segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Esperança Mendiga


Ela esmola nas ruas
Nas portas das igrejas
Aos que passam
Mostra suas feridas
E roga o ajutório
Reservado aos pedintes

No rosto riscado de infelicidades
Nada mais lembra sua juventude
Em que se trajava de finos tecidos
Sedas vermelhas, cores vivas
Azul cor do céu e alvíssimo branco

Ah, como fora bela, corada
Amada por onde passava!
Hoje, vive ali, sob sol e chuva
A ser lembrada de vez em quando
Em prosa de ilusionistas

Penitente, em desconsolo ela segue
Neste mundo do sofrer e da cobiça
Invisível, amarga e triste
A santíssima Esperança Mendiga.

O ausente


Trato o ausente como existente
E só penso no que ele pensaria
Penso no que diria, no que faria
Ao ver o resultado de suas lutas
Que foram interrompidas de abrupto
E que não desapareceu com ele
Um filho que se formou
Ou uma filha que se casou
Netos, bisnetos, outras gentes
E ele não viu, não viveu para isso
Ou ainda os resultados de sua obra
Que em vida parecia não ter vida
E hoje é citada, badalada
E é motivo de lembrança de seu nome
¿O que diria o ausente?
¿O que faria aquele que aqui não mais está?
Não sei, invento possíveis sentimentos
Opiniões de acordo com o temperamento ausente
E concluo que folhas que caem da árvore no Outono
Jamais poderão saber do quente Verão
Somente a árvore saberá disso
Porque em si, na árvore, as novas estações
Precisam das folhas ausentes para existirem.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Ano Novo, velho homem


Próximos estamos de virar mais um ano
De arrancar mais uma folhinha dos calendários
Nada de novo, pois o homem ainda se faz velho
Já disse, contar as horas é nossa pior invenção
Passam-se os dias e o homem não muda não
Comemoramos um tempo novo para práticas velhas
Indiferença para com nossos irmãos
Que morrem de coisas bestas, como a fome, solidão...
Que se esfolam em campos de batalha
Que aprendem a educação das frias convenções
Somos ainda o que sempre fomos, feras
Deixamos as cavernas, mas não a clava
E o costume de fazer sofrer, de esganar
Poucas são as esperanças, mas digo que não
Talvez amanhã, nasça um homem novo
Junto com o Ano Novo, uma nova civilização.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Ah, esses fingidores!


Poemar
É descrever tardes brilhantes
Alegres, tão distantes, longínquas
Jamais vividas, porém sentidas
Mesmo que se esteja imerso
No pavor das trevas de triste noite

Ser poeta poemando
É sentir o peso da despedida
Sem nunca ter sentido o encontro
É perceber o coração pulsando
Mesmo se percebendo morto

É amar muito... Muito e tanto
Em total solidão
Sem ter o amor, no entanto

É dizer sempre: tenho fé, acredito!
Mas, sendo do desengano o pranto.

Soneto do cair da tarde


Aguardei o cair da tarde
E depois de muito esperar
Vi a tarde caindo mansinha
Num manso de não se notar

Ao longe, o céu amarelinho
Misturava-se ao vermelho
E depois ao azul que se despedia
Em bordada mortalha de linho

Carcereiro das belezas esquecidas...
Sim, queria aquele cair da tarde
Nestas minhas miseráveis linhas...

Mas, na penumbra, nas barras do ocaso
Vi que a tarde não se faria prisioneira
Deste liberto soneto em desalinho.

Pé de café


Vou adiante, não sou árvore
Preciso seguir meu caminho
Mas olho para trás, mansinho
Para dar adeus ao que fica

Do pé de café já sinto saudades
Melancolia das grandes, medonha
Deixo-o fincado no seu destino
De solidão à beira da estrada

Chora cafeeiro bendito, chora Maria Bonita
Chora José no eito, já caminham as horas
E a saudade é como o gosto amargo do café
Que nos amarga o peito no nascer da aurora.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Então é Natal...



¿Então é Natal
E quanto mais caro
O presente
Maior é o amor?

Então é Natal...

¿Então quanto custa
Nosso invendável abraço,
Nosso olhar de te bem-querer
Neste teu mercado?

De dia uma santa...


