sábado, 4 de março de 2017

Cheiro de maçã

Vermelha no rosto,
Cheirava à maçã,
De resto, nua, era o doce
Alvidoce da alma da maçã.

Acidente

Mais um acidente
Investiguem os mesmos
Suspeitos de sempre
A começar pela Fortuna
Essa deusa que tudo nos dá
E tudo nos tira
O triunfo e a derrota
O infortúnio e a bonança
A juventude e a velhice
A vida... A vida... A vida...

Vaidades em Curitiba

Bela Curitiba
A vaidade vive em ti
Em cada esquina
Um Salão Marly.

Penduricalhos de Curitiba

Curitiba é mui bela
Porque belos são seus filhos
E mui belas são suas mulheres
O resto é penduricalho
De prancheta de arquiteto.

Raro dia

Raro, feito para ti
Este dia que se clareia no horizonte
Num abraço de chegar.

Lua em Aquário

A Lua está em Aquário
E há peixes soltos
Na sala da astróloga.

Órbita

Contrariando as leis universais
Minha etérea saudade
Descreve longa órbita até você.

Neurônio cansado

Cansado, o sofrido neurônio
Disse às células do coração:
"Chega, não amem mais não!"

Aproveita, poeta

Poesia nada nos custa
Aproveita Poeta, antes que taxem
O luar e a luz das estrelas!

De supetão

Do nada, de supetão
Há gente que topamos na vida
A quem damos o nome de Paixão.

Tresloucado

Tresloucado, oiço as estrelas
Tristes, elas lamentam
O triste destino dos homens

Bruto, porém mole

O sistema aqui é bruto
Mas, o coração trai-me
E tem a dureza da manteiga.

Que liberdade é essa?

Dizes a ti que és livre
E segues delirantes líderes
Que tiram de ti a liberdade.

Largo da desordem

Curitiba, Feira do Largo da Ordem
Comia um pastel com Gengibirra
E pensava na birra e desordem da vida.

Não me convidem

Não me convidem
Para bares sem balcão
Sem cerveja barata
E que só servem as "artesanais"
E que te colocam fitas no braço
Com medo de que tu fujas
Não me convidem
Para bares da moda
Com petisco gourmet
Sem gosto, sem vida
Com ruídos chamados de música
Com gente de falsa felicidade
Sorrisos de múmias
Poesia não vive nestes ambientes
Poesia precisa da verdade
Poesia para ser limpa e bela
Precisa sair
Da bruta realidade
Daqueles que brindam mais um dia
Sobre esta apocalíptica Terra.

Desacordos

Olho para a Serra e o céu é limpo
Penso sair, chove
Vida, vamos entrar num acordo?

Foi um domingo assim

Foi um domingo assim
Que se molha aos poucos
Um chuvisco aqui, ali outro
A molhar teu cabelo
A desfazer a maquiagem
Dos teus olhos, do teu rosto.

Nunca falhou

Tu que aqui estás
E como eu não sabes até quando
Vive bem as tuas horas
O tempo não respeita felicidade
E muito menos a dor
Ele para no minuto em que deseja
E pelo que se nota
A esse compromisso nunca falhou.

O incauto

Chamo de grande iludido pelo Tempo
O incauto
Que deixa a felicidade para mais tarde.

Assopra

Vida para adiante
Velas no mastro
E se faltar vento
A gente assopra.

Previdentes

Ó previdentes, gente do pé-de-meia
Que tal viver um pouco e com alegria o agora
Antes daquela que aposenta para sempre?

Sem perder a fofura

Hás de emagrecer
Mas, sem perder a fofura jamais!

Tatu-bola

Eu conheço um tatu-bola
Que é filho do tatu-bolão
Neto do tatu velho
Que mora lá no sertão.

Amor antigo

Ventinho de chuva
Ventinho de saudades
É novo este dia
É antigo este amor.

Ipês e jasmins

Como não fazer poesia
Ao zanzar por Curitiba?
De dia, o doirado dos ipês
À noite, o suspirar do jasmim.

Feitiço bom

Tem gente que tem feitiço nos olhos
Feitiço bom, de não se esquecer.

