segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O riso dos deuses

Encha-se de cuidados no que for pedido
Aos deuses entediados a rir nos espaços.
Muita luz nos machuca os cansados olhos
E a escura noite ao cego se faz dia claro.

Eu pedi à Fortuna um destino leve,
Remediado no bolso e da cruz liberto
De semear nos campos desta estéril Terra
Algo além do que meu coração quer e cala.

Roguei amor também para beleza da vida.
Mas, nesse artigo os deuses me foram avaros.
Deram-me dias felizes que, felizes, me tiraram.

Por vontade da Sorte sou o guizo dos rufos,
O tolo atrás do vento que a vaidade carrega,
O títere do supremo fastio das deidades.

domingo, 29 de agosto de 2010

A polaca na praia

"Nam castum esse decet pium poetam
Ipsum; versiculos nhil necesse est"
Catulo



A tarde dorme em preguiça comprida...
O Sol desenha para si caminho doirado
E a loira onda se penteia sobre o oceano
Com os macios dedos roliços da brisa.

Graciosa como o silencioso voo da gaivota,
A Polaca caminha pela praia de Boa Viagem.
As espumas lambem e lambem as suas pernas
E as salgam. É o tempero do pecado da carne.

Sigo seus passos que se acomodam na areia...
Guia-me ainda o rubro vinco na pele que foge
Da minúscula e apertada calcinha de seu biquíni.

Ela para, junta um búzio e o leva ao ouvido:
- Querido, estás a ouvir ao longe o mar rugindo?
- Não. Só ouço o meu choro por este dia findo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Antinós

Há de se encontrar por aí
Um outro eu, um outro você.
Nisso não há engano algum
Ou especulação do tédio
Que de há muito tempo
Sequestrou a Filosofia.
Temos sim, um outro eu.
Um eu antimaterial.
Um antinós ao avesso
Feito da antimatéria de Dirac
E guardado em outra dimensão.
Oremos por nosso anti-eu,
Mais um entre os desconhecidos.
Oremos,
Porque o que ele faz, o que ele pensa
Nem os deuses deste nosso mundo irreal
Percebem e sabem.

Costume

Sentir é o nosso estranho costume
E descrever o que a gente sente
É dos poetas a estranha mania.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Vício do espírito

Vivi o tempo da escuridão.
Para gente que assim sofreu,
Distinguir os vultos nas trevas
É costume que viciou o espírito.
Aprendemos a amar o quase nada.
Para nós, uma mísera réstia
É fulgor. É claríssima manhã
Ensolarada em praia tropical.
.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Danada

Minh'alma fez as malas
Com roupa alguma.
Desistiu de mim
E vai ganhar mundo.
Pobre e danada,
Minh'alma vai pelada.

O dialeto das lesmas

O mosteiro está mais quieto do que o de costume.
De vez em quando um leve arrastar de sandálias...
Um toque de sino a pedir desculpas pelo incômodo
Ao marcar a hora e o tempo de nossas orações.

O jardim está vestido de morte neste inverno,
Pouco verde, poucas cores, muita vida latente
A esperar a ressurreição no mês de setembro,
O levantar dos túmulos, o explodir das sementes.

Frei Joaquim anda pela horta. Consulta as plantas
E tenta entender o segredo das que resistem ao gelo.
- O frei não anda bem, conversa até com as lesmas! -

Creio que aos poucos todos aprendem este dialeto
Que nos permite conversar com coisas sem alma,
Flores, árvores, lesmas, com os doidos e nós mesmos.

domingo, 22 de agosto de 2010

O ciúme da Polaca

A Polaca anda estranha,
Deixou seus bordados,
Não assa mais "maréco"
E nem cozinha-me pierogi.
A Polaca anda triste,
Nunca quis tê-la assim.
Ela sentiu cheiro de mulher,
Perfume doutras fêmeas
Em meus poemas.
Ontem, antes de dormir,
Fez discurso, falou desatinada:

- Quero que você escreva meu nome,
Publique minha fotografia,
Cansei de inspirar a sua poesia.