De dia
Uma santa
À noite
Uma diaba
De dia
Faz reza e canta
À noite
Amor que não acaba.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Amor de R$ 1,99


Bem-vindos ao mercado do amor sem compromisso
Dos sonhos fáceis, enquanto durarem os estoques
Ah, se esse amor comprado não vos servir
Não vos preocupeis, fabricaremos outro
Menos complicado com manual de instrução
Estamos no Século XXI, aqui tudo se compra
Tudo se vende, em tudo há preço
Conforme o anúncio na televisão

Esta vida está por demais utilitária
Tudo deve ter uma utilidade imediata
Para depois ir sem culpas para o lixo

Nesse mercado, só não vendemos amor de verdade...
Aqueles antigos com longo prazo de validade
Arcaicos, fora de moda, saíram da linha de produção
Não davam lucro, porque o lucro está na quantidade

Por isso, escolhei para vós uma versão novinha agora
Fabricada em série, com seguro contra a saudade
E quaisquer outras complicações, depressões e melancolias
É o amor que não incomoda, pois é somente mercadoria.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Demora


Ora, pois, não demores
Tu és da longa madrugada
A aurora que tanto aguardo.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Música das galáxias


Maravilhosos são os invisíveis músicos
Que tocam a música do balé das galáxias
Que divino espetáculo, Deus meu, que espetáculo!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A mesmice, o veneno do espírito


A mesmice é lento e letal veneno para o espírito
Embora existam os que sobrevivam com suas almas já mortas
Essas assombrações que andam pelas ruas, taciturnas
E que em nome da falsa estabilidade sem riscos
Trabalham em repartições, amam a rotina
E têm o relógio como único deus em suas preces diárias
Os que lutam contra isso tudo
São os guerreiros que realmente vivem
Eles zombam das convenções, e das caducas autoridades
Que evocam a tradição e ordem para justificar a morte em vida
Esses, os que remam contra a maré realmente vivem
Porque bebem da fresca e rebelde água da vida
E não se fazem zumbis das convenções, do consumo e das inutilidades.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ser nuvem

Tenho todos os motivos do mundo
Para não estar alegre nem contente
Meu coração se encheu de tralhas
De coisas que me dão tristeza eterna
Mas meu espírito diz que não
Há contentamentos nas infinitudes pequenas
Na folha carregada pelo vento
No dia que tanta brilha, tanto, tanto...
Nas nuvens branquinhas, bonecas de algodão
Uma que imita ovelhinha, outra um pastor
Uma outra danado cão sem patas
O mundo vive sem as minhas melancolias
¿Por que hei de ser triste, em dor
Por que não ser nuvem também?

sábado, 14 de dezembro de 2013

Triste Curitiba


Triste Curitiba
Outrora amada
E hoje abandonada
Já ouço teus ais
Choro dos pinheirais
O que fizeram contigo?
Bucólica e bela
Das capitais
A mais singela
Hoje colosso de pedra
Obra dos que te mal governam
Que te maltratam e vendem
E injetam carros nas tuas artérias
Congestionadas, entupidas
E o povo, teu povo Curitiba
Amontoado em articulados
No frio, no sol e na chuva
Dos pontos, nas calçadas
Teu povo, bem-amada
Que engole os gritos
De pavor
E chora seus filhos mortos
Na violência que te deram
No descaso que te tratam.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Subiu, mas cai


Gravidade, tu que a tudo levas ao chão
Louças preciosas reduzidas a cacos
Até mesmo a última fatia do abençoado pão
E não perdoas nem os pentelhos do saco
Avisa a essa gente artificial e siliconada
Que tu és lei e ainda não foste revogada!

Viver é colecionar saudades

Meu espírito vai com os amigos
E os espíritos deles ficam comigo

Acontece que este mundo
Ao contrário do que dizem
Ficou muito, muito grande
Que não cabe numa vida só

E basta passar um avião
Que este moderno homem
Ativa seu genético dom
Pelo qual se faz nômade

Somos, pois, universais
Cada amigo leva consigo
Pedaços de nossos corações
E nós carregamos os deles

Assim, sem sair deste lugar
Sinto o meu espírito saltar
Atravessar continentes
Vencer longos desertos...

