, ou de Deus a criatura?
Filho do acaso e da combinação
Da água com a poeira das pedras
Que o tempo esmaga e consome?

O que és tu perante teus olhos?

Um desconhecido;
Um colecionador de vaidades,
Inclusive a de não se pensar
Parte deste frágil contexto do incerto?
Ou aquele que apenas se maravilha com a criação,
Não é deus e também não se vangloria
De algum deus ter criado;
Aquele que vive enterrado na raiz da árvore
E se sabe pequeno para entendê-la
Em plenitude e verdade?

Chuva da tarde

Chove. Densa é a chuva em teus cabelos
A cascata segue das doiradas mechas
E na tua blusa, na altura do coração
Desagua na pureza que vem dos céus.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O máximo da solidão

Deu boa-noite ao pernilongo
Que lhe sugava o sangue.
Dormiu e anjo algum
Prontificou-se a velar
Seus brancos sonhos.

Topada

Basta caminhar por este mundo
Para saber que o amor é um tropeço d'alma.
Aparece assim do nada, de supetão,
Em surpresa e aflição.
Mas, o gostoso vem depois
Do bendito susto, quando nos dá
Uma puta vontade de gritar:
"Eu te amo, danada!".

Manifesto da poesia de amor



Às favas com as teorias acadêmicas
Que no poema aparecem fardadas
Em continência ao General Abstrato,
Alinhadas e contidas em si mesmas.

À merda os conceitos filosóficos
Que transformam a poesia
Numa miscelânea de teorias
Metasuprafísicas e subjetivas.

Quero falar de amor,
O concreto e o ausente.
Quero ser piegas e barato.
Quero falar de gente!

Quero meu subjetivismo
Tendo um único objetivo
Positivo, claro e expresso
No ridículo "eu te amo".

Quero a filosofia das paixões
(Inconfessas, desenfreadas, rasgadas, descaradas, safadas, ribombantes, retumbantes!)
Presa aos versos amimados,
Simples, singelos e delirantes.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Haikais IV

Porta retrato, obra de Luiz Rettamozzo
a porta porta
Porta-retrato da Mazé
o retrato do Retta
e não se importa.

*

a Mazé Mendes
guardou-se emoldurada
no sofrer de Frida.

**

veja o fantasma
escondido nas sombras,
o que o assombra?

**-
ei, belisco-te!
quero-te neste sonho
que se faz real.

***
distintamente,
mesmo na miséria,
ela não chorava.

****
o Seo Vizinho
pediu ao dedo Minguinho:
- junte-se ao adeus!


*****
o Fura-bolo
foi expulso da festa
pela peraltice.

******
o mafagafo
procura a mafagafa
para afagá-la.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Sentenças (Haikais III)

três tigres tristes
comeram o palhaço
e se alegraram.


**

a gramática
ensina às palavras
os bons costumes.

***

engasga-gato
é trava-língua falso
e divino prato. 

****
o dicionário
é a prisão provisória
da sabedoria.

*****

os calendários
são promessas futuras
de obituários.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sentenças (Haikais II)

farto banquete
é o alegre funeral
da fome morta.

**
cumpre destino
a panela que espera
a galinha ciscar.

***
os vagabundos
têm um bom emprego:
vagar pelo mundo.

****
o suspiro
é o apito da fábrica
das saudades.

Sentenças (Haikais I)

a boa solidão
à afinação dos grilos
nos faz atentos.

**

a má solidão
com o terror próprio
nos sintoniza.

***
nesta manhã,
o burro come capim
e tu, hambúrguer.

****
a rosa morta
repousa sobre o caixão
da bela defunta.

*****
o formulário
guarda a fórmula
da cretinice.

******

o velho ofício,
a carta operária,
aposentou-se.

********
amor de perdição
levou-me tudo; levou-me
até o ar dos pulmões.

*********
o operário dorme
sonhando com o martelo
mágico de Thor.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Maria me dá notícias


Gosto de ter ver, Maria,
De vestido negro e curto.
Nessas horas meus olhos
Míopes, porém suspeitos,
Passeiam por tuas pernas
E sobem e sobem e sobem
E adivinham-te os peitos.

Maria, coloca outra roupa não!

Não quero ver no noticiário
As imagens deste mundo cão,
Quero ver tuas pernas, Maria,
Que atiçam até pudicos elétrons
Insepultos na tela da televisão.

Como nascem os poetas


Nasci no Vale do Encanto,
Onde nascem todos os poetas.