Cansou nada, pensei,
A Polaca está com ciúme
E não sabe que na rima
Nem sempre sua polaquice cabe.
Depois, dormiu com a bunda virada,
Virada para a parede
(E que bunda a Polaca tem!),
De pijama amarrado
E por sobre o lençol.
Chorou e soluçou a noite toda.
Pela manhã, puxou o meu braço
E fez minha mão sentir seu peito
(E que peitos a Polaca tem!):

- Escreva, mas não esqueça
Que meu poeta mora aqui também!

O wojak da polaca

Estou quase morto de cansado.
Distraí-me com geométricos
Cálculos o dia inteiro...

A Polaca toca Chopin...
Ouço a música que julgo
Matemática, tal é a sua perfeição.
As notas em luta,
Fracionadas, nuas e breves,
São os sons dos números
Que saltam do piano
E de repente estancam
Numa nota solta, firme e leve:
- Abrace-me, wojak,
É de amor que devem
Morrer os guerreiros!

Flor seca

A flor morrendo foi,
Seguia destino ao secar,
Assim como os jovens sonhos
Que morrendo foram
No destino a murchar.

O fogo da beata

- A vizinha tem fogo na periquita!
Disse-me a velha beata
Ao fazer o sinal da cruz três vezes.

Sei lá, talvez a menina tenha a bacorinha incendiada,
Pois a vi pela manhã, num frio de freezer,
A caminhar descalça e em trajes mínimos.

E a beata, que devia estar cuidando da própria vida,
Toca a ver hipócrita maldade nos incêndios alheios
E esquece que, no mesmo fogo, forjou onze filhos!

sábado, 21 de agosto de 2010

Flores no céu

A Terra não encontra resistência
Na escuridão do vácuo que atravessa.
Dizem que de longe é rápida bolinha,
Azulzinha! Infantil e inocente brinquedo.

Nela sou boquiaberto passageiro
Às vezes só, às vezes triste ou contente,
Porém estarrecido com tanta velocidade
Ganha na atração dos sóis e planetas.

Aqui, na minha poltrona, nela viajo...
E a Terra executa órbitas elípticas
A embalar meu coração tão estático.

A minha janela abre-se para o céu florido
De estrelas... Deus meu, pare a Terra, pare!
Porque quero sentir o aroma da paisagem.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O beijo na polaca

Por que queres me beijar assim, polaca?
Poeta beija de um jeito diferente,
Com versos que te mordem a língua
E que no céu da boca estrelas acendem.

É que guardei para ti palavras em fogo
Que hão de me escapar ao lamber-te
E que lentas e silenciosas se juntarão
Ao clarão de teus olhos em êxtase.

Não. Não renego teus lábios quentes,
Dulcíssimos como a rubra groselha
A enfeitar teu lácteo corpo, doce deleite.
 
Assim, murmuro a dizer-te o quão és bela...
É que no sussurro também há cálida carícia
A provocar arrepios no vão entre tuas pernas.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Elogio ao clichê

Eu adoraria ser um clichê
De feitio e semelhança
A essas roupas quase perfeitas
Feitas em escala industrial
E que vestem todo mundo,
- Embora nos deixem
Com as bundas ao deus-dará!

Ser o perfeitamente normal.
Ser o ser que acorda pela manhã,
Urina, defeca e vai para o trabalho.

Ser o perfeito pateta.
Ser o ser que acorda pela manhã,
Mija, caga e vai para o calvário.

Ser o perfeito boca-aberta,
Acordar pela manhã
E escancarar um medonho sorriso
Para o papagaio da Ana Maria Braga.

Eu amaria deitar-me num molde
E sair de lá com um rosto imbecilizado
Desses de propaganda de margarina.