Mas das antigas saudades
A que mais me revolta
É a das almas encantadas
Num encanto sem volta

Viver com toda intensidade
É inventar para si saudades.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Assombração de peixes


Nos jardins da Igreja do Cristo Rei
Existe um lago com cascata artificial
E nesse mundo limitado vivem carpas
Elas nadam pela água que se repete
Bem nutridas, às crianças divertem
E a mim também, que cultivo o hábito
De fugir da missa para pensar no além
Penso que, daquele estranho mundo dos peixes
Olhando de lá, devo parecer um espectro
Fantasmagórica figura a assombrá-los
Sim, sou a assombração das carpas
Sombra insólita alumiada por velas
Que tenta explicar o mísero lago
Numa dimensão iluminada por trevas.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Amai o incerto


O mundo só é belo
Porque é incerto
Certeza mesmo
O vivente só tem uma
E por ela ser terrível
Há de se amar a incerteza
O dia ensolarado
Que se transforma em chuva
O caminho certo
Que nos extravia
A água fresca
Que secou na fonte
E aquela amizade antiga
Que de repente é novo amor.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Escutai, ó Israel


Aos seguidores de Allah
Aos seguidores do Deus cristão
Aos seguidores do Deus israelita
Apurai vossos ouvidos, escutai
São vários nomes para um só
O mesmo Deus de Abraão
O mesmo Deus de Jacó
Ele é o único Pai
E fala todas as línguas
Irmãos, por que brigais?

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Teu sorriso cantarei

Vou cantar enquanto posso
A manhã que vem mansinha
As auroras doiradas de luz
E tudo que me enche a vida
Falarei do abrir das flores
Que em silêncio floram meu jardim
Gastar-me-ei em coisas simples
Esquecidas que não damos valor
E aquele teu sorriso
Que já esqueceste no longe
Também cantarei
Porque é a alegria que guardo
E comigo sempre levarei.

A Ternura foi-se embora


Algumas palavras antigas
Às vezes tiram longas férias
São palavras boas
Que nos falam ao coração
Mas que de vez em quando
São taxadas de piegas
Fora de moda, impróprias
Vi o Amor ontem a embarcar
Vai para longe de navio
Para distante galáxia
Desgostoso que está
Com o apreço de nosso tempo
À violência e ao ódio
Às desconsiderações
Junto, avexado, vai o Perdão
E num choro arrepiante
Há tempos foi-se também a frágil Ternura
Que chora, totalmente esquecida
Como uma mãe desprezada
Pelos seus próprios filhos.

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Ilustração - Victor Gabriel Gilbert

O Sol voltará a brilhar como na manhã


Ah, se eu te encontrar amanhã...
Pertinho da noite
O Sol voltará a brilhar como na anterior manhã
Terás que ter tempo, muito tempo
Porque dar-te-ei tantos beijos
Abraços apertados e exagerados
Carinhos tão ousados e quentes
Que o Sol voltará a brilhar como na manhã.

A visita do Cometa Ison


Um cometa visita o Sol
E dele receberá sentença
Caso sobreviva
Dará espetáculos na Terra
Daqueles nunca vistos
Vá Ison, vença a batalha
Depois passa pelo meu signo
Para mudar a minha sina
Que vem desde a dura infância
Em dureza de rocha
Dá-me um resto de destino
Um pouco mais feliz e carga leve
Para meus cansados ossos.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Amiga, perdeste a alma



É minha amiga, a vida é gastura
Seu tempo é vento que a tudo gasta
Ainda lembro-me de quando te vi
Como saudável semente brotando
No amanhecer sem compromissos
Nos escuros desprovidos de juízo
Tinhas o riso do desconhecimento
Pois a tudo estavas a conhecer
Por puro divertimento
Como era alegre a tua face
De belo sorriso incandescente
E hoje, depois dos dissabores tantos
Amores, homens ausentes, drogas, aguardente
És sombra do que encontrei em prima noite
E, sinceramente, não sei onde foram parar
Tua juventude, tua vontade, tua alma e mente.

É preciso entrar no rio das paixões


Apois, doer sei que dói
Mas, carece sentir o gosto
Passar por esses ermos
E não experimentar
As truculências das paixões
Suas doçuras e amargores
Mesmo daquelas que terminam
Antes de se darem tempo
É tal e qual ver um rio
Sem nunca dele beber
Sem nunca nele nadar
Sim, há as corredeiras
Os abismos das quedas
Apois, há também o prazer
Daqueles de tardes quentes
Em que a fresca água
Deixa o cabra tão satisfeito
Que o sujeito começa a matutar
Que de nada adianta um rio
Somente em imagem nos olhos
Só se entende um rio dentro dele
Para dele se matar a sede.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Plantai sem pensar na sombra e no fruto