Lá, ainda no choro primeiro,
Cada pobre e condenado rebento
Tem os lábios no hidromel adoçados
Por Melpômene, deusa e oráculo,
Enquanto suas irmãs e os sátiros
Dão de beber ao pelado ser nascente
O fel do saber e do conhecimento.

Depois, Érato suspende o miserável,
Apontando-o ao infinito firmamento:

"Apanha as estrelas, menino...
Assim! Estende tuas mãozinhas
Para que elas aprendam a acariciar
Como nos acaricia o roçar do vento!"

E no ato final do imolamento,
Calíope morde-nos a língua
Num primeiro beijo misturado
Ao amargor dos sofrimentos.

Desta maneira está pronto o bardo
Que nunca padecerá de esquecimento.

Lembrará que mesmo no pesar
É sagrado dever do poeta
Misturar a palavra doce e amiga
Ao sal das lágrimas do tirano Tempo.

Recordará que o verso só chega à boca
Movido por escondida e crônica dor
E que somente nesse padecimento
É que a sua poesia se faz
Bela,
Paz,
Vida
E de toda vida o encantamento.

O passarinho


Hoje,
O dia amanheceu-me triste.
Vi um passarinho mortinho,
Filhote ainda,
Peladinho,
No chão
Estatelado,
Apeado
De alto
Ninho.

De olhos enormes, ainda fechados,
Provava do destino a eternidade
No sono friorento dos anjinhos.

Morreu ensaiando penugens
No corpinho feito de vidro.

Morreu numa queda,
Sem asas de voar, voandinho.

Morreu sem dar um pio,
Sem na minha janela cantar.

Morreu sem alcançar a beleza,
Sem encantar este feio mundo,
Sem ser de fato passarinho.

Lunação

À Mara Regina Barros

A Lua Cheia ilumina a minha rua.
No céu imenso... Ela tão pequenina!

A Lua dorme de lâmpada acesa
Enquanto tu, no quarto escuro,
Dizes que estás cheia
De tudo quanto na vida 
Tem muita importância,
Mas que, imprudentemente,
Desejamos em renúncia,
Quando a alegria abandonamos.

Vê a Lua, seu brilho desdenha 
Nossos mortais desejos,
Porque mesmo na tempestade,
Ela sempre será o que é
A cada vinte e oito dias.

Aprendamos, em infinitos ciclos,
A Lua por séculos nos ensina:
Minguar-nos por entre as trevas,
Aumentar-nos depois timidamente
Até revelar-nos em brilho único
Sempre em surpresa, eternamente.
.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Quando dos céus desceste

Lembro-me do dia em que dos céus desceste,
Havia no horizonte um não sei quê de nada
Enfeitado por cúmulos que ameaçavam choro
E um crepúsculo repetido, repetido, repetido...

A vida escondia-me o riso e era carranca de barco
A assustar monstruosidades submersas no oceano;
Mourejavas tu nas nuvens das ilusões desenganadas
Em que este triste capitão em tristeza flutuava?

Tiraste o manto que me obscurecia o adiante navegável.
Desceste dos céus para realinhar-me a louca bússola
Que, maluca, para qualquer ponto cardeal apontava.

Desde então, sigo seguro por mar calmo e radiante teto.
Feliz, tenho no timão tuas mãos a aprumar-me o navio
Longe do medo, porque pelo amor e alegria tu navegas.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Alma-metade

Creio. Outra vez creio ter encontrado
A alma que é de minha alma a metade.
Sei que pode haver aí engano,
Mesmo aos poetas, especialistas em ver
Coisas que, mormente, não se vê,
Não é nada fácil essa procura.

Há os que nunca encontram
Essas almas complementares,
Porque de caprichos a vida é feita
E caprichosas são as ilusões,
As miragens nesse grande deserto
Cheio de movediças areias encantadas,
Que abrigam fatais serpentes
E o tempo perdido que nos relógios
Se amontoa a formar memória
Em agonia de morte.

Mas eis que assim cantava:
Minha alma-metade andava só,
Assim como eu andava.
Nos olhos, muitos sofrimentos,
Assim como os que nos meus choravam.

Nas mãos uma rosa invisível,
Assim como a que carregava.
- A quem dá-la em louvor,
A flor última da roseira cansada,
A quem dá-la em amor? -
É o que nossas almas perguntavam,
Enquanto que, num olhar apenas,
A vida, Os dissabores e os horres
Se faziam refletidos no mesmo espelho.