Quisera entoar um canto

Quisera entoar um canto
De esperança para meu povo
Que sarasse os calos das mãos
Que secasse as lágrimas do rosto
Que mostrasse que somos fortes
Ao retirarmos do quase nada
Felicidades impossíveis
E os risos da própria miséria e sorte.
Miséria que nos deram
Esses que nos chicoteiam
E nos roubam, escravizam
Vendem e nos matam
Quando crianças, quando jovens
Quando velhos e sem forças
E que infantilmente, ingenuamente
Outorgamos voz, voto e mando.
.Quisera entoar um canto
Para você, meu amigo, amiga
Irmãos de mesma sofrida sina
Quisera, mas não posso.

O ofício dos pássaros

Enquanto estudo e escrevo
Aparece-me um pássaro
Depenado, mirrado, feinho
Porém, de canto belo, que nunca ouvi
Canta sem se importar comigo...
Canta, verde ave canora
Canta porque é ofício teu
Compor a trilha sonora
Para os desencantos meus.

A viúva

Vestida de negro
Com seu velho xale
A viúva coloca na mesa
Uma chávena de chá
Duas xícaras e biscoitos
Espera a amiga Saudade
Comadre dos domingos
E de todas as tardes.

Cão ingrato

Quase mais nada me causa espanto
Neste mundo que é um circo sem pano
Nem mesmo a mordida de ingratidão
Do cão que salvei da fome e abandono.

Curtas esperanças

Fala-me do futuro
Digo-te que o futuro é uma esperança
Olho para a montanha na serra
E a invejo, ela é o futuro de si
Ela é a esperança de si
Ela terá em si todas as chuvas
Todos os ventos que hão de vir
E nós, absurda amiga minha
Que só temos esta chuva
Que só temos este vento
Que só temos este tempo
De esperanças tão curtas?

Curitiba doente

Curitiba, estás doente, bem o sei
Em cada quadra uma farmácia
Uma Panvel, uma Nissei.

Matuto

Ao homem simples, aquele trabalha com a terra, damos o nome em desdenha de matuto. Na realidade, um sábio especialista na arte do bem pensar, do ponderar, pois enquanto tira do solo seu sustento, especula, indaga das razões, enfim, filosofa, sem o clarão das letras, com a mente livre a iluminar a própria vida como um pirilampo em noite sem luar.

Platônico

Ah, tu és o segredo do meu coração!
Como escondê-lo, se sou apenas o Zé,
Que não sabe guardá-lo como Platão?!

Compensação

O tempo nos maltrata, amigo
Mas, aos que merecem
Ele compensa com a sabedoria.

Pente para letra morta

Acordo cedo
Para desentortar textos técnicos
Pentear letras mortas
Mas os insones pássaros
Que não tecem nem fiam
Afinam a sinfonia de mais um dia
E dizem-me da poesia que desperdiço
Na aspereza das letras obreiras.
Que algazarra canora
Que alegria, minha senhora
Dessas pequenas almas
Que me chamam para viver!

Sem remédio

A poesia sempre foi usada para cantadas
Daquelas classudas, bem elaboradas
Para namoro, casamento, ou até um caso
Mas, poetas enamorados
Cuidado com os galanteios
Neste mundo tomado pelas toupeiras das cartilhas
É mister fazer poema e mandar flores
Para mulher sensível e inteligente
Pois declarar amor a asno pode ser sexual assédio
E para burrice militante não há remédio!

Feliz Natal

Feliz Natal
Aos que ainda não negam n'alma o alegre espanto
Com as coisas simples
Como a semente que deixa a árvore em despedida
E se abandona confiante ao vento.
Feliz Natal
Aos que carregam n'alma o amor em alegre canto
E espalham na ventania as sementes da Esperança.

Na noite de Natal

Na noite de Natal
Vinha ao orfanato um padre
E nos fazia rezar
Para um Deus Menino
(Sortudo, que tinha dois pais e uma mãe!)
A comida era servida após a missa
Em simples ceia, singela mesmo
Depois ganhávamos bolas
E carrinhos de plástico
Que não duravam nada
Diziam que eram da caridade
Os presentes doados
De senhoras que nunca mostravam a cara
Ah, se elas soubessem
Que a alegria que nos deram
Dura uma vida inteira
E que nós ficávamos chateados
Por não poder dizer obrigado!