Plantai uma árvore hoje
Sem esperar sua sombra
Ou até mesmo seus frutos
Talvez, ela cresça
E seja lugar de descanso
Farta em alimentos
Mas, não sendo para vós
A árvore servirá
A vossos irmãos
Talvez, vossas existências
Tenham somente este propósito
Plantar para o usufruto
Daqueles que virão.

domingo, 24 de novembro de 2013

De frente para o Jardim Botânico


A imobiliária anuncia novos sarcófagos urbanos
Edifícios altos no Jardim Botânico, brancos, brancos
Esperam inquilinos defuntos, brancos, brancos
Calados pela eternidade de frente para o Jardim Botânico.

A cidade e seus hospícios


A cidade acorda doida e apavorada
Seus estúpidos berros de alienados
Nos hospícios das ruas reverberam
E alcançam minha perplexa janela

Os carros, as gentes, os ônibus, os trens
Todas as coisas urram em doido delírio
Ruídos soltos na agonia das avenidas
Da incompreensível metrópole doente

Repleta de fumaça, fina-se aos poucos
A urbe estridente. Seus altos prédios
São braços inúteis a suplicarem aos céus
A extrema-unção pelos seus pecados

E um desgraçado e agourento pássaro
Faz em círculos voos de reconhecimento
E se acolhe imponente no topo do poste
Para contemplar o desvairado apocalipse

De luto, ele de mim finge não se dar conta
Aguarda para entoar seu canto fúnebre
Para a ave, sou apenas parte da loucura
O louco que morre com a defunta cidade.

Idos de Novembro


Um céu meio escuro, meio claro
Metade chuva, metade Sol, vento
E um coqueiro entre os edifícios
De galhos arcados e descabelados
Compõem a minha tarde
Tão comum e desqualificada
Nos vinte e um dias idos
Do terrível novembro de 2013.

Telefonemas


Detesto conversas pelo telefone
Não vou mais atendê-lo
São sempre aborrecimentos
E destes estou repleto.

Antes da chuva


Preciso fazer alguma coisa
Preciso mexer-me, andar
Desanuviar a cabeça
Dentro doutras nuvens.

Tuas pernas distraídas


A vida moderna
Faz-me esquecer
De tuas bem feitas pernas

Ao esgoto essa vida
E todas as mediocridades
Comuns e diárias!

Às favas esses afazeres
Que me distraem à toa
Quero olhar-te, amar-te
Tu és o que vale a pena.

Poemas a martelo


Acho que fiquei louco de vez
Pois faço poemas contínuos
Em minutos e não sei mais parar
Donde eles vêm não quero saber
Mas, teimosos obrigam-me
A escrevê-los com tinta e sangue
Como se feitos a marteladas
Que erram os pregos
E esmagam os dedos.

O morto que escuta Jazz


O solitário homem do apartamento ao lado
Escuta Jazz em alto volume todos os dias
Estranho, nada fala, só sai à noitinha
Para dar uma voltinha, ir ao mercado
Está enterrado, jaz talvez em céu particular
Deve ser por isso que escuta Jazz
Estou vivo, triste, porém vivo
E por ser um vivo triste escuto Blues.

Morte premeditada


Não aguentava mais tantas lembranças
Do que foi bom e do que o fazia bom
Da infeliz mulher que fugira com outro
Pensara não gostar dela e daqueles dias...
Uma hora mataria a saudade: matar-se-ia
Porque a boa saudade não estava nela
Morava nos próprios poros, em seu coração.
Matar-se-ia e ficaria com saudades de si.

sábado, 23 de novembro de 2013

Hilária


Hilária fez-me chorar. Namorada primeira

Foi-se na primeiríssima carícia mais profunda

Hilária não gostava de mãos afoitas na bunda.

Justiça



Deus é justo

Mas são os homens

Que atrasam o processo.

O começo

-- Oi!

-- Oi!

É assim que começam grandes romances
Ou quentes encontros luxuriosos e devassos
Que botam mais crianças a chorar no mundo!

Improviso

O livre-arbítrio

É a arte do improviso

Mas, não se engane

A morte virá sempre

Como vem, sem aviso.

Sono à moda da tarde



Trompete afinado em Sol

Sol afinado em calor

Tarde suave, ocaso claro

Dá-me uma cerveja escura

Preciso escurecer-me e dormir.