Como gostaria de ser um alienado,
Olhar o Sol e contentar-me
Apenas com o seu brilho e calor,
Sem tentar explicar quem no céu,
No meu céu, o Sol colocou.

Seria-me sublime ignorar a existência
E somente existir ignorando a dúvida.

Clichê, artificial alma que pode ser comprada
Em afamadas butiques e grandes supermercados
Que têm em estoque todas a superficialidades!

Como gostaria de sê-lo, impagável clichê,
Para me desobrigar de querer desvendar
Esse mundinho para lá de obscuro e sem verdade.

sábado, 14 de agosto de 2010

Flutuações

Há ambientes em que vejo pessoas flutuando,
Não e não! Não estou com o espírito narcotizado
E muito menos sofrendo sob os eflúvios do álcool.
É que, quando amam, as pessoas flutuam,
Despem-se de suas pesadas carcaças e flutuam.
Coisa de dar inveja, amigo, uma puta inveja!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Olhos de Capitu

À Fernanda Rocha
Francisco era de Assis,
Machado era de Assis...
Enfim, essa gente de Assis
Costuma avistar-se com
Os anjos de Michelangelo.

Francisco viu Fernanda
E disse que o pecado
Não era tão pecado assim.
Fernanda não peca
E se pecar, a sua beleza
Suplica-nos perdão eterno.
As belas estão dispensadas
Dos atos de contrição,
Ladainhas de piedade
E água benta na língua.

Há cem anos, ou mais,
Nosso escritor Machado
Anteviu no cristal da cigana
Os olhos de Fernanda,
Em obliquidades,
Em relances,
Dissimulados.

Machado de Assis viu ali
Mais do que uma personagem.
Ele viu todas as possibilidades
Nos olhos de uma mulher.
Fernanda tem olhos de Capitu!
Abismos por debaixo da rocha
Que deixam casmurros,
E permeados na dúvida,
Os ousados olhares
Que com o de Fernanda cruzam.

A polaca toca Beethoven

Ouço a Sonata ao Luar...
Os dedos rosas da Polaca
Contrastam com o branco e preto
Do teclado do piano quase espelho.
Tento dizer algo, pois é manhã,
Faz um frio tremendo e ela,
Entre os graves e agudos,
Exige-me pianíssimo silêncio.
Na última nota, uma lágrima
Imponderável escorre de seu rosto
E nele deixa um rastro de felicidade
Que se deseja impossivelmente
Em terna e eterna eternidade.

sábado, 7 de agosto de 2010

A Polaca canta

Ela lava a roupa e canta
A canção da velha Polônia,
Triste saudade. Saudade triste.
(Saudade que só seria possível
em palavra nos corações lusitanos!):
Cante Polaca, cante, cante
E alveje assim, em velha tábua,
Minha triste e encardida alma.

Plumas

Ontem ventou sobremodo.
Almas pesadas por aqui ficaram.
Poetas com plumas no peito
Voaram e desapareceram
Pela escura cortina noturna.
Meus bons amigos seguem caminho...
Porém antes, ainda deste lado,
De pé sobre as mesas dos bares
Declamaram bárbaros poemas
E eivaram-se no desejo do verso
A exigir única morte honrada
Neste mundo virado num pandeiro velho,
O bom fim por cirrose hepática.

Sentinela

- Quem vem lá, no calar da madrugada?
- As horas que estão por vir...
- Sois boas ou ruins?
- Somente a noite sabe, mas ela é calada!
- O que guardais para mim?
- Rumos incertos em horas exatas, mais nada!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A polaca dorme

Acordo e vejo Curitiba com seu sorriso cinza.
Molhada, a cidade aguarda-me com seu abraço frigorífico.
Encolhidos, os pássaros congelam o voo e vegetam no alto dos pinheiros.
Os cães latem na cadência da chuva fraca e contínua.
A polaca ainda não foi comprar broa de centeio na panificadora, dorme, dorme.
Perdeu a hora sob a colcha de retalhos amarelos imitando o Sol, quente, quente.