Revoada das aleluias

Na noite quente de Verão, em que as paixões ardem
As aleluias anunciam as chuvas que as apagarão
O fogo que o hoje consome prepara as cinzas do amanhã
Nada é perene, tudo é fugaz, tudo é transformação.

Erro

Amei errado, mas amei
E se não mais amar
Que ser triste serei!

Raimunda, Beatriz e Dulcineia

Digo a ela: "Amo-te como Dante amou Beatriz; como Quixote amou Dulcineia"... E Raimunda imediatamente me interrompe: "Quem são essas vagabundas?"...

Tempo de algodão-doce

Houve em minha vida
Um breve tempo de algodão-doce
Papai-Noel vivia nele
(O turrão não me dava presentes
Mas eu gostava dele!)
E quando me vinha o choro
De uma estranha tristeza
Que ainda não se explicava
Armava-se no quintal
Debaixo das mangueiras
O circo do palhaço Tremelique
O porquinho virava leão
O cabrito uma girafa
E os cães eram tigres
Mas o algodão derreteu-se
Papai-Noel foi para o Polo Norte
E nunca mais voltou
Com seus brinquedos prometidos
O porquinho e o cabrito
Foram para a panela
Os cães apanhados pela carrocinha
E o Tremelique, com doçura e pena
Deu-me sua pintura
A mesma que até hoje uso
Para fingir adultas alegrias.

Ano bom

Há um vento de ano bom
Que sopra pela minha janela
Veio da madrugada
E do teu coração em festa
Tem tua voz e sussurra-me
A paz que pediste em prece.

Ondulatória

Ondas sonoras
Ondas gravitacionais
Música das galáxias
E nos meus ouvidos
A doce onda de tua voz.

Primeiro de Janeiro

Aqui chegamos, caminheiro
Adiante é o que nos resta
O antigo caminho se desfez.

Caipira letrado

Sou um caipira letrado que não se esqueceu da dureza da terra a qual capinou e que por isso ainda se encanta com a semente que se arrebenta e se faz flor e se faz alimento; com as cores dos ipês, com a imponência dos pinheiros, com o cantar dos passarinhos, com a beleza das borboletas e joaninhas. Meu viver é bruto, feito pelas asperezas das labutas de sol a sol. Mas, do lado do fogão à lenha, no peito trago o coração que se derrete como vela que brilha na escuridão, ao ouvir uma viola, ao amar o simples e verdadeiro que emana dos que comigo vão sem ver importância onde vai dar esse caminho, cada vez mais estreito e repleto de saudades.

Roda dia

Aqui estás, olha pela janela
E verás esperanças novas
Promessas do ano que começa

São crianças que lá fora brincam
E chamam-te Sonhador
E querem-te nos brinquedos de roda

Sorridentes, elas sentem vertigens
No rodar adoidado dos dias
Em que as mãos se dão com alegria

Ciranda, cirandinha...
Esta vida é tão curtinha
Que fazer além de amar?

Fórmula da atração

Amor atrai amor
Na razão direta das cumplicidades
Na razão inversa das falsidades.

Chuva no chafariz

Chove. Curitiba refresca-se
Como criança abandonada
Em festa, no chafariz da praça.

Agonizante

Sinto quando tenho que escrever
É quando me escondo de mim
Como um cão a morrer.

Escreventes

Escrever parece castigo
Pois, exige do vivente
Disciplina de soldado
Solidão de monge
Imaginação de se esquecer.

Tolerar, gostar, amar

Tolerar por caridade
Gostar sem falsidade
Amar a quem merece.

Dias de operário

Saudade d'ocê, depois do banho
Naquele leve e curto vestido de chita
Que me dava a pintura das auroras
A colorir os meus operários dias.

Humor e riso

Ao passar do tempo, vitimados pelos reveses
Aprendemos que as vicissitudes desta vida
Devem ser tratadas com bom humor e riso
A dor odeia desdém e acaba indo embora.

O que dizer?

O que dizer, meus bons amigos
Aos que chegam desavisados
Pelados, banguelas e aos berros
A este mundo a ranger os dentes?

Sem motivos

Sem motivos
Todos os dias de minha vida
Cultivei a Esperança
E ela há de vingar!

À mancheia

Gastei muito amor nesta vida
À mancheia
Com o malquerer fui sovina
De mãos vazias
E tudo sem arrependimentos.