Surdina


Trombone com surdina
Suave na madrugada avança
Toca, toca, toca a dança...
Vou morder a orelha
Dessa moça e dizer
Que desde há cinco minutos
Eu a amo para a eternidade
Toca um tango de Gardel
Ou outra música safada
Lentamente, e para o tempo
Os relógios na parede
E a chuva na calçada.

O que me trouxe o vento


Parei o Sol para escrever

Desliguei-me do mundo

E o vento me trouxe poemas

Pois tinha ouvidos para escutá-los.

Pepino azedo


Desconsidere, ó imprudente
Raios na noite de tempestade
Pepino azedo na madrugada
Animal tinhoso solto na invernada
Mas jamais tenha em desdenha
Ao que pode uma mulher zangada
E doidamente apaixonada!

Canção dos amantes


Ouça-me, vou falar bem baixinho
Para que mais ninguém nos ouça
A vida poderia ser bem mais suave
Cheia, repleta de felicidade
Se sempre comigo estivesses
A solidão assim é inexplicável
Eu aqui e tu tão, tão distante
Venha meu amor neste instante
Vamos dar vida à vida
Vamos ser mais do que amantes
Ouça-me vou falar mais uma vez
Para que vivermos tão sozinhos
Por que cometer tamanha estupidez
A vida poderia ser bem mais suave
Cheia, repleta de felicidade
Se sempre comigo estivesses
Essa solidão é inexplicável
Eu aqui e tu tão, tão distante
Venha meu amor neste instante
Vamos dar vida à vida
Vamos ser mais do que amantes.

Canção para a mulher que passeia

Vais pelas ruas da cidade
Por entre passeios floridos
Tu és só felicidade

Vá... Passeias pelo meu peito
Por entre sonhos coloridos
Tu és minha felicidade

E quando te vejo passar
Meu coração quer saltar
E um sambinha batucar

Vais de vestido apertado
Teu cabelo ao vento
Solto, a esvoaçar

Teus olhos muito claros
Convites para amar
São redes lançadas ao mar.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Pão D'alma


Hás de amassar o pão de cada dia
Com o sal e água de tuas lágrimas
Nesse fazer, darás ao pão a tua bondade
Sem revoltas, só assim ele crescerá
Pois tudo que é bom vem da alma
Faz-nos crescer, nos faz grandes
Depois, podes sová-lo até ficar uniforme
E aí, tu deverás reservá-lo em admiração
Até que finalmente ganhe tamanho
Depois, no forno de teus dias
No calor de tuas horas, tu deverás assá-lo
E por último, tu o repartirás entre os teus
E assim, nesse cristianíssimo gesto
O amor de tua alma será alimento para outras
Para as que dividem contigo o susto de viver
E somente assim, tu terás sentido neste mundo.

Anjos nos telhados


Os anjos caminham sobre os telhados
Na noite, estão de folga
Menos os anjos dos boêmios, dos bêbados
Daquelas mulheres no bar da esquina
Das crianças espertas e traquinas
Dos irresponsáveis, dos poetas
Dos inconformados, dos revolucionários
São anjos que trabalham em dobro
Porém felizes, com a vida cheia
Os anjos dos homens regrados são tristes
Na noite, caminham pelos telhados
Já sabendo do maçante dia seguinte
Sabem que não devem aparecer surpresas
Porque seus apadrinhados engravatados
São tão vazios, tão exatos, tão sem graça
Ser anjo assim não é prêmio, é castigo
Ao longe, um desses tristes querubins se distrai
E anda sobre os fios de alta tensão
Para sentir os perigos da vida
Mas é anjo, e a vida para ele é monotonia.
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Ilustração - Louis Janmot 1814-1892 - Museu de Arte de Nova Iorque

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O tempo que longe se vai


Houve tempo que já se vai longe, se vai...
Em que os relógios não contavam o tempo
Contavam os dias infinitos e noites sem fim
Neste tempo de que falo, as escuridões se agigantavam
Faziam medo às crianças, às moças na lua de mel
Mas não às sirigaitas namoradeiras

Um dia de festa, tão raro que era
Fazia-se dia de eterna lembrança feliz
Dia raro para se guardar em românticos diários

Houve tempo em que as fotos já nasciam amarelas
Instantes gravados com roupas de missa
E essas roupas tinham dia certo, hora certa
Avental e macacão de trabalho, grosseiros, imundos
E o negro respeitoso da cerimônias fúnebres

Houve um tempo que uma nota de piano apenas
Calava saudades e chorosa denunciava amores impossíveis
Cartas de amor também choravam recordações
Sim, cartas de amor, com letra de normalista
A contar desencantos, lamentos de separações

Houve um tempo que tínhamos tempo para a vida
Plantar flores nos jardins, enfeitar as janelas
Tempo para reverenciar a sabedoria dos mais velhos
A beleza fugidia da juventude, os amigos numa pescaria
Houve tempo que tínhamos tempo para amar
E por isso o amor durava tanto e nunca se acabava.

