sexta-feira, 5 de março de 2010

O olhar do carrasco

- Viver é isso: esperar a morte apenas?
Dizes que não há resposta
E que a porta do compreensível
O vento da noite há de ter fechado.

(Um cão passa e, em comiseração, mija no poste)

Falas de algo que não entendo,
Falas de mim.
Logo a mim que nada falo!

Olhas para meus olhos
Que de há muito deixaram de ver
E uma luz enlaça-me ternamente.

Olhas logo para meus olhos
Vazados pelos punhais em brasa
Desses horrores diários!?

Olhas logo para meus olhos
Que até ontem louvavam a misericórdia
No negro capuz oferecido pelo carrasco
Às suas vítimas antes do definitivo ato?

Olhas logo para essas duas covas rasas
- Lagos constantes de lágrimas -
Cavadas pela pá da descrença
Na minha já mui cansada face?

Não queiras ser enterrada aqui,
Pois é grande a tristeza que há de te cobrir.
Olhos de poeta são os túmulos dos profundos enganos:
Executores que fingem ser belo o que já é putrefacto;
Dissimulados cantantes da manhã que ao nascer já caminha pelo cadafalso do dia;
Carrascos que compõem a canção fúnebre da nossa miserável e mortal condição humana.

(Piedoso, o cão volta e mija no poste; assim, o cão passa a ter sentido para o poste)

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