Entrevista com o poeta I

Repórter: "Qual é o objeto da poesia?"
Poeta: "A alma humana".
Repórter: "O universo feminino é muito rico neste sentido..."
Poeta: "Sim, embora se encontre neste universo umas perversas, quase sem alma, daquelas que pisam e sapateiam na gente, mas adoráveis justamente por isso, inspiram-nos!"

Masmorras

Ficar preso ao passado
Joga-nos nas masmorras do presente
Libertem-se, há tempo!

Dia de Reis

Era dia de Reis, 6 de janeiro
Dia de ir para debaixo da cama
E mijar nas calças
E a folia descia a rua
Cantadores de casa em casa
Queria escutar a música
Mas tinha medo
Das espadas de madeira
Das máscaras dos palhaços
Daquilo que não entendia
O Natal durava tão pouco
E terminava ali
Ao se desmontar o presépio
As vaquinhas, os carneirinhos
Os reis magos, a manjedoura
Maria, José e o Santo Menino
A árvore, as estrelas e os anjinhos
Iriam para a despensa, em caixas
Junto com aquele espírito
De bondade e luz que a tudo invadia
E assim foi por vários natais, crianças
Mas, um dia deixamos de mijar nas calças
E desarmamos os presépios
Da ingênua santidade que nos habita.

Plic-plac

Barulhinho de chuva
Plic-plac...plem...
Travesseiro de nuvem
Sonho contigo, meu bem!

Atropelado

Coração atropelado
Por olhos incandescentes
Bendito acidente!

Bailarina

No palco, como um cisne, tão leve
E todos ignorando
O sangue na ponta, em teus pés.

Encotro para depois

Aquela estrela
Que te apontei
Tem o teu nome
É lá que estás
É lá que estarei.

Simples e perfumada

Houve um tempo
Em que a simplicidade
Era bela e se perfumava
Com Cashmere Bouquet.

Contigo sinto

Contigo sinto
Essa doida vontade
De me esquecer
Ser amor, apenas ser.

Preguiça de nuvem

Céu azul, ao longe, estática
Filhotinha de nuvem
Com preguiça de ser chuva.

Sujeito e predicado

Sou um bom sujeito
Para os seus predicados!

Valsa das Flores

Madrugada, ainda posso ouvir do teatro
A orquestra e o eco da Valsa das Flores
É como se Tchaikovsky
Tivesse escolhido
O Guaíra para reviver-se
Nos passos do corpo de baile

E na praça, vejo-te dançar
A música do gênio suicida
E cabriolas em piruetas
Em graça, em êxtase, em riso
Como o último branco lírio
Que irá enfeitar, logo adiante
E dar seus sobreagudos odores
À penumbra noturna da Rua das Flores.

Sonhaste, sonhei

Sonhaste, sonhei
Acordados e de olhos fechados
Beijaste-me, beijei-te.

Crê-me

Viver é conjugar verbos
E entre eles está o amar
Crê-me, outro melhor não há!

Graciosa

Deus deu-te tanta graça, Graciosa
Em tuas curvas te insinuas intensa, sinuosa
Perigosa com teus perfumes de mulher
São em ti os jasmins, as hortênsias, os ipês
São os meus olhos que extasiados se distraem
E não veem perigo em tuas águas e lisas pedras
Em teus serpentários, em teus mistérios abissais.

Jeito e maneira

Existe jeito e maneira para um bom caminhar
Nesta vida, leva apenas o necessário
Coisas ruins, não portes ou carregues
Mas o amor verdadeiro, este é suave
Leve-o contigo, no coração, ele é sempre leve.

A felicidade tem cara

Da minha janela vi a felicidade
Um piá da cara suja
Sorridente, comprando sorvete!

Partido

- Morreu do coração...
- Ataque cardíaco?
- Não, coração partido!

Polaca doirada

Tempestades solares
Doiram a rosa pele
Da Curitiba polaca.

Sinfonias da chuva

Quando estão entediadas
Escurinhas, grávidas de chuva
Antes do espetáculo do final de tarde
As nuvens chamam os anjos
E pedem sinfonias de Beethoven.

Arribação

Sou igual ave de arribação
Se o lugar não me dá gosto
Bato as asas, fico não!