Água-Régia


Apanhei teu duro coração empedrado
E o coloquei no cadinho com Água-Régia
Em solução concentrada, quase pura
E ele não cedeu, em dura indiferença
Depois, fiz os ritos da maceração
E dele grão algum de piedade se soltou
Mas, com gana animal, não hei de desistir
Pois, as antigas lendas dos alquimistas
Dizem que há modo de se tirar ouro das pedras.

domingo, 17 de novembro de 2013

Caminhante



Caminhante, você que comigo vai
Que já tem o passo curto, cansado
Não olhe para trás, para o que foi
Olhe sim, adiante, para o horizonte

E pense que chato seria, que maçante
Saber de antemão o que vai por diante
Como não ter o Sol em encanto
A chuva como quebra de monotonias
E esta paisagem única a cada instante

Estamos nesta vida para bater pernas
Misturar-nos com o vento e ser o vento
Gastar sapatos, divagar sobre as coisas
E tentar dar explicações ao que não tem

"Razão para isso tudo, para caminhar?", pergunta-me
Respondo: Nada além disso quero saber,
Ando apenas, apenas penso...

sábado, 16 de novembro de 2013

Café com batom

Aquele teu recado no espelho
Rabiscado com batom
´´Passei café, te amo! Inté´´
Adoçou o meu dia
Coisas assim me deixam
Sentimental e de coração mole
E tomando o café aos goles
Sinto até vontade de casar
Ainda bem que café forte
Na manhã, .faz-me acordar!

Outra galáxia

Ao dizer do amor, Cariño
Do amor que sinto por ti
Sinto que tenho que buscar
Palavras em outra galáxia
Então, vou ali e já volto!

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Água de poço


Aquele poço na estrada
Matou-me a sede que me matava
Era de boca estreita, acanhada
Profundo e escuro
Como olhar de uma morena
Faceira e interessada

Lembro-me que nele lancei a corda
E demorei para ouvir o baque do balde
Que me retornou pesado
Puxado pelas minhas mãos pequenas
Ali estava a água mais doce e fresca
Que já havia sentido na alma
Tinha cheiro e gosto de chuva e terra
Dessas coisas boas que são esquecimento
Antigas e embotadas lembranças apenas

Hoje, quando por ele passei
Vi que estava lacrado com pedras
Sua água tinha secado
Pena, pois ainda tenho sede
Uma sede que nunca se acaba
Que vem lá da infância
A procura do velho poço
Para matar a saudade
Que seca e mata minha alma.

Versos alquímicos

A agonia do Argônio
É ser um gás nobre

II

Junte dois átomos de ouro
E você terá um amigo
Au-Au.

III

O Hélio é um gás hilário
Ri de tudo e à toa
He, He, He!....

IV

O cobre é o palavrão
Da tabela periódica
Criminoso cuproso

V

O Carbono é um marginal
Vive em cadeia

VI

O Hidrogênio é um gás
Bem metido a besta
Na família dos metais

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O Sol que brilha por ti

Que o antigo deus de nossos antepassados
Este Sol que tanto brilha por ti
Possa um dia sentir que toda sua energia
Consumida para te fazer vivo
Tenha sido para ti de bom proveito

Na alegria que dispensaste ao teu semelhante
Na solidariedade que tiveste com os necessitados
No amparo que deste aos teus irmãos desamparados
No amor incondicional que aos ventos espalhaste

Viver doutra forma seria gastar-te à toa
Ter os passos confusos nos caminhos da Terra
Para depois devolver aos espaços
A energia que nada fez, nada transformou.

sábado, 9 de novembro de 2013

Poema da revolta e rebeldia

Ah, essas revoltas contidas
Que aparecem na juventude
Dos doidos poetas
E que com eles dormem!