A bailarina na chuva

Graça dança estranho ballet na calçada...
Chove, ela ri, delira e acha graça.

De graça, Graça grassa por todos os olhos
Dos curiosos que se babam.
Afinal, há muito espanto naquele espetáculo
Oferecido pela bailarina nua.

Graça treme, tem os lábios roxos,
Olhos distantes, alienados, frouxos...
Sua dança é prazer, é o gozo
A deixar-lhe inteirinha molhada,
Até mesmo nas partes
Em que a chuva divina
E a baba dos pasmados babosos
Não chegam em atrevimento.

A sirena da ambulância interrompe a cena.
Graça para, curva-se e agradece
Aos que prestigiaram suas piruetas
Coreografadas por graciosa demência.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Pelos campos da eternidade

Foi naquele infinito caminho
Que a vi pela última vez.
Foi-se por ali, ali mesmo,
Contrariada, a colher flores
Pelos campos da eternidade.

Deixou-me nos lábios o gelo
De derradeiro e singular beijo.
Extremado gesto de quem ama
E teme a fatalidade do destino
Desencantado e no desespero.

Foi por aquele caminho, aquele mesmo,
Sem volta, sem apelo de retorno.
Foi-se pela trilha que se faz segredo
Dos mapas de nossa vida toda
E que só se revela no último suspiro.

Espera

Enquanto o ar encher-me os pulmões,
Enquanto a luz mostrar-me o horizonte,
Enquanto a Lua anunciar-me a madrugada,
Espero-te.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ladra

Roubaste de mim
Os melhores anos
Ornados de vida.

Tiraste de mim
Os velhos caminhos
Enfeitados de luas.

Mataste meus sonhos
Que a tudo guardavam
Em projetos e esperanças.

Hoje, carregas contigo
Estes despojos infensos,
Envelhecidos e sem preço.

A que te servem eles,
Se te curvam as costas
Em peso e pesadelos?

Arrasta-os contigo
Como o condenado
Preso ao vira-mundo.

Nada disso quero de volta,
Fiquem contigo teus crimes
E os apresente a Caronte.

Porém, avisa ao barqueiro
Que a gravidade de tua alma
Pode afundar-lhe o barco!

domingo, 10 de outubro de 2010

Requiem para coisa triste

Hoje acordei com desejo
De compor poema novo,
Escrito para os amigos,
Com o feitio de domingo,
Ensolarado e contente,
Repleto de espreguiçamentos.

Seria um poema assim
Como este que por estas invisíveis linhas vai se alongando,
Teria que ter em si
O brilho dos olhos de todas as gentes do mundo,
Aromas da aurora,
Perfumes da esperança
E sinceros votos de que a vida se faça num bom descanso
Para os que lutam
Como velhos quixotes pela paz e justiça entre os homens.
Seria um poema assim,
Que tivesse dentro dele o silêncio e o conforto dos campos santos
Cantados numa missa matinal,
Requiem para tudo quanto é ruim e que povoa nossos tristes dias.

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Ilustração: "Palhacinhos na Gangorra - Portinari.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Errante

Triste como uma tarde de garoa
Foi como te vi ontem.
Disseste-me ter amado errado
Mais uma vez, outra vez.
Amor, amiga, é tentativa
Baseada em método antigo
Que nos exige grande
Trajetória pelo erro.
Amar é errar buscando acerto.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A magreza da Polaca

Sonolenta,
Cansada,
Irritada,
Sem fome,
Magra;

Com dores de cabeça
- Tonta, ela desmaiava -
De repente,
A Polaca deixou de ser rosa
E largou-se pálida no meu colo.
Leucemia, disse o médico.

Leucemia é o diagnóstico.
Leucemia é a condenação
Ouvida nos consultórios
Transformados em tribunais
Sobre repentino cadafalso.

Olho para a Polaca e ela chora.
Tinha dores, estava fraca,
Branca, branca, branca...
Sem esperanças, sem remédio.

Desespero,
Vontade de bater com a cabeça na parede.
Matar os médicos,
Arautos do mundo dos mortos.
Morrer também.
Blasfemei, chorei, gritei,
Soquei nuvens distantes,
Soquei-me, em sangue deixei-me
E os deuses nem ligaram
Para essas doidas revoltas
Do doido tolo dos tolos
E mantiveram a sentença
Em duras e cruas palavras
Inspiradas pela impotência:
Leucemia aguda, sem cura.