Museu do Zóio

Foi num domingo de sor, no Museu do Zóio
Que marquei encontro com a mardita
Esperei um par de hora e ela nada
Queria só dois dedo de prosa com a bendita
Pra ver se já tinha passado a lavage cerebrar
Que fizeram com ela, burguesa-comunista
E quando estava para ir embora
Ela me apareceu ainda mais esquisita
Tinha trocado a camisa do Che
Por um camisolão amarelo de chita
O livro da Beauvoir pelos livros do Prabhupada
Tava com brinco, depilada... Tava quase bonita
E cantarolava não mais Lula-lá nem a Internacioná
Me deu um bolinho de arroz, sem sar, a encardida
E fez eu cantarolar o Hare, Hare... Krishna, Krishna...
Tomei um susto e olhando para minhas botinas
Coloquei a curpa nelas, que sempre me fizero andá
Com gente que por si só não gosta de pensá.

Ignorâncias

Dizem que o caboclo, ou o caipira
Fala um dialeto cheio de ignorâncias
Ah, doutores, esnobes citadinos!
Pois lhes digo, há mais acerto pelo que ele há dito
Do que nas suas gírias de arremedo, estrangeiras
O caipira fala o velho português
A língua dos bandeirantes, dos bravos guerreiros
De quando esta imensidão de país teve início.

Cuidado com os sonhos



Os sonhos a gente guarda no peito.
Mas, cuidado com o que tu sonhas.
Eles odeiam lugares fechados!

Por Febo!

Febo, o deus pagão Sol, nascido da noite
Foi concebido no sofrimento de sua mãe errante.
Porém, tornou-se o mais belo entre os deuses.
Por ser luz, Febo simboliza a poesia e, por certo
Do seu primeiro choro, ainda ecoa o vaticínio:
- Da dor do poeta há de nascer só coisas belas.

Deus acaso

Pagão deus Acaso
Como sois abominável!

Celeiro

Do roxo do rico solo o verde querido verde
Eis o o trabalho de teu povo, querido povo
Aqui tudo nasce e prospera, bendita terra
Paraná és o celeiro, avante para o porvir!

Vereadora recalcada

Vereadora de Curitiba
Em busca de aparecer
Quer multar a cantada

Ó vivente solitário que ama o belo
Guarde seu fiu-fiu de apreço
Sua exclamação à gostosura
Para mulher doce e bonita
Que não seja recalcada

Sem fiu-fiu a essa verde gente
Que ignora antropologia
O estudo dos costumes

Sem fiu-fiu para esta fulana fria
Pois o único assovio que lhe resta
E presta, é o da feiura das vaias.

Assovio

Cheguei ao hotel assoviando
Ainda bem que estou em Maringá
Se fosse em Curitiba, seria multado
Pela vereadora que não gosta de felicidade.

Bruxedos

Sei quando a mulher é bruxa
Do nada dela tu sentes
Saudades, daquelas de deixar doente.

As árvores da Eufrásio

Nas árvores da Eufrásio Correia
Um canário canta de pulmão cheio
Esperando encantar sua companheira
Mas eis que aparece um urubu
E diz: "Canário besta, tomaste na orelha,
Veja que coisa feia, vou te multar
Por ordem da vereadora infeliz:
Em Curitiba é proibido cantar
O amor, paixão ou até mesmo tesão
Para a fêmea própria ou para alheia!"

Amarga vida

Chove, chove, chuvinha abençoada
Mas seja breve
A abelha triste se escondeu no favo
É operária
E minha amarga vida precisa de mel.

Abraços

Abraço, abracinho, abração
Abraço de amigo, apertado, de urso
Meu abraço vem do coração!

De terno preto

Nas tardes em que me esqueço
Escondido em meu terno preto
Atônito atravesso ruas descoloridas
E vejo-te vagar vestida de vida

Vida que sopra em brisa breve
Que a ti canta como a mim cantou

Ah, quanto encanto não percebi
Nesse vento que me encantava
E que me avisava da brutalidade
Do tempo que me gastou

Hoje te sopra o mesmo vento
Mas, não faças como eu
Que encantado pelo seu canto
Da própria vida se esqueceu.

Fantástico

Aos domingos à noite
Saio de casa e miro a Via Láctea
O céu é o Fantástico.

Estrela só

Namoro aquela estrela só
Afastada das constelações
A solidão e seus segredos
Instigam-me, comovem-me.