Tenho a minha revolta
Que dorme em cama dura
Sobre tábuas frias e estreitas
E que dá rebeldia às letras

Uma rebeldia de eternidades
Passada de mãos em mãos
De caneta para caneta

Poeta é revolta, poesia é rebeldia
Poeta sem revolta é poeta morto
Poesia sem rebeldia é letra morta.

II

Voem livres meus versos e desafiem os hipócritas
Voem livres minhas letras e desfaçam as máscaras
Tirem de todo tirano a pintura da mentira
Sejam denúncia, sejam justiça, sejam revoltas

E tragam para os nossos dias a esperança

Porque a rebeldia nada mais é do que isso
A incansável maneira de se desejar outra realidade
Pois este mundo que foi mal inventado e nos é imposto
É sonho de poucos e de muitos apenas tronco e açoite.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Bonequinhos de papel

Espero como o profeta
Que espera o fim do mundo
As surpresas do dia
Nunca desesperancei
Mesmo nas piores das horas
Conformado que sou
Com os caóticos
Acontecimentos
Que nos fazem vivos
Mas mesmo assim
Sinto que alguém me ampara
Sinto-me numa roda
A cantar cantigas antigas
Como se ao meu lado fossem
Bonequinhos de papel
Iguais aos que cortávamos
Com imprecisa tesoura
No jardim de infância
Nasceram comigo
E ficam-me grudados
Pelas mãos inseparáveis

Nesta manhã aguardada
Sou expectativas
¿Quem me segurará as mãos
E me levará pela tarde
E por outra noite
E pelo resto da vida?
Há de ser um anjo
Há de ser um anjo!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Em ti, a paz

É na total quietude d´alma
Que se escuta o coração
Para tal, cala-te de todo
E faze um longo psiu
Ao inútil que te rodeia
O mais importante está em ti
Amor, vontades, energia
Isola o mal para fora de ti
Ele se faz ruído
Não lhe dê ouvidos
É ele que não deseja
Que escutes a ti mesmo
Porque se diz o bem
Mas é apenas a ruína
É ele que te faz pavor
E deita-se ao teu lado
A fingir-se necessário
Pedindo ombro e ajuda
A boa Paz não finge
É silenciosa e tímida
Está sempre junto de ti
Mas é preciso escutar
Escutar e bem escutado
O próprio espírito
Para senti-la e tê-la.

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Ilustração - Pablo Picasso, 1911

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A poesia de Deus

Sempre gostei da Geometria
A poesia de Deus
O possível indeterminado
Entre os infinitos
E às vezes não
A materialidade da abstração
Um sistema todo erguido
Sobre o que não existe
E ao mesmo tempo existe
A teologia da construção.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Órfãos e loucos

Quando criança
Fui internado com os loucos
Por engano de uma funcionária do Estado
Preguiçosa e descuidada
Todos órfãos
Um mais goiaba que o outro
Um dia vi que os sãos batiam neles
E vi que havia loucuras maiores
Do que ficar em silêncio num canto
Do que ficar olhando para as paredes
Havia uma loucura maior entre os homens
A loucura do ódio gratuito
Apanhavam e ficavam tentando entender a razão
Mas logo esqueciam da surra
É preciso muito ódio para entender a razão
Um dia falei, tinha também me feito mudo
E os loucos ficaram loucos comigo
Porque lhes tirava o silêncio
E fui banido daquele mundo
Tão sensato, tão real e sincero.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Horóscopo do Almanaque Fontoura

Olho para o calendário
Para as calendas de Novembro
E vejo dos deuses as minhas medidas
Ínfimas em arábicos números
Diante de tantos infinitos

Marcam aquilo que hei vivido
Aquilo que não vivi também
Quantas tolices
Quanta energia jogada fora
De tudo que fui

E na parede branca e mofada
Eis o que sobram, eu e as horas
Presos numa folhinha de farmácia

E sobre a mesa de pernas soltas e tortas
O meu horóscopo que não deu certo
Como previa o infalível oráculo escrito
No Almanaque do Biotônico Fontoura.

domingo, 3 de novembro de 2013

Felicidades, amigos

No meu aniversário
Ao fazer anos
Não me julgueis insano
Quando me virdes
Desejando aos outros
Felicidades
Sou grato à vida
Embora sempre dura
De aspereza de lixa
Desejo felicidades aos amigos
Àqueles que conto nos dedos
Porque divido com eles
Essa canga, esse Sol
Este estar no mundo
Neste mágico instante
Felicidades, amigos
Passou-se mais um ano
E digo de voz viva
E agora mais antiga
Como é bom
Estar entre vós!

Espectrais

Essas gentes que arrastam correntes

Espectros com traços humanos faciais

Quando irão viver de verdade e na verdade?

Ó animais de carga

Ó escravos contentes

Ó mortos sorridentes!

Mãe solteira

Só, tristemente só
Como uma flor nascida
Imprudentemente na Lua
Vejo-te passar
Todos os dias
Pela minha rua

Voltas para casa
Com pesos sobre os ombros
Sofres, és desengano
Amaste, hoje não mais
És a flor da solidão

No portão
Teu filho a ti corre
Foi o que te sobrou
Daquela doída paixão.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Apois, um anjo caipira

O asfalto quente formava duas vias
Uma na Terra e outra no Céu
Eu, criança, não fazia distinção
Entre uma coisa e outra coisa
Tudo era-me e são descobertas
Uma verdadeira, outra imaginação
Uma na Terra, a outra no Céu
Uma para andar, outra para voar
Não, não sabia ainda o que era poesia
Nem coisa parecida

Mas, tudo aquilo me encantava
Poder  voar sem asas, poder correr
Correr à toa até onde aguentavam-me as pernas
Desde que calor fizesse
Desde que eu quisesse
Tudo aquilo, tudo, tudo
Chamava-se felicidade

Apois, um anjo caipira me disse:
´´O caminho na Terra ninguém esquece
O do Céu, feito para voar
Só os poetas alembram
Por isso, esse escrever repetidamente
Por isso, esse labor, praga e louvor
Por isso, esta satisfação de menino
Que pela primeira vez vê a flor´´.

O mastigar do tempo

O tempo alimenta-se das paisagens
Daquilo que enfeita caminhos
Dessas miudezas a que temos apreço
Nada que vejo é inteiro como antes
Tudo anda a faltar pedaços, mastigado
Ontem, procurei o pipoqueiro do Passeio
E disseram-me que ele havia morrido
E desde ontem o Passeio Público
Está em meu coração com um grande buraco
Não sei mais como alimentar os pombos
Fazer a alegria dos peixes em águas turvas
O tempo mastigou mais um amigo
Talvez apenas mais um conhecido
E lentamente me mastiga também.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A aurora me acordou

Renoir
A aurora na cidade é tão áspera quanto o asfalto
Medonha, modorrenta, monótona, medonha
Aurora para ser aurora tem que ter algo de campo
A simplicidade de uma vida que passa sem passar
Lenta, lenta como abraço em quem se ama
Aurora tem que ter cheiro de mar
Aurora tem que se vestir de silêncios
Só o silêncio da boa aurora acorda o espírito
Com sininhos que sacodem a alma das coisas.

domingo, 27 de outubro de 2013

Um tanto mulher

Um tanto diva, um tanto ela mesma
Um tanto santa, um tanto capeta
Um tanto pudica, um tanto puta
Um tanto amor, um tanto desprezo
Um tanto quero, um tanto não quero
Um tanto mulher, um tanto mulher...

Vida errabunda, somos os goliardos

Adoramos a boa vida
Monges beberrões inveterados
Pelo Papa amaldiçoados
Ah, nós somos os goliardos
Sim somos alegres bonachões
Os bardos enamorados

Somos soltos pelo mundo
Como o vento que sopra
Na vastidão das campinas
E de nossas bocas é a obra
Que multiplica os hereges
Que as puras moças soçobra

Monges loucos menestréis
Ah, nós somos os goliardos
E aos ricos que aqui passam
Pedimos alguns trocados
Para jarras de bom vinho
E mulheres do pecado

Nesta vida errabunda
Somos monges mendicantes
Os pobres anjos malditos
Por isso temos amantes
Por qualquer feira e lugar
Somos os monges cantantes.

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Errabundus - no português ficaria errabundo - era o nome que se dava aos errantes vagabundos e vadios (os poetas de taverna inclusos!). Na Idade Média (Século XIII), esses poetas errabundos receberam do Papa a denominação do "goliardos" - uns monges-demônios, simpáticos beberrões, que erravam pela Europa falando mal de quem tinha poder: reis, nobres, juízes e a própria Igreja e destacando o amor terreno e carnal. As Canções de Burana, ou Carmina Burana, são exemplos do que esses monges escreviam e cantavam.