Nuvens rosas

Gosto dos finais de tarde do Verão curitibano: nuvens rosas, tal e qual o algodão doce colorido do Passeio Público, no Céu em que o Sol é um balão de gás encantado, perdido e errante no lusco-fusco do horizonte, fugitivo das mãos de uma criança.

A sonata

Sinto teus pés suaves, em ponta
Pas-de-deux no meu coração
Suaves como uma sonata de Chopin.

Sina do Sol

É fevereiro, linda que dorme
Sai aqui fora e venha ver
A sina do Sol, no amanhecer!

Matadeiras

Ontem foi dia da saudade
Muitas tenho
Umas pequeninas
Outras matadeiras.

Desencontro

É dois de fevereiro
Meu amor não chegou
Esperei no lugar errado
Ou foi ele que errou!

Curitibanas tardes

Um velho calção de banho
E o Passeio Público para vadiar...
Duro é ver o Sol, escondido pelo mar de concreto
Que cobre o horizonte dessas curitibanas tardes.

Coração vadio

Eita, coração vadio!
Basta ver a medonha
E dispara em batucada
De sambista campeão!

Velho tema

Há cinco mil anos
Os poetas insistem no tema amor
Adoráveis teimosos!

Janaíma manda amar

Mar, mar, mar, vasto mar
Janaína manda amar
Amor tão grande como o oceano.

Aulas com as orquídeas

Contrariado, tive aulas com as orquídeas
Crianças não gostam de cuidá-las
Exigem paciência, espírito e calma
E assim passou-me o tempo das brutalidades
Hoje, cuido de versos e aplico neles
Os ensinamento das orquidáceas
Sobre as descomposições da terra
Fazer florescer beleza, cor, em plurais formas.

Meu teorema

Você foi meu teorema inacabado
Dona das variáveis indeterminadas
E equações de vida sem soluções
É... O amor é o quântico calor
Para o qual não temos termômetro
E sempre será isso: inexatidões.

Sem calendários

Os pássaros
Não têm calendários
Todo dia é dia de canto
Para acordar, para viver!

Nu

Nu
Vens
Nu
Vais.

Bailado de passarinhos

Acordei ouvindo Tchaikovski
É que havia em minha janela
Um bailado de passarinhos.

Do meu gostar

Já ganhei o dia, poeta miúdo
Fiz poesia p'ros pássaros
E p'ras gentes do meu gostar.

No altar

O falso não me engana
Sei o santo
Que boto no meu altar.

Engana-te

Criança, cadê teu cata-vento?
Engana-te ao tentar
O vento com as mãos segurar.

O galo

O galo da vizinha
Respeita o domingo
Ou foi para a panela:
Hoje não teceu a manhã!

Tu me olhas

Tu me olhas
E imediatamente
Afundo-me
Nas delícias
Destes verdes mares.

Brilho de vaga-lume

Foi em noite de cheia Lua
Foi de eclipse
E tua pele, brilho de vaga-lume, nua.

Aprendizado

Nesta vida bruta, em caminhadas
Aprendi muita coisa, meu irmão
A não ajudar a quem não se ajuda
E a quem não se ama não
No caminho sigo com os que amo
Que dão paz ao meu coração.

Canta

Minha esperança precisa se alegrar.
Canta, canta, amiga minha
Para minha esperança se encantar.

Fratura

Tropecei num verso
E caí aos teus pés:
Fratura exposta no peito.

Incensos

Acendia incensos
Ascendia-me
Recitava o Sutra:
Nesses ascensos
Perdia-me, ardia-me.

Domingo desaforado

Domingo desaforado
Disse-me todo molhadão
Que ser sempre ensolarado
Não é de sua obrigação!

Dá tempo

O mundo acaba dia 16
Ainda dá tempo, amiga
Amar antes da escuridão.

Raras gentes

Há certas raras gentes
Que nos oferecem sorrisos
Enfeitados em caixa de presente.

Amores ordinários

Certos amores ordinários
Mesmo se jurados em cartório
Não valem um fósforo queimado.

O osso

Hoje é segunda-feira
Dia de pegar no batente
Sem medo, sem sobrosso
Do trabalho vem a carne
Da preguiça vem o osso.

Com cuidado

Nos escuros
Abra portas para buscar a claridade
Mas, cuidado
Algumas dão para o Sol do jardim
Outras para os terrores da tempestade.

Caritó

Separa no coração um caritó
Um cantinho para coisas velhas
Em desuso, coisas de dó.

A joaninha

Chove no jardim
E a esperta joaninha
Faz da folhagem
Seu guarda-chuva.

Goteiras

Casas velhas, goteiras
Tetos furados
Velhos olhos, cachoeiras
Afetos apartados.

Louvor à vida

Tela a se pintar na memória
Dia de louvor à vida
Em manhã azul, na aurora luzida.

Brisa safada

Brisa-safada
Levanta-saias
Refresca-amada
Esquenta-amores.

Sim!

Distraídos amaremos!

Capricho

Café perfumando esta manhã
Escandalosamente de Sol
Deus tem dias em que capricha.

Bem acompanhado

De certos lugares a gente parte
Bem acompanhado
Com a boa saudade
De braços dados.

Espaço-tempo

Minha saudade, cariño meu
Ignora o espaço-tempo
E vive no último beijo teu.

Aquela mulher

Aquela mulher
Não me fale daquela mulher
Ela pode se fantasiar de ouro
Será ouro de tolo
Neste Carnaval...

Teimoso coração

Bate por amor
Bate pela dor e desilusão
Bate e te faz vivo
Teimoso é o coração.

Sonhei contigo, Cariño

Sonhei contigo, Cariño
Vieste doutro Multiverso
Por certo e ficaste tão perto
Belisquei-me para saber-te real
Neste meu Universo de padeceres
Desencantado e troncho

Vieste para ficar, bem o sei
Pois trazias contigo teu cão
E teu coração doente exposto
Trouxeste-me ramalhetes de rosas
Roubadas do meu jardim
Que há anos deixei de cultivar
Mas, ao me beliscar
Machuquei-me tanto
Que, miseravelmente, acordei
Mas, como pode, estavas aqui
Conversaste comigo, sorriste
E dividiste o mesmo travesseiro?
Na escuridão, apanhei os óculos
Olhei para o relógio, madrugada
E do meu lado, tu não estavas.
Esvaneceste em ais, Cariño
Foste em fumaça, diáfana
Pelas veredas atemporais.

Somos e não somos

Somos e não somos,
assim como as distantes estrelas
que brilham, mas não mais vivem.

Tempo flácido

Que tempo este, amigos
Este tempo no qual vivemos
Fingido, líquido, flácido...

A cobra cega

A cobra é cega e lisa, menina
Nasce com uma só cabeça
Mas como não tem ombro
Mente que é só ali nas coxas
Nas beiras, e neste bem-bom
Escorrega e está feita a besteira!

Assombração

Nas noites escuras da quaresma
O peão se benze:
- Assombração, ó peste, cruz credo!

Campeio

Campeia bons sonhos.
Os que avivem arriba,
Nos céus, são os me'ó.
Os do chão, cate não,
Põe fora, são veneno
De fel, de dor e de dó.

Choros

Saudade a chorar em mim,
Qual soluço é o teu,
Qual soluço é o meu, enfim?

Pobre vírus

Tenho quase pena do Vírus
Sujeito popular e poderoso
Porém sem reino, esse tinhoso
Não é vegetal, nem mineral
E muito menos animal
Por assim ser e não ser
Em revolta faz estragos
Deixa-nos doentes
Divagadores em febre
Em noite de sexta-feira
Em dias de festa, alegres
Mau, ele ignora
Xaropes, sulfas, sopinhas
E até mesmo antibióticos
Vem sorrateiro, o lazarento
Trazendo com ele
Sua prima Gripe
Morfética e ardente
E que nos força
A dormir com ela
Em cama quente.

Mel e fel

Para os que não gosto,
O fel das frases secas.
Para os que gosto,
O mel dos versos.

Brinquedos

Sol, bolinha de fogo no céu
Nuvens brincam de pegar
O vento da Serra do Mar.

O cisne samba

O cisne desceu dos palcos
Cansou das piruetas clássicas
E no samba tem seus passos.

Ad infinitum

Amar, assim no infinitivo
Sem objeto, intransitivo
Ab aeternum ad infinitum.

Poema de arrimo

Construo poema de arrimo
Nivelado nas rimas transversas
Do amor que'inda me resta.